Antes do nascimento da filha, Vânia Feteira estava com receio de não poder amamentar e comprou um leite disponível em Inglaterra, onde vivia, chamado SMA. Quando procurou pelos valores nutricionais do produto na Internet, apercebeu-se de que tinha o mesmo nome de uma doença: Atrofia Muscular Espinal (Spinal Muscular Atrophy, em inglês). Foi assim, de forma inesperada, que ficou a conhecer a AME, sigla em Portugal. Nesse momento, estava longe de imaginar que a filha iria ser diagnosticada com aquela doença rara.
Noa nasceu em Inglaterra a 21 de agosto de 2018 e, aparentemente, estava tudo bem. Os pais, que são portugueses, decidiram passar a licença de maternidade em Portugal. Chegaram em outubro mas só em dezembro é que Vânia e Sérgio Feteira, 35 e 34 anos, perceberam que algo não estava bem.
“Na altura do Natal, notámos prostração, hipotonia e moleza algo intensas e também que a Noa tinha perdido alguns movimentos. Com três meses já se esperava que ela tivesse outro tipo de força. Ainda não achava que aquilo fosse sinal de uma doença, tanto que os médicos diziam que não havia sintomas suficientes para alarme. No entanto, para mim era visível que alguma coisa se passava”, recorda Vânia Feteira numa entrevista exclusiva à NiT feita ao telefone.
Foi também nessa altura que se lembrou do que tinha lido por curiosidade sobre a Atrofia Muscular Espinal. Os sintomas — como cansaço ao mamar, monotonia e tremor na língua — coincidiam. Porém, os pais da bebé, que agora tem dez meses, não queriam acreditar que fosse possível tratar-se do mesmo. Começaram a procurar respostas um mês antes do diagnóstico, que chegou quando tinha cinco meses.
“Falámos com o médico de família e com vários pediatras. Quando fui ao meu antigo pediatra, mencionei logo esta doença, uma vez que já tinha pesquisado sobre ela. Para despiste, mandou a Noa para Leiria fazer exames. Como lá não tinham nenhum neuropediatra, fomos encaminhados para o Hospital Pediátrico de Coimbra [que faz parte do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra]”, conta.
A confirmação de que a bebé tinha aquela doença rara genética chegou a 23 de janeiro. Nessa altura, já estava internada e a fazer ventilação. Atualmente, encontra-se nos cuidados intensivos da mesma unidade hospitalar, onde está desde abril por causa de um rinovirus que a fez lutar pela vida. “Se ela não tivesse já Spinraza nas veias, tinha acontecido uma fatalidade”, diz a mãe.
Noa com os pais, Sérgio e Vânia.
O Spinraza é o nome do medicamento que Noa está a tomar para travar a Atrofia Muscular Espinal tipo 1. Consiste na aplicação de uma injeção na medula óssea — demora cerca de 20 minutos. Inicialmente, são administradas doses de carregamento. Depois, a bebé toma o fármaco de quatro em quatro meses. Ou seja, três vezes ao ano.
“Na primeira e segunda injeções não notámos muita diferença. À terceira vez percebemos que ela não piorar já era sinal de que o medicamento estava a atuar. Entretanto, já tomou a quarta dose. No entanto, há vários testemunhos de pais que dizem que é na quinta vez que se nota maior recuperação. A Noa vai tomá-la a 9 de agosto. Mas já sentimos que ela tem mais movimentos.”
Cada injeção que esta bebé recebe custa 90 mil euros. Quando Noa começou a tomá-las, não havia 100 por cento de certezas de que seriam comparticipadas pelo Estado. Contudo, o Hospital Pediátrico de Coimbra garantiu a Vânia e Sérgio Feteira que, independentemente de ser o hospital ou o Estado a pagar, jamais seriam os pais a dar aquele valor (por ano são 270 mil euros).
Este medicamento tem de ser tomado durante a vida inteira, a não ser que surja uma cura. O mais perto disso é o Zolgensma, o fármaco para o qual os pais de Matilde — o caso português que deu a conhecer a AME e pelo qual Portugal se uniu numa onda de solidariedade — pediram ajuda na compra. Custa quase dois milhões de euros e tem o título de medicamento mais caro do mundo.
Ainda antes do caso de Matilde ser conhecido, os pais de Noa já sabiam da existência do tratamento milagre. Aliás, Vânia Feteira entrou diretamente em contacto com a Novartis (a empresa que comprou o medicamento) e a AveXis (a farmacêutica que desenvolveu este tratamento) para que a filha fosse candidata ao programa de testes. No entanto, a idade de Noa já não permitiu que isso acontecesse — há um limite de 42 dias após o nascimento.
“Sei que atualmente está a ser desenvolvido um estudo para perceber qual é o efeito do Zolgensma a longo prazo e em crianças com mais de dois anos. No entanto, quanto mais tarde se começa o tratamento, mais avançada está a doença. Por isso, neste momento confiamos no Spinraza”, conta à NiT.
