Vila Franca de Xira. Quem passa de comboio, vê dois campos de futebol mesmo ao lado da linha e, logo a seguir, uma praça de touros. É uma imagem diferente, até impressionante. Não há em Portugal uma coisa assim, à vista desarmada de quem viaja à janela com o mínimo de atenção. Duas religiões tão próximas uma da outra é um caso de estudo. Lá dentro, a cidade é normalíssima. Aos domingos, então, é uma pasmaceira inaudita. As ruas vazias como que a anunciar um duelo de faroeste ao fim da tarde, a malta a conviver em câmara lenta.
Leonor Teles afasta-se desses terrenos e puxa a atenção para o outro lado, o do Rio Tejo, onde Albertino Lobo cavalga pacientemente no seu barco antes de trincar uma sandes, já em terra, e de se reunir com a família, constituída por mulher, duas filhas e uma neta, à volta da mesa na cozinha.
É a vida da família Lobo o objecto de estudo, durante dois anos de filmagens, entre 2015 e 2017. Às vezes, sem luzes nem câmara. Só acção. Simplesmente acção. E a arte da simplicidade tem muito que se lhe diga. De corriqueiro e banal, bem entendido. Vale bem a pena, é cinema contemplativo.
Albertino é impávido e sereno. Seja no meio do rio, sem ninguém à sua volta, seja no meio de um arraial, com todo o bairro a dançar à sua frente. A sua figura é portuguesa, ponto. Somos um país de bigodes, o que querem? Albertino dá um bigode à normalidade, entre respostas tortas, respostas bruscas e murmúrios apenas. É um festival de esgares e sons, com uns encolheres de ombros à mistura.
Se a isso juntarmos a palavra taralhoca, está o caldo entornado. É só rir. Há também momentos de ternura, como o simples gesto de colocar o cinto de segurança à neta ou a caminho da igreja para casar uma das filhas. Lá está, é a tal normalidade a conferir um toque mais pessoal que nunca. Aos poucos, sentimo-nos parte da família Lobo e queremos mergulhar na festa do casamento. Mesmo que o sol esteja a queimar.