Uma das minhas “must do” no Rio de Janeiro era visitar uma favela. Assim que cheguei ao Rio inscrevi-me logo num projeto social promovido pelo Couchsurfing para ajudar a melhorar as condições das favelas. A minha vontade era participar com um amigo, mas como ninguém me quis acompanhar, acabei por ir para lá sozinha.
Eram 8 horas da manhã de 16 de dezembro quando tomei o pequeno-almoço e me preparei para entrar naquela que é a maior favela da América do Sul [cerca de 70 mil habitantes], a famosa Rocinha.
Quando saí da estação, arrependi-me imediatamente. Só pensei: “Mas com tanta coisa para fazer no Rio, com tanto lugar para visitar no Rio, tu vens para uma favela pintar paredes?” Naqueles minutos passou-me tudo pela cabeça. Não me senti segura. Quando saí e não vi imediatamente a ponte onde supostamente iria encontrar os organizadores do evento, entrei em pânico. Pensei logo em voltar atrás. Voltar a entrar no metro e regressar a Botafogo mas de repente parei. Respirei fundo. E lá segui, com aquele ar “eu conheço isto tudo”.
Encontrei a ponte que liga a cidade à favela e minutos depois apareceu o inglês organizador do evento e, lá fomos nós. Confessei-lhe que não me sentia segura e ele só me disse: ”Vamos pintar paredes e ajudar estas pessoas. Vivo aqui há meses e nunca me aconteceu nada. Aqui as pessoas respeitam-se. Ninguém te vai roubar. Ninguém te vai fazer mal. Mas vais ver pessoas com as armas. Podes tirar fotos a tudo menos a essas pessoas. Tranquilo?”
Nunca na minha vida tinha visto uma arma de tão perto [usam-nas as pessoas que têm um cargo mais importante na favela], tanta criança descalça no meio da terra, tanta barraca chamada casa. Mas por incrível que pareça, não me senti em perigo. As favelas no Brasil estão muito mais pacificas. Hoje há muitos hostels, muitos turistas, muitas visitas turísticas, muito trabalho social.
Durante cinco horas virei artista e ajudei o bairro mais pobre da Rocinha: a Roupa Suja. Aqui as casas têm menos condições e as pessoas menos poder de compra. Pintamos uma das casas com uma maravilhosa negra numa favela. As crianças à nossa volta eram muitas, os sorrisos gigantes e os abraços intermináveis.
Sendo das poucas turistas a falar português, sirvo muitas vezes de intérprete. Mas tudo bem tudo tem o seu lado positivo e jamais esquecerei: “Tia… Tia… Olha só tem Guaraná e batata frita para você”. “Estou bem”, disse eu. “Uhéeee Tia… É guaraná! Mamãe mandou comprar para vocês. Toma… Toma mais! Guaraná é gostoso, não é?”
Quando nos despedimos, recebi o mais caloroso abraço do Pedro Lucas que, enquanto brincava com o meu cabelo, dizia: “Fica mais, tia.”
Abandonei a favela com aquele sentimento de ter feito algo por alguém. É tão bom saber que o pouco que fazemos representa tanto para muitos.
Ir ao Rio de Janeiro e não conhecer uma favela não é ir ao Rio. Porque o Rio é muito mais do que Copacabana, Ipanema e Leblon. O Rio é uma mistura. Uma mistura de pessoas, lugares e cheiros que nem mesmo as palavras e imagens conseguem fazer jus à sua beleza.
A cidade a visitar pelo menos uma vez na vida.
Daniela Matinho é autora do blogue Daniela Matinho — Une Petite Portugaise Perdue Sur Le Globe.