Entre uma loja de animais, à esquerda, e o acesso ao piso -1 do estacionamento, à direita, está uma porta dupla rodeada por vitrais. Do lado de lá fica a capela do Centro Comercial Colombo, em Lisboa, ou o “pedacinho de céu”, como lhe chama Elizabeth Maria Pereira, zeladora do espaço há quatro anos.
A capela está escondida e longe das lojas mais conhecidas — são sobretudo os moradores das freguesias da zona que sabem da sua existência. Pelo centro comercial há indicações para lá. Estão entre uma seta para os cinemas ou aquela que aponta para a estação do metro. As que mostram o caminho da fé desaparecem a poucos metros do destino, deixando-nos desorientados, como acontece muitas vezes nas estradas portuguesas em direção a Fátima.
A Igreja de Nossa Senhora das Descobertas (é essa a sua designação oficial) existe desde a abertura do Colombo, em setembro de 1997. Maria Augusta Fernandes, de 68 anos, esteve lá, na missa inaugural, embora já não se lembre do dia exato.
“O que recordo é que isto estava cheio no primeiro dia, mas à segunda missa vieram apenas cinco pessoas. O padre da altura disse para não ligarmos, que as celebrações se fariam da mesma forma”, conta à NiT.
Palmira Gonçalves e Maria de Lurdes Fernandes passam por aqui desde 1997.
O projeto nasceu de um diálogo entre o Patriarcado de Lisboa e a Sonae, detentora do centro comercial. A ideia não foi original.
“Uma igreja é sempre uma igreja e o centro comercial das Amoreiras também tem um espaço idêntico, até mais antigo”, diz Nuno Fernandes, o padre responsável pela capela.
Embora a área geográfica já seja Carnide, ficou definido que a gestão ficaria a cargo da Igreja de Nossa Senhora do Amparo, em Benfica. É aí que acontecem casamentos, catequese e missas. Estas últimas também são regulares no Colombo: uma celebra-se à quinta-feira (17h30), outra ao sábado (18h30) e duas ao domingo (11h30 e 18h30).
Entre as celebrações, há sempre gente a entrar e a sair. Alguns perdem apenas dois ou três minutos, o suficiente para se isolarem a rezar, outros sentam-se e entram numa espécie de bolha de tranquilidade. Alguns crentes/shopaholics trazem sacos nas mãos, alguns deles bem volumosos. Mas isso não incomoda o pároco.
“É natural, a pessoa que vem das compras, tem sacos. No entanto, se vem à igreja é porque quer estar em oração, por isso, não perturba os outros.”
É natural entrar com sacos mas ninguém se sente incomodado.
Elizabeth Pereira conta que há até quem lhe peça para guardar algumas coisas numa pequena sala que existe à entrada, à esquerda, antes da entrada para a igreja.
“Por vezes ficam aqui porque podem sempre fazer barulho a bater nas cadeiras quando se estão a instalar. Mas isso é apenas durante uns segundos, ninguém se sente incomodado”; acrescenta Elizabeth Pereira.
Maria de Lurdes Fernandes, que vive nesta zona de Lisboa, tem outra opção: “Costumo fazer as compras e levo-as a casa mas nem toda a gente está assim tão perto.”
É o caso de Alda Velasco, 79 anos, que se desloca de propósito de Queluz (que fica a 12 quilómetros de Benfica) para as missas de quinta-feira e domingo.
“Foi o meu marido que me trouxe quando o centro abriu. É um espaço aconchegante, parece que estamos sempre em família. Há muita gente que trabalha aqui e nem sabe da existência da capela”, garante Alda Velasco, de 79 anos, depois de ter passado uns minutos a rezar.
Deolinda Pereira, de 72 anos, aproveita para descer ao piso -1 sempre que vem às compras. “Venho de Linda-a-Velha e acho este espaço diferente, é muito espiritual e conseguimos encontrar aqui um pouco de silêncio.
Há muitos casos idênticos assim — embora a maioria dos fiéis more por ali —, conta o padre Nuno Fernandes.
