África, África mãe, mãe casa, casa lar, lar conforto, conforto batuques, batuques selva, selva Jingabé, Jingabé África, África mãe. O estilo inconfundível de Carlos Pinto Coelho, caricaturado por Herman José como Carlos Filinto Botelho no saudoso “Tal Canal”, preenche-nos alegremente a memória. Impossível não esboçar um sorriso com esses telejornais fictícios dos anos 80.
África, casa, lar, conforto, batuques, selva, Jingabé, África mãe, Wakanda. Wakanda é o país tecnologicamente mais avançado do mundo no 18.º filme da Marvel e está em África, escondido debaixo da densidade florestal, longe dos olhares curiosos e interesseiros do resto do planeta, imerso em problemas insolúveis. África, lá está. Daí que Wesley Snipes queira transferir o Pantera Negra dos comics para a tela do cinema, em 1992. “O continente africano é raramente representado em Hollywood, falta África.” Só que a malta não está para aí virada e o próprio Wesley se sente desiludido com alguns argumentistas convidados para a troca de ideias sobre o guião, porque a maioria pensa em Pantera Negra como o conhecido grupo político da extrema-esquerda dos anos 60/70, em choque constante com o governo e as forças policiais dos EUA.
Pantera Negra, Wakanda, África. O texto de Carlos Filinto Botelho está cada vez mais bem composto. Em Wakanda, o novo rei está pronto para a sucessão. Se houver acordo entre as cinco tribos, T’Challa (Chadwick Boseman) sucede ao pai. A coroação só acontece depois de uma luta acesa com M’Baku (Winston Duke), líder da tribo Jabari, alojada nas montanhas, longe da próspera capital de Wakanda.
Feito rei, nota-se um T’Challa mais líder político do que propriamente guerreiro, mais preocupado com as ações sociais do que com as lutas corpo a corpo. Ainda que a sua primeira missão seja derrubar metafórica e literalmente o rival Killmonger (Michael B. Jordan), responsável pelo roubo de Vibranium, o metal mais precioso do mundo, só usado em Wakanda, num museu de peças de antiguidade em Londres.
A rambóia segue para Busan, na Coreia do Sul, e só acaba em Wakanda, onde T’Challa descobre o passado de Killmonger, filho de N’Jobu (Sterling K. Brown), um dissidente de Wakanda com ideias revolucionárias e esfaqueado por engano pelo pai de T’Challa, o então rei T’Chaka (John Kani).
As sucessivas guerras internas pelo poder e o interesse desmedido por mudar o mundo à força andam de braço dado o tempo todo e abre-se a porta para uma série de protagonistas laterais, como a espia Nakia (Lupita Nyong’o) ou o agente norte-americano Everret K. Rossi (Martin Freeman), sem esquecer Shuri (Letitia Wright) mais Ramonda (Angela Bassett), a irmã mais nova e a rainha-mãe de T’Challa. Todos eles convergem para o mesmo bem, assente na força social e política de T’Challa, o líder de um mundo único e exemplar à escala planetária.
Essa premissa utópica é constantemente transmitida por um envolvente ritmo musical, mérito do compositor sueco Ludwig Göransson, cuja mistura de sons convencionais e africanos faz do Pantera Negra uma figura da Marvel à parte. O legado do Wesley Snipes está assegurado. O do Carlos Pinto Coelho também.