Um guia de viagens para as Ilhas Berlengas não pode deixar de referir pontos chave, que tornam esta Reserva Natural portuguesa num sítio a visitar pelo menos uma vez na vida, mais que não seja para conhecer um local único no País. A natureza selvagem, a fauna própria, as praias, as grutas e a paisagem são pontos que a tornam, na definição de muitos visitantes, num pequeno paraíso perdido, e bem no centro de Portugal.
Mas outros relatos de quem já lá foi, descrevem a experiência como mais próxima de um inferno dantesco do que de um paraíso, com dejetos de gaivotas por todo o lado, mar sujo, ratos gigantes a chocarem com as tendas, viagens de barco onde o saco de vómito é entregue em troca do bilhete.
Certo é que, no verão, mais de mil turistas chegam a visitar por dia a ilha que é também Reserva da Biosfera da UNESCO (desde 2011), parecendo claro que a situação esteve fora de rumo quer quanto à preservação da biodiversidade, como quanto à experiência dos visitantes. Mas que há uma aposta recente para a inverter.
A NiT tentou descobrir o que há de positivo e negativo numa visita ao arquipélago próximo de Peniche e não precisou de ir muito longe, pois mesmo na redação há, não só várias experiências, como precisamente dos dois espectros opostos, quanto à impressão e memórias da viagem.
O que há, então, de tão mágico nas Berlengas? André Rito, jornalista da NiT, explica. «O que mais me impressionou foi mesmo o mar, a profundeza do mar. A sensação de estar no cais onde atraca o barco e consegues ver uma profundidade incrível”.
E dentro de água ainda é melhor: “Se fores nadar, mesmo que não sejas mergulhador (mas para quem é, então é mesmo um destino imperdível), tocas em algo e saem milhares de peixes, cardumes de todo o lado, de todas as cores, ao género de documentário do ‘National Geographic’ “.
Além disso, e apesar de o arquipélago não ser muito afastado da costa, “acabas por ter a perfeita noção de que estás numa ilha”. André Rito acrescenta: “Estás muito sujeito aos elementos, o clima muda rapidamente e é uma experiência muito fora a esse nível, sentir todos os elementos.”
Há ainda as grutas, que são de facto magníficas confirma o jornalista, mas convém ter cuidado pois são também perigosas. “Mergulhámos num buraco e íamos ficando lá”.
André passou pela ilha há quase 20 anos e ainda recorda outras coisas: o faroleiro simpático, a visita ao Forte, os biólogos que por lá andam nas suas investigações, a sensação de reserva natural. Além de que “a ilha é pequena e consegues conhecer tudo a pé”. E recomenda a visita, para quem gosta mesmo de natureza. Claro que, na ida para lá, “o barco avariou e estivemos duas horas à deriva, e tivemos ainda o susto da gruta, mas fora isso valeu a pena”.
No TripAdvisor há também bastantes criticas positivas à experiência, muito semelhantes às de André Rito. Uma visitante descreve a ilha como uma das mais bonitas que já viu, acrescentando que vale a pena caminhar do pontão de desembarque até o forte de São João Batista, onde “a vista do mar e da ilha em diferentes ângulos é realmente fantástica”. Para quem gosta de acampar, tem a área de acampamento, lembra, e o passeio de barco de fundo de vidro pelas grutas também é algo para não perder, bem como um mergulho no mar cristalino e cheio de peixes.
Outro visitante, descreve arquipélago das Berlengas como um pequeno paraíso: “é uma reserva natural que vale a pena conhecer, primeiro pela paisagem para o atlântico e natureza, depois pela caminhada até ao farol e forte… só é pena a praia ser tão pequena para tanta gente que quer usufruir, mas também fiz a visita em agosto, mês de maior afluência”.
As desvantagens
Já Sofia Cação, editora executiva da NiT, diz que a primeira coisa em que pensa quando se fala nas Berlengas são as gaivotas e as cagarras. Por todo o lado existem aves e é quase impossível não ficar sujo por elas. Em certas alturas do ano, nem consegue ir a praia ou usufruir dela, “porque que o mar está sujo (além de gelado), de penas e outros resíduos”.
E o pior é que há muita gente que é atacada por elas, casos até de quem teve de levar pontos. Os ratos negros da ilha, “gigantes”, também não ajudam à experiência, bem como a viagem de barco que, “sendo curta, parece que nunca acaba”, devido à ondulação e de estar literalmente toda a gente a vomitar.
Neste caso, as plataformas de críticas e avaliação de viagens dão uma ajuda e claro, tal como no lado positivo da moeda, o negativo está lá. Alguns criticam a falta de condições e acessos. “É uma ilha muito pequena e sem condições. O Porto é minúsculo. Tem apenas um restaurante não há uma única sombra, não há explicações necessárias na ilha, não há vigilância nem monitorização dos trilhos”, queixa-se um viajante.
A mesma pessoa adianta que a pequena viagem às grutas é interessante e aconselha as pessoas a dormir no Forte, “porque caso contrário andam a dobrar em caminhos íngremes e perigosos sem qualquer segurança física ou humana”. Mas até o Forte, embora bonito, tinha, à data da sua visita, “um ar sujo e abandonado”.
Outros dizem que a praia é minúscula, a água é límpida e gélida mas metade está interdita, o que ninguém respeita, e que para colocar a toalha há fila no verão.
