Com uma pronúncia beirã, xaile garrido e cabeleira bem armada, a Dona Isabel revela os truques ancestrais para adivinhar o sexo de um bebé. Por detrás desta personagem está um jovem médico sem medo de recorrer a métodos pouco habituais — tudo o que for necessário para desfazer mitos e esclarecer as dúvidas que tantas vezes lhe são colocadas nos gabinetes.
Não existe, porventura, mito maior do que o da adivinhação do sexo de uma criança. Recorrem-se a agulhas e golpes de vista, tudo serve para complementar ou até contrariar os diagnósticos médicos. “Tenho uma amiga que está grávida e na ecografia revelaram o sexo. Mas a mãe não acredita porque acha que a barriga tem um formato diferente do que era suposto. E a minha colega é médica (risos). É uma coisa muito curiosa”, conta à NiT o médico de 29 anos, fundador do projeto Médico da Mãe.
Criado em março, o canal de vídeos explicativos era uma ideia que Rafael tinha imaginado em 2016, mas que nunca concretizou. O conceito foi surgindo aos poucos, dentro dos gabinetes das consultas, onde muitas mulheres faziam quase sempre as mesmas questões.
“Pensei que seria giro ter um sítio — um site, um livro, qualquer coisa — onde as senhoras pudessem tirar as suas dúvidas de forma gratuita e fidedigna, sempre com um palavreado simples”, nota. Havia apenas um elemento mais do que certo e absolutamente inegociável: o humor tinha que estar envolvido.
“É uma coisa natural para mim. Difícil é eu não fazer humor”, explica. A tarefa de controlar este ímpeto recai sobre Mariana Coroado, também médica e o elemento invisível do projeto responsável pela filmagem — “e pela censura (risos)”, acrescenta Rafael.
A Dona Isabel é apenas uma de várias personagens que Rafael faz questão de juntar aos guiões dos vídeos, onde também brilha uma espampanante Jessica e um pouco evoluído Zé Tremoço, abrilhantado com um par de tatuagens pintadas nos braços. As caricaturas servem o seu propósito.
“Queria pôr uma parte humorística nos vídeos, para que sejam mais acessíveis e apelativos. Quando pensámos no projeto achámos que esta era a forma mais didática”, explica Rafael, que está atualmente a terminar a especialidade em ginecologia e obstetrícia no Centro Hospitalar Universitário do Porto.
Assume que sempre teve “tendência para este género de brincadeiras” e que guarda como referências nomes como Herman José ou César Mourão. Este último chegou, aliás, a partilhar um dos seus vídeos no Instagram. Quanto à inspiração, explica que “é um mix” dos sketches que viu “ao longo dos anos” e que “influenciaram a escolha das personagens”.
“Os médicos tentam sempre fazer o seu melhor para explicarem as coisas, mas o facto de isto ser uma coisa tão acessível, facilita o processo”
Um par de perucas compradas na Internet, uma camisola emprestada por Mariana e um xaile colorido — assim se vai fazendo a recolha dos acessórios que ajudam a colorir temas mais sérios.
“[A pílula] engorda muito. Não tomo”, afirma uma das personagens enquanto mastiga uma bolacha. “A pílula? A minha mulher não pode tomar isso, tira-lhe a vontade”, acrescenta o menos polido Zé Tremoço, num dos vídeos que pretende desmistificar alguns preconceitos existentes sobre o método contracetivo e que é já um dos mais vistos.
“Os médicos tentam sempre fazer o seu melhor para explicarem as coisas, mas o facto de isto ser uma coisa tão acessível, facilita o processo. Por vezes temos tendência a falar com um certo tipo de vocabulário, que para nós é usual, mas a mensagem não passa bem. Acredito que assim conseguimos espalhar melhor a mensagem.”
A combinação de humor e medicina é algo pouco usual e acaba por criar alguma estranheza. Poucos estão preparados para ser confrontados com uma hashtag sobre higiene vulvar. Mas há muitos temas que Rafael ainda quer explorar e que acredita que são vitais para tirar dúvidas às grávidas e mães. Do que acontece nos partos vaginais às cesarianas, por que motivos devem fazer rastreios do cancro do colo do útero ou o que são partos instrumentados.
“Funcionam também como alerta para situações particulares, como quando ir ou não à urgência, sobre situações em que as próprias grávidas ficam preocupadas e que até nem são nada de especial; e outras situações que poderiam passar despercebidas e são verdadeiramente graves. É uma forma gratuita de educação para a saúde — e eu divirto-me imenso a fazer isto”, confessa.
Para o médico natural de Gouveia, o mais difícil foi começar. Com 15 vídeos publicados e um público a crescer, já precisa de menos takes para acertar no resultado final — “isto de falar para a câmara não é bem a mesma coisa de ter uma conversa ao telefone —, embora não goste muito de antecipar o futuro do Médico da Mãe.
Por enquanto, o projeto alimenta-se com o prazer de fazer vídeos com humor e de passar conhecimentos. Promessas só mesmo do surgimento de novas personagens. Mais tarde, “talvez um livro de ajuda” para grávidas, que explique “os procedimentos médicos de forma simples”.
Entre as partilhas, sublinha as que são feitas pelos médicos a quem chama de “mestres”, que o guiam e que lhe servem de “grandes referências”. São também eles que “reconhecem valor” no projeto e que incentivam Rafael a continuar a fazer mais vídeos. “Quanto mais conteúdo, melhor, até porque poderemos ajudar um maior número de mulheres”, conclui.