No domingo, 15 de março, Espanha já era o segundo país na Europa com o maior número de infetados com o novo coronavírus. Só Itália estava à frente. A situação no país escalou depressa e com pouco sobreaviso: em apenas alguns dias, o número de casos registados multiplicou-se assustadoramente para mais de 7 mil — há duas semanas, havia apenas 80 infetados.
“Acho que as pessoas estão com medo”, revela à NiT Rita Saraiva, de 27 anos, que fugiu de Madrid na noite da passada quarta-feira, 11 de março. É na capital espanhola que a situação se encontra mais crítica, com praticamente metade dos infetados em todo o país e uma quarentena quase total imposta pelo governo este sábado e que se deverá manter durante, pelo menos, duas semanas.
As saídas à rua foram proibidas, com exceção das idas ao supermercado e farmácia, situações de emergência ou percursos em direção ao trabalho — nos casos em que o teletrabalho não é possível. “Para sair de casa é preciso uma justificação e há polícias nas ruas a controlar toda a gente”, revela Rita.
Todos os restaurantes, bares, lojas, jardins e estabelecimentos de ensino estão fechados, incluindo o famoso parque do Retiro. O ambiente que se vive na capital espanhola, habitualmente cheia de música e movimento, gargalhadas e gente nas esplanadas, parece “saído de um filme”, desabafa.
Há cerca de duas semanas, a empresa multinacional em que trabalha convocou todos os trabalhadores num auditório para falar sobre os impactos que o vírus teria no negócio, ligado à área da restauração, estimando que poderiam perder uma grande percentagem das vendas nos próximos meses. Além disso, adotaram algumas medidas preventivas, como dar a todos os trabalhadores a possibilidade de trabalhar a partir de casa, passar a fazer as deslocações de carro ou, no caso de não o terem, Cabify — e encarregavam-se de pagar as despesas.
“Muito pouca gente começou a adotar estas medidas. Eu própria não o fiz porque ainda não estava a sentir muito os efeitos do coronavírus”, recorda Rita, que está a viver em Madrid há cerca de dois anos. Mas, apenas três dias mais tarde, uma amiga que tinha estado de férias em Itália regressou assustada: “Ela disse-me para deixar de usar os transportes públicos, se tinha essa possibilidade. Foi a única coisa que passei a fazer, além de evitar restaurantes e sítios fechados.”
Ainda assim, o clima na cidade não mudou muito até à passada segunda-feira. Os pais de Rita foram visitá-la de Portugal e acompanharam-na ao supermercado para fazer compras maiores. “De manhã ainda havia tudo nos supermercados, mas nessa noite uma amiga minha foi ao mesmo supermercado onde eu tinha estado e já não havia nada”.
O caos era “maior do que aquele que se vê em Portugal”. Prateleiras de massa vazias, frigoríficos de carne sem nada, peixe nem vê-lo. O medo começou rapidamente a invadir a cidade e no dia seguinte a empresa decidiu reforçar a mensagem de alerta. “Pediram a todos para ficar em casa, cancelaram reuniões com toda a gente externa”, revela a portuguesa.
No entanto, o caos só se instalou verdadeiramente no dia seguinte, quando “começaram a circular burburinhos” sobre o governo vir a fechar as fronteiras de Madrid, como está a acontecer em certas regiões de Itália. “Eu fiquei em pânico”, desabafa. Rita estava completamente sozinha na cidade — o namorado, com quem vive, tinha viajado para a Ásia e todos os seus amigos portugueses estavam a fugir para Lisboa.
“Decidi que ia comprar o primeiro voo que houvesse. Já tinha um voo para regressar na quinta-feira, mas comprei um para a véspera. Foi a melhor coisa que fiz”, conta à NiT. O regresso atribulado foi realizado na passada quarta-feira à noite de avião.
“Estava com medo, confesso, porque todos me diziam que era louca. Eu não estava a aceitar muito bem a realidade. Mas tive muitos cuidados no aeroporto, que estava vazio. Comprei um bilhete no próprio dia e só paguei 30€”, diz.
Na sexta-feira, dois dias depois de chegar a Portugal, o governo espanhol emitiu um comunicado a declarar que todos os restaurantes, bares, discotecas, esplanadas, lojas e parques tinham de fechar. Todos os restaurantes da empresa onde Rita trabalha, que esperava apenas perder uma percentagem das vendas, foram obrigados a encerrar em Madrid.
“Isto vive-se um pouco por toda a Espanha, mas Madrid é onde a situação que está mais crítica, de longe”, explica a portuguesa. “As pessoas da cidade não estavam a ter cuidado nenhum. Estas recomendações, que saíram há duas semanas, não foram adotadas por ninguém. Só começaram finalmente a ficar em casa desde a última semana. Mas só a partir do momento em que se tornou estritamente obrigatório.”
Agora, o medo já se generalizou, até porque os casos no país se continuam a multiplicar de forma exponencial. “Toda a gente neste momento conhece alguém com coronavírus ou alguém que está com febre e que não sabe se o tem ou não. Isso passa-se muito”, explica. O problema está na falta de capacidade dos serviços espanhóis para responder à elevada procura de análises para detetar o vírus: “Conheço pessoas com sintomas que ainda não fizeram o teste porque não dá para o fazer. Há listas de espera intermináveis”.
Para Rita, a situação caótica da capital de Espanha poderia ter sido evitada, mas também confessa que foi uma das pessoas que demoraram algum tempo a adotar as medidas preventivas. Hoje, acredita que devia ter começado a trabalhar a partir de casa assim que a empresa lhe deu a opção.
Em comparação com o ambiente que se vive em Portugal, considera que, por aqui, está tudo mais calmo. “Acho que é mais assustador lá, onde as pessoas não podem mesmo sair de casa, o que é uma medida muito dura”, que, segundo explica, foi aplicada de forma “muito radical em muito pouco tempo”, ainda que necessária. Há apenas uma semana, recorda, estava a fazer uma vida normal na cidade com os pais.
“Estou um bocado chocada”, acrescenta. Desde que chegou ao nosso País, Rita tem estado a trabalhar a partir de casa e só saiu uma vez para correr de manhã no paredão de Cascais enquanto estava vazio, que fica próximo da casa dos pais. Cancelou programas, jantares e um fim de semana com as amigas na Comporta por não querer arriscar contaminar ninguém.
À NiT, Rita Saraiva diz que se sente mais segura em Portugal do que em Espanha e que acredita estar a fazer a sua parte para travar a propagação do vírus, tal como a maior parte das pessoas que conhece. Apesar disso, pensa que os espanhóis estão “mais consciencializados do que os portugueses”, o que justifica com as medidas mais estritas que o governo do país vizinho já adotou.
“Aqui as coisas estão mais tranquilas”, conclui, acrescentando: “Até porque, para todos os efeitos, ainda se pode sair de casa. Mas acho que as coisas ainda vão escalar muito, sinceramente”.