O elogio mais óbvio que se pode fazer a Christopher Nolan é que nunca realizou um mau filme. E suspeito que não o conseguiria se tentasse. Se espreitarem a carreira do senhor, podem confirmar que tem uma filmografia sólida, consistente e mecanicamente regular, apesar de ainda não ter uma obra-prima no bolso. Como um jogador de futebol que não marca um hat-trick na final da Liga dos Campeões, mas que dá o campeonato.
E os números não mentem: são 4.206 milhões de dólares acumulados na bilheteira a nível mundial e uma quantidade assustadora de prémios e nomeações. Números que entretanto vão aumentar, porque hoje (20 de Julho) estreia o seu novo filme, “Dunkirk”, baseado num argumento do realizador sobre a dramática evacuação de 400.000 soldados das forças aliadas de uma praia francesa, em Dunquerque.
A título de curiosidade, porque estas coisas não servem de barómetro de qualidade, é possível atestar que Christopher Nolan é o realizador com melhor média de pontuação no site IMDb: dos seus nove filmes – “Dunkirk” há de aparecer nas contas daqui a uns dias – aparecem seis no top 100 dos filmes com melhor ranking. Há até um utilizador do site que criou um algoritmo para apurar o realizador mais popular, com base nessa mesma lista, onde Christopher Nolan ficou em primeiro lugar. À frente de Spielberg e Scorsese, Kubrick e Tarkovsky, Bergman e Fellini, Coppola e Kurosawa, Welles e Leone. Pode-se então afirmar, com algum grau de certeza, que Christopher Nolan é o cineasta mais popular deste século. E talvez esteja aí está o seu calcanhar de Aquiles: Nolan é demasiado popular. Os filmes que fez com o super-herói da DC Comics são uma mancha na sua respeitabilidade para muitos críticos, e o facto de “O Cavaleiro das Trevas” estar no IMDb como 4.º melhor filme de sempre (e “Inception – A Origem” em 16.º) praticamente descredibiliza toda a lista. Haja paciência.
Christopher Nolan é, definitivamente, um dos realizadores mais privilegiados do mundo. Mas este estatuto de intocável foi premeditado; o realizador usou a sua trilogia do Batman, que tanto dinheiro deu à Warner Bros, para alavancar o resto da carreira. Conseguiu assim financiar dois projetos mais pessoais (“The Prestige – O Terceiro Passo” e o ambicioso “Inception – A Origem”), intercalados entre blockbusters, e esses também foram um sucesso absoluto. E agora o realizador daltónico – consta que tem dificuldades nos verdes e vermelhos, o que pode explicar a palete de cores que usa – escreve e realiza o que bem entende, sem ter estúdios que lhe impigem projetos. A DC Comics/Warner bem tentou que ele fosse uma espécie de diretor criativo dos seus filmes, mas Nolan esquivou-se para um papel distante de produtor executivo, oferecendo a sua benção a Zack Snyder para carregar o fardo de organizar o franchise. Mas Snyder não é Nolan e, consequentemente, “Batman Vs. Super-Homem” não é “O Cavaleiro das Trevas”.
Hipérboles à parte, Christopher Nolan é um dos autores mais interessantes a trabalhar hoje em dia. A cinematografia dos seus filmes é ágil e cristalina, ao nível de David Fincher, os seus guiões são sempre bem construídos, as bandas sonoras certeiras. E, também importante, os atores dão-se bem sob a sua direção. Desde Robin Williams em “Insónia” até ao incontornável Heath Ledger em “O Cavaleiro das Trevas”, surgem boas e grandes interpretações com a tal consistência que irrita. Com isto tudo, Nolan dedica-se a explorar os temas que lhe interessam, desde questões de identidade e memória até às frequentes desconstruções temporais a que submete as narrativas. Christopher Nolan tem uma visão muito clara do que quer ter nas suas obras e tudo o resto são meios para atingir objetivos. Só lhe falta ainda a tal obra-prima. E, pelas críticas que começam a surgir pelo mundo fora, é possível que seja desta, com “Dunkirk”. Pelo menos já teve a melhor nota de sempre numa crítica da NiT.