“Já me apercebi que há muita gente das redondezas de Lisboa que, por exemplo, ao domingo gosta de vir para o centro comercial e depois aproveita e vem à celebração. Há uma boa rede de transportes, as pessoas chegam da Amadora, do Casal de S. Brás.”
Elizabeth Pereira é zeladora da igreja.
Elizabeth Pereira conhece todas as caras habituais. “Aquelas duas senhoras vêm ao terço, aquele senhor costuma vir com a mulher ao fim de semana”, vai explicando à NiT enquanto aponta com os olhos para as pessoas à sua volta.
Foi técnica de farmácia durante várias décadas e embora refira inúmeras vezes que faz anos no dia seguinte [23 de março], recusa-se a revelar a idade. Quando se reformou, convidaram-na para ser zeladora da igreja. É ela quem prepara tudo no dia a dia, desde as caixas de peditórios às leituras. Abre as portas às 10h30 e fecha-as às 19 horas. Tem duas horas de almoço e duas folgas por semana, mas até isso lhe parece demasiado.
“Quando estou de folga, tenho saudades. Sinto-me muito bem aqui”.
Nunca teve medo, perguntamos-lhe, tendo em conta que passa inúmeras horas sozinha e está numa zona isolada? “Nunca. Já aconteceu aparecer um sem-abrigo ou alguém que tomou qualquer substância e que fala de forma mais agressiva ou pede alguma coisa mas temos de ter paciência. Nunca ninguém me ameaçou. Afinal, estou num lugar abençoado”.
Há quatro missas semanais mas o espaço está aberto todos os dias.
Pela Igreja de Nossa Senhora das Descobertas passam também familiares de pessoas que estão internadas ou em tratamento no Hospital da Luz, que fica mesmo ao lado do Colombo. E, claro, adeptos do Benfica que em dia de jogo têm um pedido extra para o Nosso Senhor.
Para Elizabeth Pereira só uma coisa interessa: “Como é a casa de Deus, é a casa de todos. Não há exceções, as pessoas aqui são todas iguais, como o Papa Francisco pede.”
Há ainda quem trabalhe no centro comercial e aproveite a hora do almoço para se recolher ali. Aliás, há dois anos, chegou a haver missa às 12h30.
“Tinha participação mas não era em massa. São experiências que vamos fazendo para dar às pessoas um espaço de culto, de oração. Como está num centro comercial, num ponto de passagem, tentamos de alguma forma chegar a todos”, conta o padre Nuno Fernandes, de 45 anos e responsável pela paróquia de Benfica há quatro.
Costuma ser ele a celebrar a cerimónia de domingo, embora por vezes seja substituído por um colega ucraniano, o padre Natanael Harasym. À quinta-feira é o padre Guerra que toma conta da igreja.
“Gosto muito de todos”, garante António Costa, de 72 anos. “O padre Nuno é, de facto, muito prático e nada maçador.”
O padre Nuno Fernandes é responsável pela paróquia.
O próprio pároco reconhece que o facto de o espaço ser pequeno e acolhedor ajuda a que o ambiente seja diferente do que se vive em igrejas mais imponentes.
“A arquitetura gera maior proximidade com as pessoas. O ambão [púlpito onde se fazem as leituras] está muito próximo e, às vezes, dou por mim a falar com as pessoas num tom mais intimista. Em vez de uma pregação, é quase uma conversa”, revela o padre, que é também diretor do jornal “Voz da Verdade”.
Com sacos da Primark ou do Continente, cachecóis de clubes de futebol ou poucas indicações no interior do Centro Colombo — “Sinceramente nunca fiz nenhum pedido para que existissem mais, nem sei se estariam abertos a isso”, explica à NiT o padre Nuno —, a verdade é que a capela, como todos lhe chamam, não precisa de publicidade.
“Durante a semana podem estar à volta de 20 ou 30 pessoas mas, ao fim de semana, a igreja enche. Chegam a ser 150 ou 200 pessoas. Muita gente fica de pé, lá atrás.”