Leonor Bettencourt Loureiro conhece bem a Avenida Almirante Reis. Viveu lá em miúda e, depois de ter andado por outras moradas, acabou por voltar para esta zona movimentada de Lisboa. Entre funcionários à porta de lojas que abrem cedo e só encerram depois de o sol se pôr e as pessoas apressadas para o trabalho, há um outro grupo de pessoas que sempre chamou a atenção desta realizadora: os sem-abrigo.
“Sempre foi um tema muito sensível para mim. Recordo-me de um episódio em específico. Eram cerca de oito pessoas, três delas transexuais. Viviam debaixo de umas arcadas. Não era nada diretamente comigo, mas havia ali muita discriminação, um certo buzz, às vezes até confusão”, conta à NiT.
Desde muito cedo que a jovem de 26 anos sempre pensou em formas de ajudar os mais desprotegidos. No final do ano passado, numa altura em que estava a fazer uma revisão da sua vida e do que poderia mudar em 2020, surgiu a ideia de criar um pop-up solidário.
“Vou regularmente livrando-me daquilo que já não uso, até porque estou ligada à moda e não gosto do desperdício. Felizmente, esta indústria esta cada vez mais sustentável. Então, lembrei-me de organizar um evento em que as pessoas pudessem, não só livrar-se daquilo que têm em bom estado e já não querem, como também pudessem ajudar quem realmente precisa”, explica Leonor que, em dezembro, recebeu o prémio de melhor realizadora no Porto Fashion Film Festival.
Foi assim que nasceu o The Ghost Of Future Fashion, cuja primeira edição acontece no número 4 da rua Passos Manuel, em Lisboa, a 24 e 25 de janeiro. Neste mercado, organizado em parceria com a Fashion Revolution Portugal, as pessoas vão poder não só vender roupa como doá-la.
“O pop-up vai funcionar como uma loja e não com bancas. Cada interessado [que tem de se inscrever através do email bettencourtloureiro.leonor@nullgmail.com] pode levar até 15 peças que têm de estar em bom estado. É ele que estabelece o preço, que pode ser de 5€, 10€, 15€, 20€, 25€ ou 50€”, explica.
Nos dias do mercado, os donos das propostas não precisam de lá estar. “É opcional. As peças ficam todas etiquetadas e com a informação do valor. Se não quiserem estar presentes eu e a minha equipa tratamos da venda.” No final, 60 por cento do lucro vai para quem entregou as peças e os outros 40 fica para despesas como aluguer do espaço, materiais para a montra, ou seja, para “toda a produção”.
E de que forma é que o The Ghost Of Future Fashion é solidário? A resposta é: de várias formas. Os artigos que não forem vendidos vão ser entregues à Comunidade Vida e Paz, que trabalha diretamente com refugiados e sem-abrigo. Além disso, quem quiser abdicar dos 60 por cento que receber também poderá dá-los à instituição. As pessoas que não quiserem vender peças, mas apenas doá-las também são bem-vindas.
Para organizar este pop-up, Leonor contou com a ajuda de Maria Galvão Sousa, que também trabalha em moda. “Ela tem sido essencial em todo o processo, já que está muito virada para a questão da sustentabilidade”, conta a jovem à NiT.
No sábado, 25 de janeiro, Maria vai moderar duas talks interessantes no espaço do mercado: às 15 horas acontece a “Sustentabilidade na Indústria da Moda”, com participação da Fashion Revolution; e às 18 horas fala-se de “Case Study Anjos 70: De um mercado de roupa a um polo criativo”, com participação da Catarina Querido (fundadora dos ANJOS 70 e do Art & Flea Market).
Durante os dois dias, o The Ghost Of Future Fashion vai ter DJ set com Espirro, MC Poça, João Magalhães, Uglycat e King Kami. Mafalda Slam vai estar a fazer live painting.
O pop-up está aberto entre as 15 e as 21 horas na sexta-feira. No sábado abre às 11 horas. “Correndo muito bem gostaria que fosse uma tradição anual nesta mesma altura”, conclui Leonor Bettencourt Loureiro.