“A Berlenga pode ser para amantes da natureza, mas mais parece refúgio para quem quer ir beber uns copos, como aliás vi uns jovens que iam acampar com mais garrafas de álcool do que com comida ou roupa”, conclui.
Um turista inglês descreve uma viagem “infernal” de barco e diz que chegando lá encontrou apenas decepção, até nas tão elogiadas grutas: “as do Algarve são muito mais bonitas”. E são muitos a criticar o mesmo: as aves, a viagem de barco, o abandono ou degradação, o excesso de turistas no verão.
A simples conclusão parece ser de que a experiência depende muito de uma série de fatores, desde a época do ano escolhida, ao clima no dia da viagem de barco, e até a questões mais pessoais, como as pessoas com quem se vai, quem lá se conhece, o tipo de experiências que pretende retirar da visita às Berlengas.
Os factos
As Berlengas são Reserva Natural há décadas, devido à sua importância enquanto ecossistema insular, o valor biológico da área marinha, o seu elevado interesse botânico, o papel da ilha em termos de avifauna marinha e a “presença de interessante património arqueológico subaquático”.
O arquipélago é composto por várias ilhas e rochedos, em três grupos: a Berlenga, as Estelas e os Farilhões-Forcadas. A sua fauna única inclui a airo Uria aalge, ave adotada como símbolo da Reserva Natural e parecida ao pinguim antártico. As suas águas são ricas em peixes e mamíferos marinhos, plantas marinhas e outros organismos e há, claro as cagarras ou pardelas, avas marinhas típicas de ilhas.
Os ratos negros da Berlenga, tal como os coelhos, são considerados uma espécie invasora, estando mesmo em curso um projeto da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) que os tem erradicado, alegando que estas põem em risco a fauna e flora autóctones do arquipélago.
Esta ação acontece ao abrigo do programa LIFE Berlengas, que desde 2014 tem feito uma série de intervenções de melhoria à ilha, incluindo nova sinalética, trilhos recuperados e um novo Centro de Visitantes.
O trabalho tem sido incrível e pode ser acompanhado no seu site, e congrega dezenas de entidades e inúmeros voluntários. O LIFE já deu luta ao chorão, espécie vegetal invasora, que foi retirado de muitos locais e onde há já mais plantas nativas a crescer e estuda as aves marinhas que por ali se reproduzem, com uma câmara online a filmar dia e noite um ninho de cagarra e outro de galheta, alternadamente”, adianta o “Jornal de Leiria“, num artigo do verão passado.
E qualquer um pode ver o ninho ao vivo, na internet, num site próprio.
A equipa quer entender as ameaças aos valores naturais das Berlengas, em terra e no mar, para as minimizar e erradicar. O objetivo é, também, promover a utilização sustentável das Ilhas, com aposta na pesca, atividades recreativas e turismo.
“A ilha da Berlenga sempre se destacou pela sua mística, biodiversidade e beleza. Contudo, devido à ação humana ao longo dos tempos, ela foi perdendo alguns dos seus valores naturais”, diz o LIFE, assumindo pretender devolver à ilha esses valores.
Além das medidas referidas, o programa quer mesmo fixar limites de entradas de visitantes no verão.
Como ir, onde ficar, o que ver
Se quiser visitar a Berlenga, basta chegar a Peniche (acesso mais fácil pela A8), procurar o Cais de Embarque e apanhar o barco para a Berlenga Grande. É aconselhável reservar a viagem, sobretudo no verão, e pode fazê-lo através da Viamar, que não é a única empresa a fazer o trajeto, mas é a mais concorrida. A viagem é de cerca de 10 quilómetros, ou seis milhas náuticas.
O forte, onde pode dormir.
Para dormir, tem três opções: o Hotel Forte de São João Baptista, que fica mesmo no forte e agora é gerido pela Associação Amigos da Berlenga. Quem lá ficou aconselha, a estadia começa nos 15 euros por noite e a vista é incrível. Tem também a Pensão Pavilhão Mar e Sol, que pertence ao Restaurante Mar e Sol; e o Parque de Campismo das Berlengas (reservas para campismo.berlenga@nullcm-peniche.pt, e convém reservar pois está sempre cheio).
Convém lembrar que não precisa de lá dormir, há muitas excursões de um dia a partir de Peniche, onde as opções de alojamento são enormes, ou pode simplesmente comprar bilhete de ida e volta.
Para comer, tem então o Restaurante Mar e Sol, conhecido pela sua caldeirada e pela esplanada, e que também tem a pensão; e o Forte de São João Baptista, além dos quartos, também tem um mini-mercado e um restaurante. Tem ainda o Mini-Mercado Castelinho.
Para visitar, tem a Fortaleza de São João Batista, o farol do Duque de Bragança ou farol da Berlenga, construído em 1840 e as praias: a Praia do Carreiro do Mosteiro, a maior, e as mais pequenas, a Praia do Forte ou a Praia Cova do Sonho. Tem ainda trilhos, caminhadas, convém espreitar o Centro de Visitantes e tem excursões de barco às grutas: a Gruta da Lagosteira, a Gruta da Flandres, da Inês, do Brandal, Gruta Azul e Gruta Muxinga.
O farol.