Pedro e Carolina conheceram-se quando tinham 15 anos. Estavam na mesma escola secundária, em Vila do Conde, e eram de turmas diferentes mas sabiam quem o outro era. O namoro não veio logo, mas quando surgiu trouxe o bichinho das viagens com ele. Agora, ambos com 34 anos, o marido e mulher que no instagram se chamam de Mochileiros vc(van life) acabaram de regressar de uma viagem pela Europa que fizeram numa autocaravana. E trouxeram histórias, imagens e dicas incríveis para partilhar com quem sonha em fazer o mesmo.
A viagem foi em 2019, o ano em que a vida foi posta em suspenso durante seis meses, para perseguir o sonho de percorrer o continente numa Volkswagen T3.
Foi um meio ano de “pura adrenalina”, que foi sendo partilhada nas redes sociais, onde o casal português conta já com mais de 26 mil seguidores. Com o autocaravanismo a crescer imenso em Portugal e um pouco por todo o mundo, o casal falou com a NiT sobre os resultados, os pontos negativos e positivos, os desafios e sugestões de uma empreitada como a sua.
Carolina Vieira, 34 anos, professora de Educação Física e Pedro Cerqueira, 34 anos, Engenheiro Mecânico, os mochileiros portugueses, deixam a sua história.
Como se conheceram?
Conhecemo-nos com 15 anos, frequentávamos a mesma escola secundária em turmas diferentes e já nos conhecíamos de vista, contudo só começamos a falar num fim de semana radical em Melgaço, organizado pela escola. Começamos depois a namorar, com altos e baixos, umas pausas pelo meio, mas podemos dizer que há 18 anos que começamos a escrever esta história.
Individualmente, sempre gostaram de viajar? E como casal?
Sim, é uma paixão que ambos temos desde cedo e sempre viajamos muito. Como casal começamos a viajar em 2015, ano que começamos oficialmente a namorar. Começamos a namorar dia 5 de setembro e fomos passar uns dias aos Açores e logo que voltamos marcamos a passagem de ano no Brasil.
Como surgiu a ideia desta viagem — e porque de caravana?
Nós somos apaixonados por viagens e como ambos trabalhamos, só podíamos marcar férias de 15 dias no máximo o que começamos a achar pouco — queríamos sempre mais. As autocaravanas são também uma paixão antiga, sempre sonhamos em ter uma. Depois de casarmos (2017) decidimos comprar uma autocaravana como prenda de casamento. E assim foi, começamos a pesquisar na Internet e apaixonamo-nos por esta Volkswagen T3, que carinhosamente tratamos por Pingu. Fomos buscá-la a San Sebastian, Espanha em dezembro desse ano. Ela já é uma autocaravana de origem por isso não fizemos nenhuma conversão, apenas demos uns toques na decoração e fizemos uma revisão mais geral a nível de mecânica. Começamos por sair nela todos os fins de semana, até que mais uma vez começamos a sentir que era muito pouco. Esta necessidade constante de viajar, aliado ao facto de termos a Pingu, fez nascer na nossa cabeça a possibilidade de uma viagem grande. Obviamente que o tempo mais quente é mais propício à vanlife por isso decidimos que o melhor seria de abril a setembro, e traçamos então o objectivo de dia 1 de abril de 2019 sairmos à descoberta da Europa. Ambos trabalhávamos na altura, tivemos que nos despedir e pôr alguns projectos em stand-by.
Como conseguiram financiar a aventura?
Desde que decidimos fazer a viagem, começamos a poupar. Deixamos de comprar futilidades (como roupas por exemplo), passamos a ir menos vezes a restaurantes, tudo aquilo que víamos que não era realmente essencial, não gastávamos dinheiro. Não tivemos qualquer tipo de apoio financeiro para esta viagem, foi mesmo trabalhar e poupar!
Como foi o planeamento e quando decorreu?
