A 26 de abril de 1986, um teste de rotina na central nuclear de Chernobyl, perto da cidade de Pripyat, Ucrânia — que na altura pertencia à União Soviética —, correu terrivelmente mal. O reator quatro explodiu, libertando uma enormidade de material radioativo no ar. A operação estava a ser realizada durante a noite, com alguns dos sistemas de segurança deliberadamente desativados.
Problemas na conceção dos sistemas da planta nuclear terão estado na origem da explosão do núcleo, mas até hoje nem todas as causas exatas são bem conhecidas. Certo é que a radiação libertada pela explosão e posterior incêndio se espalhou pela Ucrânia, Rússia, Bielorrússia e chegou até à Escandinávia e a algumas zonas da Europa ocidental.
Tudo isto era, tal como a zona onde o acidente aconteceu, uma realidade um pouco distante, uma memória vaga na cabeça de algumas pessoas e uma história apenas contada para muitas outras. Até este mês de maio, quando uma minissérie da HBO, “Chernobyl”, ficou disponível na plataforma e se tornou um sucesso épico, com milhões a assistir em todo o mundo e críticas históricas, que rapidamente fizeram dela a produção mais bem cotada no IMDb.
Os cinco episódios com cerca de uma hora cada — o último chegou à HBO Portugal a 4 de junho — contam o que aconteceu após o maior desastre nuclear de sempre.
Nas horas que se seguiram à explosão acidental houve o caos, a confusão, e os responsáveis pela central pareciam negar que o problema fosse assim tão grave. Não estavam conscientes da dimensão do que estava a acontecer e o adiamento pode ter sido fatal: terá sido, certamente, para os 31 mortos confirmados por radiação direta e pelo menos 15 mortes indiretas por cancro nos anos seguintes. Estes números estarão consensualmente muito abaixo da realidade, já que houve milhares de mortes por cancro em pessoas que moravam nas áreas contaminadas nos anos que se seguiram. Contudo, estas não têm sido contabilizadas como associadas ao acidente, por insuficiência de dados.
O número final de mortos como resultado da exposição à radiação a longo prazo é muito disputado e nunca saberemos o valor final. A dado ponto, decorridas largas horas depois do acidente, os soviéticos começaram a evacuar 300 mil pessoas de milhares de metros quadrados em redor da central. A maioria da região assim ficou, largada à pressa e completamente fantasma.
Esquecidos no tempo e abandonados no espaço, Chernobyl e Pripyat ficaram anos praticamente longe da atenção do mundo, mas uma simples série mudou tudo. Em apenas dois meses, o número de visitantes aumentou significativamente, sendo a zona novamente invadida por milhares de curiosos que querem ver o que resta do local.
Em maio, um artigo de fundo da “Wired” explicava o que ficou e o que aconteceu depois da evacuação. Dizia a revista que a maior parte dessa área é conhecida como Zona de Exclusão de Chernobyl e a antiga fábrica de energia está fechada num gigantesco túmulo de cimento e aço.
Na cidade de Pripyat, evacuada à pressa, ficaram casas, roupas, brinquedos, parques de diversões e infantis abandonados durante décadas. Quanto ao que aconteceu, biologicamente, com a zona depois de todos fugirem, é motivo de discordância na comunidade científica há anos, acrescentava a “Wired”. Durante décadas, pesquisas na área disseram que a vida de plantas e animais havia sido quase erradicada e a que permaneceu estava doente. Novos estudos garantem o contrário e mostram que, nos últimos anos, as plantas se renovaram e a vida animal é até mais diversa do que antes da explosão.
A verdade é que, com toda esta curiosidade, muitos perderam o medo e rumaram a Chernobyl. Desde a estreia do primeiro episódio, uma agência de turismo local relatou um aumento de 40 por cento nas reservas, mas a subida parece ser geral em todas as empresas que o fazem. Um tour de um dia na região, em inglês, custa à volta de 82€ por pessoa, mas há excursões de dois ou três dias que podem passar os 300€.
A cidade de Pripyat, a 20 quilómetros da central nuclear, já teve 50 mil habitantes, a maioria dos quais trabalhava na fábrica. Tem ainda um mítico parque de diversões que mantém um carrossel, uma pista de carrinhos de choque e uma roda gigante que nunca chegou a funcionar.
Quando os habitantes começaram a ser retirados, foi-lhes dito que a evacuação era temporária e pedido que levassem poucas coisas, só que nem um regressou e ninguém pode ainda viver na Zona de Exclusão de Chernobyl — e o que ficou, ficou ao abandono. São precisamente essas imagens negras, de coisas e objetos largados e parados no tempo, como se tudo tivesse sido ontem, que atraem tanta atenção.
Desde 2011 que Chernobyl é um destino turístico aberto a passeios guiados perto da usina e à cidade abandonada de Pripyat. Apesar de já ter tido vários milhares de visitas espaçadas nestes anos, nada se compara ao que tem acontecido nas últimas semanas devido a “Chernobyl”, confirma a CNN. E isto apesar de a série até ter sido filmada principalmente na Lituânia.
A empresa SoloEast Tours propõe um passeio no qual os visitantes embarcam em Kiev e percorrem 120 quilómetros até à área atingida. No local, passam pelos monumentos em homenagem às vítimas, pelas aldeias desertas e por um bunker. O grupo também almoça no único restaurante de Chernobyl a funcionar.
Yaroslav Yemelianenko, diretor de outra e empresa, a Chernobyl Tour, confirmou ao canal norte-americano que espera um aumento de 30 a 40 por cento este verão, por causa da série.
