Na Emirates, todos os funcionários da companhia têm direito a alojamento gratuito. Está tudo incluído: contas, assistência médica 24 horas por dia, vacinas gratuitas e transporte de e para o aeroporto. Na Ryanair, nem sequer têm direito a alimentação.
A NiT realizou uma investigação para perceber quais são as condições de trabalho dos assistentes de bordo em quatro companhias aéreas: TAP, Emirates, Ryanair e easyJet. Para tal, falámos com membros das equipas de voo de cada uma das empresas. Leia os seus testemunhos e descubra o que cada uma das companhias tem para oferecer aos funcionários.
As conversas nem sempre são amigáveis, conforme conta um assistente de bordo à NiT. “As pessoas dos cargos de chefia, supervisores de base e supervisores europeus, falam mesmo mal com as pessoas. E quando digo falar mal é, se tiverem que gritar com os novatos à frente de toda a gente, fazem-no sem qualquer problema.”
As condições de trabalho também não são as melhores. Há cerca de três anos, os contratos previam uma comissão de venda de 10% para toda a equipa sobre os produtos vendidos em cada voo. Por outras palavras, como na Ryanair os viajantes não têm direito a nada de graça, tudo o que os assistentes de bordo conseguissem vender traduzia-se numa comissão extra ao final do mês. O problema é que, até então, a comissão era atribuída a toda a equipa por igual. Agora, as comissões passaram a chamar-se incentivo de vendas e são contabilizadas individualmente.
“Isto fez com que as pessoas começassem a roubar vendas uns aos outros.” Pior: as contas são sempre dúbias: “Recebemos sempre alguma coisa. Mas as discrepâncias são ridículas. Se fizermos as contas de tudo o que vendemos nunca bate certo.”
A progressão na carreira é feita com base na assiduidade e nas vendas. “Quem tem mais vendas no ficheiro acaba por ser promovido a supervisor de cabine, se se candidatar. Acontece que as vendas nesta empresa são muito perversas. As pessoas são incentivadas a passarem a perna umas às outras para terem a possibilidade de serem promovidas. E isso acontece com frequência.”
As pressões para manter os níveis de assiduidade altos são frequentes. Sobretudo em épocas festivas. “Nessas alturas há circulares na empresa a avisar o pessoal que se existirem suspeitas de que alguém ligou a dizer que estava doente sem justificação, será acusado de conduta danosa, o que pode levar ao término do contrato.”
O assistente de bordo recorda o caso de um membro da equipa que, em mais de um ano de trabalho, esteve doente três dias. Quando regressou, foi chamado para uma reunião com a supervisora, que quis saber o que se passava com a sua assiduidade. “O âmbito da conversa nunca é muito amigável”, acrescenta.
Houve outro caso de um colega que, por ter estado sete ou oito dias doentes em três anos de trabalho, viu-lhe retirado o staff travel — o desconto que permite aos assistentes de bordo adquirirem voos mais baratos, algo que, em época baixa, e segundo o assistente de bordo, nem sequer compensa. “São 80 libras (93,40€) fixos. Retiraram-lhe isso por causa da assiduidade.”
Quanto aos salários, não há grande diferença entre quem acaba de entrar e quem está na empresa há vários anos. “Cerca de 14 libras (16,35€) à hora.” Recentemente houve uma renegociação dos contratos, o que se traduziu num aumento de 20 cêntimos de libra por hora. Estamos a falar de 23 cêntimos de euro.
“Mas convém sublinhar que as condições em termos de salário variam muito de base para base. E ainda mais de país para país. Ouvi dizer que em Ibiza o dinheiro mal chega para a renda. E em Stansted (Reino Unido) as casas são tão caras que não sobra nada depois de pagar as contas.”
A NiT entrou em contacto com a Ryanair, que emitiu o seguinte comentário oficial: “Nós não comentamos falsas alegações de ‘fontes anónimas’. Em primeiro lugar, a Ryanair só contrata tripulação de cabine totalmente qualificada de agências de formação certificadas, da mesma forma que os hospitais só empregam médicos ou enfermeiros qualificados. A cabin crew da Ryanair pode ganhar até 35 mil euros por ano e desfruta de grandes termos e condições de trabalho, incluindo segurança no trabalho incomparável; um recente acordo salarial de cinco anos, com aumentos salariais garantidos; cinco dias de trabalho e três de folga (um fim de semana prolongado todas as semanas); excelentes comissões de vendas que dão um impulso ao salário; formação gratuita; pagamento dos dias de doença; e um pagamento uniforme anual. É por isto que neste momento temos mais de três mil jovens que têm esperança de se juntar à equipa da Ryanair, onde o serviço ao cliente são a prioridade e foco número um da nossa crew.”
TAP
Na TAP, as refeições dos assistentes de bordo estão sempre salvaguardadas. E com direito a pedido de uma refeição especial, como low fat, low calorie, gluten free, entre outras. A comida está sempre garantida no avião, mas também fora dele.
“São-nos dadas ajudas de custo para as nossas refeições, sendo que o valor depende do país onde estamos”, revela à NiT um assistente de bordo que preferiu, igualmente, não ser identificado, já que não têm autorização oficial para falar à imprensa.
