Na década de 1820, o militar e aventureiro Gregor MacGregor regressou ao Reino Unido para se apresentar aos seus conterrâneos como príncipe de Poayis. No meio de várias histórias sobre as suas façanhas heróicas, convenceu alguns empresários a investirem neste novo território erguido na América do Sul. Consigo tinha um elaborado mapa. Tão bom que houve até quem lhe pagasse pelo privilégio de viver nessa terra distante.
Quando chegavam a Poayis, no entanto, descobriam que o tal território não existia. O mapa era bom, mas a realidade era a de um pântano infestado de mosquitos. Houve quem pagasse com a vida ter sido enganado por este vigarista escocês que ficou célebre nos livros de história.
Conhecemos os mapas desde os tempos de escola, onde nos ensinaram a confiar neles. Têm o seu lado factual, é certo, mas têm também revelam algum tipo de narrativa — que é reflexo do seu tempo.
Este é um tema de debate entre historiadores. Por exemplo, com os avanços na época dos Descobrimentos e os consequentes séculos de colonialismo por parte de países europeus, o Velho Continente foi impondo os seus mapas a outras civilizações. Muitas vezes eram enganadores, com a Europa a surgir maior do que na verdade era quando comparada com outros continentes. Outra característica peculiar — e que se mantém nos dias de hoje — tem a ver com o facto de a Europa ocupar precisamente o centro do mapa.
De bárbaros a iluminados
Vem isto a propósito de um curioso mapa contemporâneo da vigarice de Gregor MacGregor. Este mapa com 200 anos, do geógrafo e autor William Channing Woodbridge, foi publicado em 1821 com o título “Chart Of the Inhabited World”. Por duas vezes, o norte-americano veio dos Estados Unidos até à Europa. Logo na sua primeira viagem, o mundo ficou a conhecer este curioso mapa, que além de informações sobre o número de habitantes e possível religião, dividia os países numa escala de evolução que ia dos selvagens (a pior sociedade conhecida) até aos iluminados (a superior).
Portugal, por exemplo, não estava mal colocado. Era um país “civilizado”, embora não “iluminado”, como acontecia com espanhóis, britânicos, espanhóis ou franceses.
Naquela altura os EUA estavam ainda em expansão. Por isso, para Woodbridge, a metade leste dos EUA já era “iluminada”, mas o lado Oeste continuava a ser uma terra de “selvagens”. Não por acaso era o território de índios que ao longo das décadas seguintes seriam dizimados.
Por outro lado, a China de então, embora tivesse avanços técnicos admiráveis, era apenas “semi-civilizada”, tal como a região ocupada pela atual Turquia. Havia ainda o caso da Rússia, que tinha de tudo: uma parte no norte era selvagem, a maioria era bárbara e a parte mais próxima do Ocidente já chegava ao nível de civilizada.
Outro exemplo curioso era o dos nórdicos. Para este cartógrafo, os suecos já eram iluminados, os noruegueses ainda eram só civilizados e uma boa fatia do que é hoje a Finlândia era terra de bárbaros.
Em África, o mapa destacava a Etiópia, o reino cristão africano, mas com um lado de incógnita. E admitia mesmo que no coração do continente, entre diferentes países bárbaros, selvagens ou semi-civilizados, poderia haver uma outra categoria: os canibais.
Se quiser conhecer melhor este divertido mapa da primeira metade do século XIX, pode utilizar esta versão digital. Vai valer a pena.