Tal como a Comissão dos Transportes da União Europeia já tinha feito a 4 de março — e com base num texto e proposta por ela elaborados —, também o Parlamento Europeu aprovou esta terça-feira, 26 de março, o fim da mudança de hora nos Estados-membros. Aprovou também, novamente à semelhança do que já tinha acontecido no início deste mês, que este fim do regime bi-horário só deverá acontecer em 2021. A proposta foi aprovada com 410 votos a favor, 192 contra e 51 abstenções.
A medida ainda não é 100 por cento definitiva, como já tinha noticiado a NiT, porque o objetivo do adiamento para 2021 é precisamente dar mais tempo para estudar e entender as implicações da abolição das mudanças de hora sazonais em todas as regiões. No entanto, é cada vez mais garantido que o regime bi-horário na Europa deverá mesmo acabar.
Adiar o fim da mudança para 2021 é, só por si, “uma tomada de posição: de que o atual regime vai mesmo acabar, só que mais tarde do que se pensava. E a acontecer, não sei se os países terão autoridade para escolher não mudar a sua situação. Provavelmente não, porque tem de haver coordenação. Com o que sabemos agora, é assim muito provável que em 2021 a mudança da hora [inclusive em Portugal] acabe mesmo”, explicou este fim de semana à NiT o diretor do OAL, o professor Rui Agostinho.
Num mega inquérito realizado pela União Europeia em 2018, 84 por cento de cerca de 4,6 milhões de participantes manifestaram-se a favor do fim das mudanças do relógio. Isto levou o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, a pedir que o sistema fosse descartado já a partir deste ano, com os países a ficarem responsáveis por escolher entre viver permanentemente nas horas de inverno ou de verão.
Entretanto, os eurodeputados deram ouvidos aos pedidos de vários ministros nacionais — nomeadamente por mais estudos, antes de uma decisão final — e optaram, agora, por atrasar as medidas. Bruxelas quer ter mais apoio e entusiasmo entre os estados membros para não fragmentar a União Europeia num assunto tão delicado e onde a coordenação é essencial.
Sendo decretado o fim da mudança de hora, os países da União Europeia poderão escolher se preferem o horário de verão ou de inverno de forma permanente.
Os estados membros deverão fazer os seus próprios estudos e consultas se assim o desejarem e escolher qual o horário que querem: mas deverão coordenar entre si a escolha das respetivas horas legais, de modo a salvaguardar o bom funcionamento do mercado interno, e notificar essa decisão a Bruxelas até 1 de abril de 2020, adianta a UE.
A maioria dos países ainda não se posicionou formalmente mas, no final do ano passado, o primeiro-ministro português, António Costa, manifestou a intenção de Portugal simplesmente manter a mudança, duas vezes por ano — a Grécia e o Reino Unido também queriam tudo como está. O que não deverá ser possível.
A proposta agora aprovada sugere que a última mudança obrigatória para a hora de verão aconteça no último domingo de março de 2021. Os países que escolham a hora de inverno acertariam ainda uma vez os relógios: no último domingo de outubro desse ano. Depois disso, não haveria mais mudanças de hora sazonais.
O Observatório Astronómico de Lisboa continua a manter que o fim desta rotatividade não faz grande sentido, pelo menos para Portugal, por dois motivos. Por um lado, por considerar que o inquérito feito por Bruxelas não é representativo. “Não teve em conta a real distribuição geográfica das pessoas — 60 por cento dos votantes eram da Alemanha —, nem sequer foi estratificada por idades ou géneros de maneira proporcional à população, que é o que se faz para ter uma amostra estatisticamente representativa da opinião real das pessoas. Também houve uma clara influência de associações que pedem o fim da mudança e votam nesse sentido, em força, à primeira oportunidade. Simplesmente, não é representativo, é altamente enviesado”, frisa Rui Agostinho.
Além disso, explica, Portugal já testou por diversas vezes acabar com a mudança de hora — em variados anos, no início do século, experimentou manter a de inverno e, segundo os documentos do OAL, entre 1967 e 1975 experimentou manter a de verão. Acabou por voltar sempre às mudanças duas vezes por ano.