A companhia aérea assegura tudo. Além das refeições, também paga a estadia: “Apesar de estarmos a passar por uma situação um pouco sensível devido à privatização da TAP, penso que as pessoas gostam da empresa onde trabalham e vestem a camisola (…) há sempre uma luta constante pela manutenção ou melhoria das nossas condições, não necessariamente a nível monetário.”
Por outras palavras, questões como os tempos de descanso ou de trabalho e os limites de voo em período noturno são bem mais proeminentes do que as discussões salariais.
“Apesar de estarmos a passar por uma situação um pouco ‘sensível’ devido à privatização da TAP, penso que as pessoas gostam da empresa onde trabalham e vestem a camisola”, contou à NiT um assistente de bordo.
Quando os assistentes de bordo chegam à TAP, o salário base é de 530€, mais os per diem — o valor recebido por cada dia de voo, que ronda os 30€ (70€ quando passam a efetivos). Num mês em que sejam feitos entre 15 a 18 per diems, o salário líquido no final do mês chega aos mil euros.
A progressão na carreira é possível. No início, isto acontece mais ou menos de dois em dois anos, embora tudo dependa do que a empresa está a precisar nesse momento.“Se houver necessidade progrides, senão podes ficar ali algum tempo estagnado.”
Para passar a um contrato de efetivo, na maioria dos casos o processo demora três anos. É o máximo permitido pela lei geral de trabalho, na verdade. Em outubro, por exemplo, prevê-se que sejam estabelecidos mais de 300 contratos de trabalho. É uma necessidade atual, tendo em conta as novas rotas da empresa e de serem precisos tripulantes.“Antigamente a TAP, tal como muitas companhias na altura, despedia numa época mais baixa e depois voltava a contratar. Mas isso não acontece há mais de 15-20 anos.”
De um modo geral, o assistente de bordo não podia estar mais satisfeito. Na verdade, sempre foi um objetivo trabalhar na TAP: “Por ser uma empresa antiga, com valores com os quais me identifico, onde as pessoas conseguem ainda assim fazer uma carreira. E por ser, apesar de tudo, uma companhia de bandeira.”
A NiT contactou a TAP, mas até à publicação deste artigo não obteve um comentário oficial.
easyJet
Na easyJet, todas as refeições estão garantidas aos assistentes de bordo. Mais: também têm direito a café, chá e, nos dias mais longos, a snacks — uma barra de chocolate, um pacote de batatas fritas e uma peça de fruta. O alojamento não é uma preocupação, uma vez que a companhia aérea trata de tudo sempre que haja a necessidade de passar a noite fora. “Quase todos os dias conheço pessoas novas e depende muito do tipo de pessoa, mas maioritariamente, os dias são bons”, revela à NiT uma assistente de bordo da companhia, que também preferiu não se identificar. “Há um bom ambiente.”
O salário base é de cerca de 9.900€ por ano. Mas há alguns extras, como o pagamento de setores e comissão de vendas. Os setores são voos, sendo que os valores variam consoante a distância – 10€-25€ (valores aproximados). “Tudo depende, mas em média dá 1.400€ por mês.”
A assistente de bordo considera também que é fácil progredir dentro da empresa — e refere o caso de uma pessoa que passou a efetiva em sete meses.
A NiT contactou a easyJet, que preferiu não exercer comentários — é política da empresa não comentar as condições de trabalho dos seus funcionários.
Emirates
Na Emirates, não estão apenas asseguradas as refeições — os assistentes de bordo também têm direito a alojamento no Dubai (tudo pago), transporte de e para o aeroporto, assistência médica 24 horas por dia, vacinas gratuitas e um salário base de cerca de mil euros.
“A companhia protege-nos muito”, explica à NiT uma assistente de bordo, que, por questões profissionais, não pode dar a cara. “Sentimo-nos dentro de uma empresa sólida e de confiança, o que é muito importante uma vez que saímos do nosso País para vir para aqui, para uma cultura diferente. Estamos longe de tudo a que estamos habituados.”
As condições são competitivas. Assim que os assistentes de bordo entram para a companhia, a Emirates disponibiliza um quarto completamente mobilado num dos apartamentos da empresa no Dubai. Os apartamentos têm segurança 24 horas, ar condicionado, cozinha equipada e mobiliário moderno. Para além disso, a tripulação também pode utilizar o ginásio e piscina, disponíveis em praticamente todos os condomínios. Mais um bónus: de 20 em 20 minutos há transporte para a sede, totalmente gratuito. Todas as despesas de alojamento estão incluídas.
As refeições também não são um problema. “Quando voamos temos comida só para a crew, refeições completas, saudáveis. Estão sempre a evoluir nesse sentido, a tentar perceber o que queremos e precisamos.” Quanto ao salário, aos cerca de mil euros de ordenado base acrescem as horas de voo (cerca de 15€), mas os assistentes de bordo também têm direito a voos mais baratos para casa — mais um bilhete grátis por ano para o país de origem dos assistentes de bordo.
“O salário é ótimo comparativamente a Portugal, mas o estilo de vida é muito mais caro no Dubai. No entanto, viajamos pelo mundo e temos oportunidade de comprar coisas em todos os cantos. A experiência é demasiado boa para sequer explicar por palavras. Eu adoro o meu trabalho.”
A NiT contactou a Emirates, mas até à publicação deste artigo não obteve um comentário oficial.
Carregue na imagem acima para saber mais sobre como pode concorrer para o cargo de assistente de bordo das quatro companhias.