Já segundo o “Daily Mail“, não foram só os turistas curiosos e discretos que foram a correr para o local. Também dezenas de influenciadores à procura, como sempre, da imagem mais icónica (e com mais gostos) correram para o carrossel em Pripyat e fizeram dele um local privilegiado para imagens de Instagram.
E, se alguns vão equipados e publicam fotos incríveis, outros arriscam-se (pelo menos aparentemente) e chegam a despir-se no local.
Há até quem tire selfies a segurar detetores de radiação, para tentar mostrar como a área ainda é radioativa.
De acordo com o jornal britânico, as publicações tornaram-se tão frequentes que o próprio escritor e produtor responsável pela minissérie, Craig Mazin, decidiu intervir e pediu no Twitter para que se respeitasse a tragédia que ali aconteceu.
É seguro visitar Chernobyl?
Esta é a pergunta que o mundo faz depois da série, mas a resposta não é 100 por cento clara. Segundo resume a CNN, Chernobyl é um dos lugares mais poluídos do mundo e só pode ser visitado com um guia licenciado — o que implica o cumprimento de certas regras de segurança.
Várias empresas de turismo oferecem tours guiados à Zona de Exclusão, como a já referida SoloEast, que confirmou ao canal o aumento de reservas que sentiu nos últimos meses.
A empresa adiantou que nem tudo pode ser visitado: alguma área está aberta aos turistas desde 2011, mas secções como o cemitério de máquinas da vila de Rossokha permanecem fora dos limites. No entanto, os viajantes podem visitar a cidade abandonada de Pripyat, bem como um ponto de observação a cerca de 300 metros do New Safe Confinement, o tal túmulo de aço que cobre os restos do reator nuclear.
A unidade de reatores e a roda gigante no parque de diversões de Pripyat são os mais populares entre os turistas e a SoloEast diz que tem levado entre 100 e 200 visitantes para a área nos dias de fim de semana desde que “Chernobyl” estreou na HBO.
Quanto à segurança face à radiação, esta empresa explica ser a pergunta mais comum entre os visitantes, mas um responsável garante ser “absolutamente seguro” ou o governo não autorizaria —pelo que a resposta oficial parece ser de que é seguro; e fala numa radiação após uma tour menor do que a de um voo intercontinental.
No entanto, vários meios adiantam que a Agência Estatal de Gestão da Zona de Exclusão de Chernobyl emitiu instruções de segurança e conselhos para as pessoas que circulam no interior da zona de exclusão e todas as visitas começam e terminam com a passagem por um posto oficial de medição de radiação. Idealmente, há um ponto de verificação adicional a meio do passeio.
Além disso, ninguém pode tocar em coisas ou plantas ou remover seja o que for da zona. As pessoas são proibidas de se sentarem ou colocarem qualquer equipamento no chão, adianta o “The Telegraph“. Devem também ter roupa forte, sapatos e, idealmente, uma touca.
O site “LiveScience” adianta que as ruínas do reator de Chernobyl, agora contidas sob metal, ainda são altamente radioativas e provavelmente permanecerão assim mais vinte mil anos. Contudo, as zonas em Chernobyl que estão agora abertas ao público podem ter recebido inicialmente doses menores de radiação.
Os três portugueses que visitaram Chernobyl e contaram tudo à NiT
Em 2017, três portugueses entraram em Chernobyl: Gonçalo Gouveia, Paulo Santos e Sérgio Godinho passaram três dias na Zona de Exclusão — inclusivamente durante a noite. Em exclusivo para a NiT, contaram então a sua história e partilharam as melhores imagens da viagem.
Explicaram que visitaram a Zona de Exclusão, nome dado ao perímetro de segurança de 30 quilómetros montado à volta da central nuclear de Chernobyl e que a área é controlada por militares, alguns armados com metralhadoras. Ninguém entra no local — que inclui Pripyat, pequenas aldeias e vilas e o Sarcófago (a tal cobertura do reator nuclear que explodiu) —,sem as devidas autorizações.
Gonçalo, Paulo e Sérgio conheceram-se na página de Facebook Lugares Abandonados, onde os utilizadores partilham fotografias de edifícios, casas ou quintas que ficaram esquecidos no tempo.
Escolheram o pacote de três dias da Chernobyl Tour. Era o mais completo: tiveram acesso a praticamente todas as áreas daquele raio de 30 quilómetros em torno da central nuclear e podiam dormir num hotel em Chernobyl. O programa custou, em 2017, 380€ por pessoa e incluiu, além da visita guiada, o alojamento e as refeições (pequeno-almoço e jantar).
Houve surpresas. “Ainda vivem lá algumas dessas pessoas”, contou a à NiT Sérgio Godinho. Durante o tempo que passaram na região, Sérgio Godinho lembra-se de ver muitas pessoas a saírem das suas casas ou a andarem pelas ruas vestidas com camuflados. “Ficámos num pequeno hotel, com entre 20 e 25 quartos, que deveria ter sido uma casa que foi toda remodelada. Tinha um bar, restaurante e duas salas de refeições.”
Nos três dias, o roteiro foi sempre o mesmo: os portugueses, que viajaram com dinamarqueses, polacos, suecos, um brasileiro e um canadiano, acordavam por volta das 7 horas e saíam do hotel na carrinha às 8 horas ou 8h30.
“Há uma pequena mercearia em Chernobyl, onde parávamos de manhã para comprar água e comida. Os jantares eram feitos no hotel, mas para o almoço levávamos sempre alguma coisa para comer”, recordou Sérgio Godinho.
Carregue na galeria para ver as imagens de Paulo Santos, autor do Pr0j3ct URBEX; Gonçalo Gouveia, do GG Photography; e Sérgio Godinho.