Sendo uma viagem de autocaravana, o continente europeu era a primeira escolha, por razões óbvias. Nós adoramos praia por isso a primeira opção foi a costa mediterrânica. No entanto, depois de vermos imagens da mítica estrada NC500 no norte da Escócia, decidimos fazer um “pequeno” desvio e subir para o Reino Unido. O planeamento desta viagem foi muito simples, íamos vendo imagens nas redes sociais que a malta ia partilhando, íamos guardando e tínhamos ideia de alguns lugares que queríamos visitar. Não fomos nada rígidos em termos de lugares e de tempo, íamos andando e parando nos lugares que nos pareciam mais agradáveis, íamos ficando onde nos sentíamos bem. Por exemplo, tínhamos pensado ficar duas semanas na Grécia, mas adoramos tanto aquele país que acabamos por ficar cinco. É um dos pontos positivos da vanlife, não haver horas marcadas nem tempos definidos. Somos donos do nosso tempo!
Como foi, em resumo, a aventura e o seu percurso inicial?
Saímos de Portugal no dia 1 de abril, seguimos para norte, Espanha e França. Atravessamos o canal da mancha e passamos para o Reino Unido, com o objectivo de fazermos a estrada mítica, a North Coast 500, na Escócia. Pelo caminho conhecemos Inglaterra e País de Gales. Atravessamos então França toda em direcção a Sul para finalmente chegarmos ao mediterrâneo. Queríamos fazer toda a bota de Itália, mas depois de chegarmos ao sul e de nos decepcionarmos com tudo à nossa volta, decidimos apanhar um ferry.
De Itália, seguiram para onde?
Chegámos então a um dos pontos altos desta viagem, a Grécia. Guardamos as tais duas semanas para aqui, mas acabamos por ficar cinco. Conhecemos o continente e duas ilhas: Zakynthos e Milos. Era chegada a hora de voltar para trás e continuar a explorar os Balcãs: Albânia, Montenegro, Bósnia, Croácia e Eslovénia. Maravilhoso! Quisemos voltar a Itália, desta vez para visitar as Dolomitas e fizemos uma breve passagem por Genebra, Suíça. O tempo começava a ficar escasso por isso fizemos um esticão até ao sul de Espanha e decidimos visitar mais uma ilha, Menorca. Regressamos então a Portugal, com uma estadia de três semanas no Algarve para recordar a nossa primeira viagem na Pingu. Esta incrível viagem chegou ao fim no dia 30 de setembro com a nossa chegada a Vila do Conde.
Quantos quilómetros percorreram no total?
Foram 25.000 quilómetros de Pingu mas fizemos mais alguns de bicicleta, ferries, bus, táxi, mota, avião, etc. Durante o caminho aproveitamos para visitar amigos e familiares espalhados pela Europa, conhecemos outros tantos que não são amigos de sempre mas ficarão para sempre. Porque viajar é também muito isto.
Planearam todos os locais ou foram improvisando?
Planeamos a rota, os locais onde íamos parando alguns estavam previamente assinalados, mas grande parte deles não. Íamos descobrindo pelo caminho, falávamos com pessoas locais que nos aconselhavam determinados sítios, ou outros vanlifers com quem nos cruzávamos na estrada que nos aconselhavam lugares por onde tinham passado. E muitos lugares conhecemos mesmo por irmos à descoberta.
Que sítios vos marcaram mais?
Sem dúvida que nos marcou muito a Grécia. A nosso ver, é o país ideal para a vanlife. Pode-se estacionar a autocaravana em qualquer lugar (inclusive na praia, em cima da areia), as pessoas são super simpáticas e acolhedoras, come-se muito bem. É um país lindíssimo, com paisagens brutais, com as praias mais bonitas que conhecemos.
E que aspectos da viagem mais vos impactaram?
Por ser uma viagem grande, de seis meses, aquilo que mais nos marcou e com o qual continuamos diariamente a sonhar, é o facto de podermos ser donos do nosso tempo e fazer aquilo que gostamos. Ou seja, nós vivemos um sonho durante meio ano, a viajar de van por paisagens incríveis, parávamos onde queríamos, se estivéssemos bem ficávamos várias noites, se não estivéssemos a gostar continuávamos mais para a frente. Acordávamos sempre com uma vista diferente, tínhamos sempre coisas diferentes para ver e para fazer. Basicamente planeávamos o nosso dia quando acordávamos, mediante aquilo que nos apetecesse fazer…Isto é o sonho de qualquer ser humano: ser dono do seu tempo!
Quais os pontos mais positivos da aventura?
