Um hino tem o que se lhe diga. Há o hino cantado, como o português. E há o hino sem letra a acompanhar, como o espanhol. Há o hino à rádio, sempre que se ouvem as baleias do Oceano Pacífico. E há o hino à televisão, tão abrangente como o Kitt do “O Justiceiro“, o canivete do McGyver, o dois cavalos do “Duarte & Cª“, o Dodge dos “Três Duques“, as bicicletas do “Verão Azul“, a fatiota branca de Crockett no “Miami Vice” ou o “despeço-me com amizade até ao próximo programa” do Sousa Veloso.
Há o hino ao futebol, com o golo do Éder à França. E há o hino ao cinema, com o “Chama-me Pelo Teu Nome”, baseado no romance do egípcio André Aciman com o mesmo nome de 2007. Um hino a tudo e mais alguma coisa: à sensibilidade, ao bom senso, à realização de Luca Guadagnino, ao guião de James Ivory, à banda sonora de Sufjan Stevens, à fotografia de Sayombhu Mukdeeprom, aos atores, às atrizes e, claro, aos anos 80.
Que sonho, os Converse brancos, os Fiat minúsculos, os boca-de-sapo, os Ray-Ban e as jardineiras largas. Além do som, óbvio. Quer dizer, ouvir “Love My Way” do Psychedelic Furs e deixarmo-nos estar sentados é simplesmente impossível. A música mexe connosco, é inevitável. Daí que a faixa dos irmãos Butler tenha colecionado qualquer coisa como 177 mil streams (audio e vídeo, combinados) na primeira semana do filme em exibição, nos EUA.
O filme começa com esculturas. “Como que desafiando-nos a desejá-las”, argumenta, mais adiante, o Sr. Perlman (Michael Stuhlbarg) em conversa com Olivier (Armie Hammer), o seu assistente durante aquele Verão de 1983, no norte de Itália, onde o sol convida-nos para passeios de bicicleta, mergulhos no rio, jogos de voleibol e também de sedução. Entre Olivier e Chiara (Victoire du Bois), numa primeira instância. Entre Elio e Mrazia (Esther Garrel), numa espécie de vingança ambígua. Entre Olivier e Elio, a razão de todo o ser.
Elio (Timothée Chalamet) é um rapaz de 17 anos, que reinventa Bach ao piano e fala francês. E inglês. E alemão. Um poliglota cheio de conhecimento. Ou então, não. Como o próprio diz, já enfeitiçado pelo escultural Olivier: “Se soubesses como conheço mal as coisas que importam.” O que importa realmente? A descoberta. Do amor platónico, do amor vivido, do erotismo, do eu fragmentado, da tristeza. Tudo isto numa casa à maneira, em que os pais de Elio pertencem àquela estirpe do mais original que há, virados para a frente, sem complexos nem discriminações de qualquer tipo. Daí o à vontade para falar de assuntos supostamente incómodos, como a sexualidade, primeiro, e a homossexualidade, depois.
Aquele momento do pequeno-almoço em que Elio diz, assim do nada, que quase deixa de ser virgem é um mimo. Segue-se o real despertar da sexualidade, na companhia de Olivier, a quem Elio admira da cabeça aos pés desde o primeiro frame com o desabafo “ele parece muito seguro de si”. Daí em diante, é uma dança muito subtil de gestos, sentimentos e emoções entre os dois. Que acaba com a partida mais-que-anunciada de Olivier no fim do Verão. E o regresso doloroso à normalidade de Elio, ainda que envolto nas palavras mágicas do pai: “A natureza tem as suas formas astutas de encontrar o nosso ponto fraco.”