O medicamento de quase dois milhões de euros, apesar do preço, fica mais barato quando comparado com a toma do Spinraza durante uma vida inteira. Mas não há tempo a perder e, por enquanto, o fármaco ainda só está disponível nos Estados Unidos, não existindo confirmações da sua vinda para Portugal.
Até lá, os pais da bebé de dez meses podem apenas contar com a opção disponível em Portugal e com o apoio de todas as pessoas que conheceram no hospital que têm filhos na mesma situação. Segundo Vânia, “aquelas mães agora também são família, tornaram-se tias da Noa”. Destaca, ainda, a energia positiva e a coragem que recebe todos os dias da parte delas. Quanto aos médicos, “não querem criar grandes expectativas”, garante.
A bebé tem agora dez meses.
Como podemos ajudar Noa?
Embora o Spinraza seja comparticipado pelo Estado, há muitas outras coisas que fizeram com que os pais de Noa tivessem de gastar todas as poupanças que até ali tinham conseguido juntar. Neste momento, “a conta está praticamente a zeros”.
Vânia trabalhava como administrativa na Soho House, em Inglaterra, país onde vive desde 2001. Com Sérgio vivia lá há cinco anos. A baixa de licença de maternidade da mãe de Noa acaba a 21 de agosto. A partir desse dia, não tem direito a nada e precisa de acompanhar a filha 24 sobre 24 horas. Já Sérgio conseguiu encontrar um trabalho perto da zona onde vivem, em Mira de Aire, no concelho de Porto de Mós. Porém, “ganha pouco mais do que o ordenado mínimo”.
Este valor não é suficiente para garantir todos os tratamentos de que a bebé precisa, como fisioterapia, terapia da fala e hidroterapia.
“No caso da fisioterapia, por exemplo, o Serviço Nacional de Saúde paga duas sessões mas a Noa precisa de cinco semanais. E cada uma custa cerca de 30€. Enquanto cuidadores, infelizmente, não podemos trabalhar os dois, o que torna o financiamento destas sessões muito difícil”, explica Vânia.
Para piorar ainda mais as coisas, os pais de Noa vivem a cerca de duas horas do Hospital Pediátrico de Coimbra, o que significa várias deslocações.
Voltar para Inglaterra, pelo menos para já, também não é uma opção. O Spinraza foi aprovado naquele País há pouco tempo e ainda há várias cláusulas na sua administração. Além disso, antes de ser descoberta a doença, a ideia de Vânia e Sérgio era encontrarem trabalho em Portugal e ficarem por cá.
A decisão de tornarem pública a história de Noa não foi fácil. Porém, depois de verem a onda de solidariedade que houve relativamente ao caso de Matilde, sabiam que era importante que se soubesse que havia mais dez “Matildes” em Portugal, entre elas Noa.
“É literalmente dar a nossa vida a conhecer a toda a gente, especialmente a parte má. Mas o que eu queria era passar a mensagem e que se lembrassem que também há uma Noa. A nossa ideia nunca foi pedir dinheiro, muito menos dois milhões de euros, como saiu em algumas notícias. Mas se não desse a conhecer a história, provavelmente, mais tarde iria arrepender-me”, diz à NiT.
Noa foi diagnosticada com a doença rara quando tinha cinco meses.
A 4 de julho, uma quinta-feira, pelas 12h52, Vânia Feteira deu, então, a conhecer a história de Noa numa publicação na sua página pessoal de Facebook, acompanhada de uma fotografia da filha.
“A Noa transborda amor, curiosidade, inteligência, empatia e muita perspicácia! A Noa não é tristeza, não é luto, nem desamparo ou fraqueza, ela é o perfeito oposto de tudo isso! Sem dúvida de louvar é que ela teve a sorte de nascer em 2018, quando já circulava o nosso amigo e grande aliado, o Spinraza”, pode ler-se na descrição.
Vânia tinha comentado com Sérgio que, muito provavelmente, a publicação não teria mais de 20 gostos. Mas a verdade é que, em menos de uma semana, já soma mais de mil gostos, 343 comentários e 3700 partilhas. No dia seguinte, 5 de julho, o telemóvel da mãe da bebé não parava de tocar e de receber notificações. Eram pessoas que queriam saber como ajudar e que incentivaram o casal a criar uma página de apoio para a filha, assim como uma conta solidária para a qual pudessem fazer doações.
“Não queremos dois milhões de euros, mas dez mil já será uma grande ajuda para um ano ou um ano e meio de tratamentos e outras pequenas coisas. Fui ver o saldo da conta esta manhã [8 de julho, segunda-feira] e já temos 1300€”, conta à NiT.
Para ajudar o caso da Noa a ter um final feliz, pode realizar a sua doação para o IBAN PT50 001000004646197000268. Pode também acompanhar o percurso desta bebé através da página de Facebook “Dar a Cara Pela Noa“.