O Rio Torne, um dos mais longos que atravessa a Suécia e Finlândia, está agora a começar a congelar. Daqui poucas semanas, antes do fim de outubro, as águas que correm revoltas ao longo de mais de 500 quilómetros vão dar lugar a um gigantesco leito de gelo cristalino. É então que as máquinas entram em movimento: enormes blocos serão retirados e armazenados em câmaras frigoríficas, até que a temperatura permita a construção do Ice Hotel.
Em maio, quando o sol começar a furar a névoa cinzenta, tão habitual nestas geografias, o gelo é devolvido ao rio e o hotel desaparece com a simplicidade de cubo de gelo que derrete.
O processo repete-se todos os anos desde 1993, ano em que Ake Larrson pisou pela primeira vez a Lapónia sueca. O arquitecto, natural de Estocolmo, que morreu em 2012, procurava apenas um lugar para umas mini-férias longe da confusão da cidade.
Acabou por ficar mais tempo do que o previsto graças a uma proposta tão bizarra quanto irresistível de Ingve Bergvist, gerente de um iglo: construir uma cidade de gelo. Larrson passou então a dividir o tempo entre o ambiente quente do seu atelier e as temperaturas gélidas do armazém onde está guardada a matéria-prima.
“O gelo é diferente de qualquer outra matéria, não podemos guardá-lo. É completamente experimental”, disse o arquitecto numa entrevista, em 2010, rendido ao esboço que Bergvist lhe entregara. “Viajei por toda a Europa. Procurei as catedrais mais antigas e estudei a sua construção para procurar inspiração.”
Domir com temperaturas negativas pode não ser para qualquer pessoa, mas a experiência é inesquecível: no interior dos quartos o termómetro nunca vai além dos sete graus negativos — no exterior chegam aos menos 40 —, mas os responsáveis do hotel garantem uma noite de sono tranquila, partindo da experiência dos povos indígenas da Lapónia, os Sami: construída em gelo, a cama tem um colchão e os hóspedes dormem sobre peles de rena, enrolados num saco-cama especial, durante uma noite de sono tranquila e quente.
E o mais incrível ainda são os preços: por uma noite rondam os 154€ num quarto aquecido e 300€ num quarto frio, o que não é assim tanto, tendo em conta a experiência única.
Uma cidade em movimento
O Ice Hotel renova-se todos os anos. Dezenas de artistas são convidados a esculpirem o interior das instalações: candelabros, mobiliário, os copos do bar, pratos e talheres, tudo é feito em gelo. Ao todo, são retirados do rio 25 milhões de litros de água, e bastam seis semanas até o hotel ficar pronto para receber os hóspedes. Claro que tudo isto depende de um factor que os arquitetos e artistas não podem controlar: o clima.
Nesta altura, as temperaturas já rondam os zero graus e é possível que o hotel abra portas ainda durante o mês de novembro. Mas já houve anos em que o tempo não ajudou e a inauguração aconteceu já perto do natal. Em qualquer dos cenários, vale a pena visitar o norte da Suécia.
Kiruna, a cidade mais próxima do Ice Hotel, é um verdadeiro fenómeno em transformação. Não só pela aurora boreal, cujas luzes esverdeadas podem avistar-se em certas noites, mas porque é um lugar em movimento, no sentido literal da palavra: a cidade está a mudar para uma nova localização, a quatro quilómetros da original. É uma questão de sobrevivência.
Em 2000, o presidente da Câmara de Kiruna recebeu uma carta lacrada, com o selo da LKAB, a empresa que explora o subsolo, onde está instalada a maior mina de ferro do mundo. As notícias não eram boas: a parede de sustentação da mina, situada justamente debaixo do centro da cidade, está a ceder. Enormes fissuras começaram a rasgar o chão revelando um prognóstico sombrio: em menos de 100 anos a cidade vai afundar-se nas entranhas da terra. Foi preciso escolher: ou a mina fechava ou a cidade mudava de local.
Com uma economia que depende quase em exclusivo do negócio do ferro – Hitler percebeu isso mesmo quando atacou a Noruega e destruiu o caminho de ferro pelo qual era transportado o minério vindo do outro lado da fronteira -, a decisão tomada em referendo foi esmagadora: mudar a cidade. A empresa norueguesa que venceu o concurso prevê que o processo esteja concluído em duas décadas.
Numa cidade com pouco mais de 10 mil habitantes, o tipo de construção permite colocar as casas em cima de camiões e levá-las para longe do perigo. Os edifícios históricos serão mudados, algumas casas vão ser demolidas, e o processo tem até um percurso turístico para quem quiser ficar a saber mais sobre como se transporta uma cidade inteira.
Esta talvez seja a melhor época para visitar esta região, que fica 200 quilómetros no interior do círculo polar ártico. A mina é um dos principais pontos turísticos: com 400 quilómetros de estradas no interior, em novembro há visitas guiadas em inglês, todos as quartas e sábados. A viagem aos 540 metros de profundidade é feita de autocarro por estradas alcatroadas, há semáforos e trânsito debaixo da terra. Pelo caminho vai ficar a perceber a história desta empresa com mais de cem anos, responsável pelo nascimento da cidade: para se ter uma ideia, cada trabalhador da mina sustenta quatro pessoas à superfície.
Outro programa que recomendamos é uma excursão pela natureza e vida selvagem da Lapónia sueca. Há passeios na neve em trenós puxados por cães. Existem várias empresas que promovem esta experiência com a garantia de que os animais são bem tratados: algumas vão buscar os clientes ao hotel.
Em alternativa, sugerimos um passeio de mota de neve, se possível, com um destino: o campo dos indígenas Sami, que habitavam o território muito antes de alguém ter descoberto o minério no subsolo. O Parque Nacional de Abisko, a cerca de 30 minutos de comboio do centro de Kiruna, é de visita obrigatória. Com mais de 400 quilómetros de extensão, a zona oferece boa comida e existem alguns hotéis. O melhor mesmo é ficar num lodge, com preços para novembro a partir de 117€ por noite.
Novembro talvez seja uma boa época para rumar até Kiruna. Não há vos diretos, mas as passagens não estão caras: se partir de Lisboa no dia 21, quarta-feira, e regressar dia 29, consegue um voo por 415€, pela TAP, com duas escalas.