Um dos pontos positivos desta aventura foi termos passado tanto tempo juntos, pois tínhamos trabalhos normais e muitas vezes só nos víamos à noite. E passar meio ano juntos, 24 horas por dia juntos foi maravilhoso. Outro ponto positivo foi termos conhecido imensa gente com os mesmos gostos do que nós, aventureiros, vanlifers, malta que andava à boleia. Conhecemos também imensos lugares, que numa viagem normal de avião + hotel seria impossível, pois claramente só chegávamos lá porque íamos explorando com a Pingu.
E os lados negativos?
Não tivemos muitos pontos negativos, felizmente, apenas algumas desilusões como por exemplo o sul de Itália. Tínhamos grandes expectativas para fazer toda a bota italiana, mas desistimos quando passamos da costa amalfitana para baixo. Sentimos alguma insegurança e tivemos que mudar os planos. Depois a Pingu também fez uma “birra” nessa zona e tivemos que visitar um mecânico pela primeira vez, mas tudo se resolveu.
Na Albânia, deparamo-nos com algumas situações de pessoas que se aproximavam de nós para cobrar dinheiro por pernoitarmos na via pública, e sentimos que estávamos a ser enganados, pois vinham com histórias mirabolantes que foram eles que tinham construído as estradas, via-se nitidamente que nos estavam a enganar, mas para não haver problemas, pagávamos e no dia seguinte seguíamos caminho. Tudo coisas facilmente ultrapassáveis, felizmente!
Conheceram muitas pessoas?
Conhecemos muita gente. Também porque íamos com espírito aberto para isso. Nos spots onde pernoitávamos metíamos sempre conversa com a malta das outras vans. Quando víamos pessoas a pedir boleia, parávamos. Marcamos encontros com pessoas que nos seguem no instagram. E conhecemos também imensas pessoas locais, porque perguntávamos sempre o que podíamos ver nas redondezas, o que nos aconselhavam a comer, a fazer, etc. Foi muito giro, fizemos amigos para a vida!
Como lidam com as redes sociais? É um bom modo de mostrarem as vossas aventuras, o feedback é positivo, interagem?
Nós somos bastante activos nas redes sociais em @mochileiros_vc. É a melhor forma de mostrarmos as nossas viagens, a forma simples e descontraída como viajamos. Às vezes as pessoas acham que é preciso muito para viajar e para se ser feliz, e nós temos mostrado que não. Com muito pouco consegues fazer coisas incríveis. No nosso caso, com uma van de seis metros quadrados conseguimos ter tudo o que precisamos, o que não é muito.
E o que é que se precisa?
Muito pouco. O essencial. Vivemos meio ano com dois pares de calças, três calções, oito tshirts, duas sapatilhas, uns chinelos e sentimos que não precisávamos de mais! A nossa forma de pensar e de estar mudou por completo. As pessoas hoje em dia são muito materialistas, dão mais valor a objectos do que a experiências e momentos. E a nossa página de instagram é a nossa forma de mostrar às pessoas que ser feliz é fácil e não depende de coisas materiais mas sim de vivências e atitudes. O feedback dos seguidores é super positivo, interagimos imenso com toda a gente, somos uma família, há uma troca de opiniões constante, ajudamo-nos mutuamente, só assim faz sentido ter uma página pública.
O que sugerem a quem pensa ou quer partir?
Aconselhamos vivamente toda a gente a fazer uma viagem destas. Não tem que ser de autocaravana, mas todos deveriam tirar uns meses e partir à descoberta. “Ah e tal mas o meu trabalho não me permite” ou “vocês têm muita sorte”, o nosso trabalho também não nos permitia, tivemos que nos despedir. Nada é uma questão de sorte mas sim de coragem! E nós tivemos a coragem de deixar tudo para trás, sair da rotina, arriscar, e pensar que quando chegássemos iríamos arranjar uma solução. E assim foi, fecharam-se algumas portas mas abriram-se janelas. E é esta mensagem que queremos deixar a quem vai partir ou a quem está a ganhar coragem para o fazer: vai com tudo, sem medo, de espírito aberto…só vives uma vez. E lembrem-se sempre que os sonhos não são para serem sonhados, são para serem vividos!