Em março do ano passado, Telma Castro estava com três amigas no metro de Paris. As carruagens estavam cheias, a abarrotar de pessoas que circulavam apertadas ou aos encontrões sempre que alguém tinha de entrar ou sair. As jovens não estavam a prestar muita atenção ao que se estava a passar: iam distraídas a conversar, a recordar as fotografias que tinham tirado e a pensar em tudo o que queriam planeado para o dia seguinte.
Nenhuma delas se apercebeu que, durante aquela viagem, alguém se aproximou de uma das mochilas e roubou todos os objetos de valor. Mais: não só desapareceram a carteira, máquina fotográfica e telemóvel, como ainda foram introduzidas pedras, jornais e latas de Coca-Cola lá dentro — tudo para fazer peso na mochila e ninguém sentir a diferença. Funcionou: as raparigas só perceberem o que tinha acontecido quando já estavam a caminho de casa.
“Fiquei super revoltada com aquilo”, recorda Telma Castro, criadora da mochila inimiga dos carteiristas DO, à NiT. “Pensei: como é que é possível as mochilas serem acessíveis a toda a gente menos ao utilizador? Porque é que não existe uma que tenha fechos e bolsos virados para as costas?”
Foi assim que surgiu a DO, um híbrido de mochila, mala de viagem e bolsa para o portátil. Lá dentro, a divisão é feita por duas áreas: uma mais de escritório (tablet, computador, estojo) e outra para a roupa, que pode ser perfeita para colocar o kit do ginásio, um outfit para jantar depois do trabalho ou simplesmente para colocar aquelas peças que já não cabem na mala de viagem.
Há mais. A DO também tem um bolso de veludo para os óculos e outro feito do mesmo material à medida dos estojos de líquidos que leva para o aeroporto. Para facilitar a nossa vida, existe um bolso em meia lua para guardar o telemóvel e as chaves, que é acessível sem ter de tirar as mochilas às costas — “não encontrei nenhuma que tivesse isto” —, e um bolso na alça esquerda para o passe ou o cartão multibanco.
“Depois ainda inclui a única característica de design, uma risca no painel frontal, feita de tecido refletor.”
Além destas características da DO — que, já agora, se chama assim porque a palavra “dos” significa costas em francês, e todos os segredos desta mochila estão nas costas — a mochila foi pensada para destros e canhotos com um fecho no exterior que permite abrir a mochila da forma mais confortável possível.
Aos 28 anos, Telma Castro, natural de Lisboa, andava há algum o tempo com vontade de voltar a Portugal. Depois de tirar a licenciatura na Faculdade de Direito de Lisboa, em 2015, foi viver para França para trabalhar no departamento jurídico de um banco. Nessa altura resolveu tirar outro curso, na área da consultoria financeira (demorou apenas um ano graças às equivalências), depois foi trabalhar em Gestão de Conformidade na Crédit Agricole.
Era naquela empresa que Telma Castro estava a trabalhar quando o assalto a deixou obcecada por mochilas, fechos e segurança. Das (muitas) horas passadas em guerra com o Google — que sabe-se lá porquê acabava sempre numa página relacionada com sexo —, a lisboeta descobriu que a oferta era quase mínima. Até havia algumas mochilas com aquelas características — infelizmente, a mais barata custava quase 200€, outras chegavam aos mil.
Parecia evidente que havia um gap no mercado. E Telma Castro sabia exatamente o que fazer. Da pesquisa passou para os esboços e protótipos de mochilas e, de repente, o projeto já estava a ocupar tanto do seu tempo que se tornava impossível conciliar o trabalho com a DO.
Estava na altura de arriscar. À hora do almoço, depois de um bom shot de calvados (licor típico do norte de França, onde estava a viver), regressou ao trabalho e apresentou demissão. Estávamos em setembro de 2016, e Telma estava pronta para regressar ao seu País.
Não foi tão rápido quanto a jovem queria, no entanto tudo se processou com naturalidade. Com a ajuda de uma amiga designer de moda, Catarina Portela, fizeram um desenho do produto no Adobe Illustrator. Munida com o desenho técnico e a ficha (composição de todos os materiais), Telma Castro foi a uma fábrica em Braga, a Diálogos Pioneiros, para dar início à produção.
“Era muito importante para mim fazer produção nacional. Além da mão de obra portuguesa ser super qualificada e de ser necessário incentivar a nossa economia, a proximidade permitia-me estar lá a acompanhar todo o processo.”
Em março deste ano, o lote de 500 mochilas ficou pronto. Dois meses depois, e a operar tendencialmente só online, a DO chegou aos EUA, Brasil e França. “Já vendemos quase 30% do stock.” Disponível nas cores preta e cinza, tem capacidade para entre 20 e 25 litros e custa 80€.