“Tu sentas-te aqui. Ah e tu aqui. Estás a ver aquele lugar na segunda fila? És ali. Olha, desculpa. Afinal não podes ficar na primeira. O Rúben Rua vai para o teu lugar. Mas eu vou tirar aquele casal da segunda e ficas lá.” 17h56. Nem a música clássica bem alta acalmava a confusão instalada na zona mais concorrida da sala de desfiles.
Afinal, a fila de lugares vip do lado direito da passerelle tinha desaparecido e havia um aglomerado de convidados especiais para sentar. 18h01, as luzes apagaram-se. Quem não estava acomodado, apertou-se entre rabos mal sentados e o silêncio instalou-se.
Suspense. Homens todos pintados de branco (quilos de pó de talco por sinal) rastejavam pelo chão como se de aranhas se tratassem. Não eram modelos, via-se, mas vestiam já roupa de Nuno Gama, o gigante da moda portuguesa que nada perde, tudo transforma.
Logo a seguir, manequins elevavam ao alto camisas presas em paus. Vestiam-se de branco e azul, as únicas cores presentes n’”O Globalista”, o nome da coleção primavera/verão 2018 do criador, que quer mostrar como o mundo está numa desconstrução das regras da arte de vestir.
“A inspiração para esta coleção surgiu da mesma maneira que surgem todas as outras. São coisas que não se procuram. Eu não ando à procura destas histórias — eu vivo, estou a olhar, estou atento, sou muito observador. Estou sempre a alimentar-me de tudo e de todos. E, de repente, faz-se luz”, explica à NiT Nuno Gama.
“Na quarta-feira passada [dia 4] estava a conduzir, a dar voltas de carro e a fazer as minhas coisas, pus uma música nova e de repente estava a ter uma visão do futuro, de alguma forma, daquilo que vai ser a coleção de inverno [apresentada em maio de 2018].”
Descalços, todos os manequins estavam também pintados de branco e lábios vermelhos carnudos. Uns vestiam calças brancas com blazers ou camisas da mesma cor, outros ostentavam calções de banho clássicos curtos, em tons de azul.
As tradições portuguesas, sempre as tradições portuguesas nos desfiles de Nuno Gama. Desta vez, o azulejo foi a maior inspiração. Melhor, foi o ponto de partida para os bordados, dobragens e pregas que foram uma constante durante os 21 minutos do desfile.
Na primeira fila, Rúben Rua, de casaco de cabedal como se o calor nada o fizesse temer, nunca tirou os óculos de sol. Quem sabe com medo de verter uma lágrima saudosista pelos tempos em que era ele uma das grandes estrelas da ModaLisboa.
Mais uma vez, Nuno Gama mostrou que o lugar dele é, como antes, no desfile de fecho do evento — continua a ser uma rock star e, se a ModaLisboa fosse um festival, ele só podia ser cabeça de cartaz. Quando as luzes se voltaram a apagar e tudo indicava que só faltava o criador vir agradecer, eis que um homem de guitarra portuguesa em punho entrou pela sala e fez o mundo parar.
Não parou mas arrepiou com cada acorde saído dali. Atrás dele, todos os manequins deram a última volta da praxe. Na plateia já ninguém queria saber dos lugares apertados e rabos magoados. Metade dela estava de pé a gritar bravo a Nuno Gama.
Afinal, como é que o criador começou? Nuno Gama nasceu a 22 de abril de 1966 e viveu até à adolescência em Azeitão. Nessa altura, mudou-se para o Porto com o objetivo de fazer o curso de moda no Centro de Formação Profissional da Indústria Têxtil, mais conhecido por CITEX. Concluiu os estudos em 1991, data em que criou a própria marca: Nuno Gama Têxtil.
Ainda nesse ano, o criador apresentou a sua primeira coleção na ModaLisboa. Dois anos mais tarde, em 1993, ganhou o concurso para a criação das fardas dos funcionários dos museus portugueses — prémio que lhe deu algum nome. Seguiram-se as presenças em mais eventos nacionais (inclusive o Portugal Fashion) e em feiras pelo mundo, como a Nouvel Espace, em Paris, ou Gaudí, em Barcelona.
Em 1996, abriu em Lisboa a primeira de nove lojas. Hoje, vende para todo o mundo: Estados Unidos, Japão, China e Angola, por exemplo. No mesmo ano ganhou um Globo de Ouro, na categoria de Personalidade do Ano, e a 9 de junho de 2015 foi reconhecido como Comendador da Ordem do Infante D. Henrique.
Em 2016, completou 50 anos e assinalou a data com a 50.ª coleção. A NiT aproveitou a celebração para entrevistar o sobrinho do escritor Sebastião da Gama, que até nos confidenciou que, se não fosse estilista, teria sido cozinheiro.
Recorde a entrevista e carregue na imagem para ver o desfile de Nuno Gama.