“Já experimentámos manter a hora? Já. E resultou? Eu penso que não, a avaliar pelo facto de se ter sempre escolhido voltar aos dois horários”, mantém.
Tal como muitos ministros europeus, o observatório pede mais estudos antes de a decisão ser final. Os argumentos apresentados por várias entidades europeias é o de que o desaparecimento da mudança e as eventuais coordenações entre os países que escolhem inverno ou verão terão um impacto sobre os horários dos transportes, aviões, agricultura, o sistema bancário.
Entretanto, uma coisa é certa: por enquanto, a hora muda, e já na madrugada deste domingo, 31 de março. Nesse dia, mais precisamente à uma da manhã, deve adiantar os ponteiros uma hora. Os smartphones e computadores deverão fazê-lo por si, mas convém confirmar.
Como tudo começou
Esta mudança tem feito parte das rotinas de vários países um pouco por todo o mundo há mais de 100 anos. Segundo um estudo conduzido pela Assembleia da União Europeia em outubro de 2017, a ideia inicial partiu de um construtor britânico chamado William Willett, que em 1907 escreveu um panfleto chamado “O Desperdício da Luz do Dia”.
A prática em si só foi adotada pela Alemanha em 1916, e outros países europeus, bem como os Estados Unidos, seguiram o exemplo para poupar energia tendo em conta a crise energética que atravessavam durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
Atualmente, existem três fusos horários na UE: Hora da Europa Ocidental, que inclui o Reino Unido, Portugal e Irlanda; Hora da Europa Central, que inclui Espanha, Alemanha e Itália; e Hora da Europa Oriental, que inclui Grécia, Finlândia e Roménia.
Segundo os jornais espanhóis, há um debate sobre se Espanha está no fuso horário devido. Durante a Segunda Guerra Mundial, os espanhóis e outros países europeus, com exceção de Portugal e Suíça, avançaram os relógios. Mas Espanha nunca voltou ao tempo da Europa Ocidental. Assim, embora geograficamente devesse estar no mesmo fuso horário do Reino Unido e Portugal, os seus relógios estão na mesma zona dos países de leste.
A alteração da prática da mudança, que é coordenada pela União Europeia desde 1996, começou a ser discutida no Parlamento Europeu no início de fevereiro de 2018. Meses depois, em agosto, surgiram os resultados oficiais do tal inquérito da Comissão Europeia, onde se votava a favor do fim da mudança.
Países como a Rússia, a Turquia e a Islândia já aboliram a prática. Em Portugal, a mudança da hora foi adotada pela primeira vez a 30 de abril de 1916, em plena Primeira Guerra Mundial, com objetivo de minimizar o uso de iluminação artificial, e assim contribuir para economizar combustível para o esforço de guerra.
Os argumentos a favor e contra a mudança da hora são variados, mas muitos estudos analisam a poupança de energia com este regime. Outros dizem mesmo que a alteração pode ter efeitos na saúde ou no sistema imunológico. Argumentos mais recentes, sobretudo a favor do horário de verão permanente, são a de que mais luz ao fim do dia, durante todo o ano se a hora de inverno não chegar, incentiva o ato de estar ao ar livre e até o comércio.
Segundo o professor Rui Agostinho, o regime do horário de verão (Hora UTC, ou central, +1) permanente ou durante o inverno, tal como pode vir a acontecer em 2021, tem consequências indesejáveis: durante os quatro meses de novembro a fevereiro, o sol nasce tardiamente, entre as 8 horas e as 8h50. “As crianças em idade escolar são prejudicadas, pois acordam de noite e iniciam as aulas quando a química do corpo ainda lhes dá repouso, exatamente o contrário à atenção e atividade necessárias”, explica.
Quanto à mudança de hora do próximo dia 31, Rui Agostinho esclarece: não se pode, sequer, cientificamente afirmar que, ao adiantar o relógio, se dorme nessa noite menos uma hora.
“Claro que há pessoas que o farão, outras que se demoram a adaptar, até há quem possa ter insónias. Mas também há muitas que simplesmente acordam mais tarde. E estatisticamente, um estudo do sono de 2007 com 55 mil pessoas, mostrou a manutenção das horas totais dormidas nas noites em que a hora adianta ou atrasa.”