O número de mortos por Covid-19 na China tornou-se numa espécie de linha vermelha. A ultrapassagem de Itália à estatística das cerca de três mil vítimas mortais chinesas foi um marco amplamente noticiado. O mesmo aconteceu quando a marca foi quebrada em Espanha. Mas relatos recentes chegados de Wuhan indiciam que as estatísticas oficiais podem não ser completamente fiéis ao que realmente aconteceu.
As primeiras pistas foram surgindo à medida que o isolamento forçado foi sendo levantado. Primeiro nas regiões vizinhas, só mais tarde em Wuhan, o epicentro da pandemia. No topo da lista de tarefas de muitos milhares de chineses está uma prioridade: enterrar os familiares vítimas do novo coronavírus. E é precisamente aqui que a história (e os números) do governo chinês começam a não bater certo.
De acordo com imagens e informações divulgadas pela publicação chinesa “Caixin”, há milhares de urnas com cinzas das vítimas, empilhadas nos crematórios da cidade. Uma casa funerária terá mesmo recebido cinco mil urnas no espaço de dois dias — e existem outras seis só na cidade de Wuhan.
Nesta peregrinação às casas funerárias para reclamar os restos mortais dos familiares, a mesma publicação relata que as filas são gigantescas e que há chineses a esperarem quase seis horas para serem atendidos.
Os relatos sucedem-se e a revista “Vice” fez as contas: se os crematórios estão a entregar cerca de 3500 urnas por dia e anunciam que a tarefa estará terminada até ao feriado de 5 de abril, dia em que tradicionalmente os chineses cuidam das sepulturas, é possível estimar que sejam entregues os restos mortais de 40 mil pessoas.
Outra contabilidade especulativa parece pôr em causa os números oficiais. Antes da epidemia, calculava-se que os crematórios fizessem cerca de 220 cremações por dia. Se durante a epidemia, se noticiou que passaram a funcionar 24 horas por dia, poderá ter-se chegado a um número de 1560 cremações diárias. Valores que colocariam a estatística oficial de mortos bem acima das poucas mais de três mil oficializadas até agora.