E ao último episódio da quarta temporada, assistir a “This Is Us” voltou a meter lágrimas e a requerer lenços — alguns, vamos assumir. Tudo bem que os tempos não estão fáceis, há uma terrível pandemia mundial que é um catalisador óbvio de ansiedade e de emoções à flor da pele. Mas não foi (só) isso. A série despediu-se por tempo indeterminado com mestria, com revelações surpresa, com momentos e diálogos “murro no estômago” e com uma enorme mensagem de esperança no final.
Todos sabemos: ver as duas primeiras temporadas da série sem chorar era quase um desafio impossível, como aqueles que costumam aparecer na Internet. Enquanto a história base e o motor eram o amor de Jack e Rebecca Pearson, o nascimento dos dois filhos (mais a perda de um e a adoção de outro), a infância em toda a sua magia e nostalgia e a morte prematura do pai perfeito, era fácil puxar à emoção: mas não era à emoção fácil, era mesmo àquela que é inteligente e bem escrita.
Depois, a série cresceu nas temporadas e, claro, dispersou na história — e tudo acalmou. Algumas fases chegaram a ficar mesmo perto do aborrecido, como a da saga do tio Pearson, entre outros momentos menos bons. Ainda assim, habitualmente e de forma alternada tem havido três tipos de episódios de “This Is Us”: aqueles em que acompanhamos momentos de infância e da vida presente, intercalados entre si, para entendermos como o que vivemos em crianças influencia tudo o resto; aqueles em que seguimos mais a fundo uma parte específica do enredo ou uma personagem; e os que misturam tudo e várias histórias paralelas, com aquela certeza — sabemo-la logo de início — que todas vão acabar por se explicar, por fazer sentido e entrecruzar, como se de um puzzle complexo se tratasse.
“Strangers, Parte II” foi um desses, dos que pertencem ao terceiro grupo. Começamos por acompanhar Jack, não o pai, mas o filho de Kate e Toby, no futuro — já o tínhamos visto adulto num destes momentos mágicos de tudo se cruzar, aquele em que descobríamos a sua cegueira em criança mas percebíamos que ela não influenciaria negativamente a sua vida; e agora seguimos o Jack adulto à beira de ter a sua primeira filha, com a mulher.
Passamos depois para ser sempre a oscilar, durante uma hora, entre três momentos; o parto da mulher de Jack, com algumas histórias paralelas, das tais que só se vão entender no final; o tempo presente onde o pequeno Jack faz um ano de vida e celebra a sua festa num dia de emoções bastante fortes para todos os Pearson; e o momento passado, em que eram os Três Grandes a celebrar o seu primeiro aniversário, vivido por Rebecca e Jack com um misto de emoções: a alegria, claro, e a nostalgia e tristeza pelo filho que perderam um ano antes, no parto.
No tempo presente, a reunião de aniversário adivinha-se tensa porque Rebecca ainda não contou aos filhos que mudou de ideias quanto a ir para St. Louis durante nove meses, para entrar numa terapia experimental contra a Alzheimer.
Há uma semana assistimos ao motivo de Becca para mudar de ideias: porque Randall percebeu que tinha passado a vida frustrado por não ter podido salvar o seu pai e, querendo tudo para salvar a mãe, basicamente lhe suplicou que fosse ao tratamento; mas os irmãos do vereador não sabem disso e o plano é que fiquem sem saber — e que pensem que a ideia foi dela.
Claro que tudo se desmorona de forma bastante rápida, quando a mãe repete uma frase do filho Randall, e Kevin percebe o que se passou. Saltamos já para um dos pontos altos do episódio, ainda que em modo murro no estômago: a discussão entre Randall e Kevin, aquela em que toda a tensão acumulada entre os irmãos chega a outros níveis, em que percebemos porque parecia, nas cenas de futuro, que os dois estavam terrivelmente zangados.
Entre acusações de quem quer o melhor para a mãe e quem tomou ou não conta da família, o diálogo corre sem pudores, como na vida real: são ditas coisas feias e duras, são mostrados lados bem mais obscuros das personagens — Randall então parece passar todos os limites na sua obsessão por controlar tudo, o que até faz sentido: na vida real todos temos vários lados, uns menos bons, e nem sempre conseguimos gerir tudo de forma justa, muito menos sofrendo de uma obsessão.
Também Kevin diz algo que é profundamente forte contra o seu irmão, e a sensação de mágoa fica no ar. Mas para chegar lá já tinham sido muitas as emoções, o que ajuda a contextualizar.
Assistimos, no passado, a Jack e a Rebecca visitarem o médico mágico do dia dos partos, o que lhes disse tudo certo naquela noite, influenciando assim o seu futuro — e que volta a conseguir fazer o mesmo, consolando-os da perda do filho ao explicar, com uma metáfora incrível sobre uma música que o acompanhou nos bons e maus momentos, que o bom e o mau tem de estar na vida, estará sempre lá — o importante é equilibrar e abrir mais espaço para o bom.
Também assistimos, no presente, a Kate e a Toby a celebrar o aniversário do filho com uma visita à unidade de neonatologia onde tinham estado um ano antes, quando ele nasceu prematuro. Ali têm uma epifania e descobrem que tudo faz mais sentido com apoio, com irmandade, pelo que decidem adotar um irmão ou irmã para Jack, num momento também emocionante. Mas ainda não chegámos às lágrimas — já está perto, mas ainda não.
No futuro, depois de o Jack adulto e de a mulher serem pais, percebemos que uma outra rapariga, que acompanhámos durante o episódio sem sabermos porquê, é a irmã de Jack — a irmã que entretanto tinha sido mesmo adotada, portanto. Mas ainda não chegámos aos lenços e às lágrimas, ainda não.
Durante a discussão com Randall, Kevin tem outra descoberta da qual não estava mesmo à espera: Madison, a melhor amiga de Kate com quem passara uma noite depois de viver um desgosto amoroso da sua eterna amada Sophie, está grávida. De gémeos.
Numa altura em que todos pensavam que a assumida busca de Kevin por um amor igual ao dos pais só podia ter um fim (o reencontro com Sophie), tudo muda. E já houve reações revoltadas nas redes sociais, por fãs inconsoláveis a gerir esta perda, é um facto.
Mas, para mim, foi esse o momento das lágrimas. Aquele em que, perante as acusações do irmão de ser uma pessoa fria, quando tudo o que procurava era amor, e no dia em que celebrava um ano de sobriedade, Kevin percebeu, e tomou uma decisão. O amor da sua vida ia ser aquele: os filhos. Para terminar ainda voltámos ao momento no futuro em que a família se despede de uma envelhecida Rebecca e conhecemos os gémeos de Kevin, fazendo tudo sentido. Percebemos ainda que Kevin e Randall, então, finalmente se perdoariam. E ainda regressamos ao nascimento, mais no futuro ainda, da filha de Jack, que só poderia ter um nome: Hope, ou, em português, Esperança.
Nestes tempos incertos, não se sabe quando “This Is Us” volta para a sua quinta e penúltima temporada — o regresso está previsto para setembro, mas, como tudo hoje em dia, é uma incógnita. Sabemos que, tal como ficou a pairar no ar na série, tal como o nome da filha futura de Jack, e tal como o tempo presente, uma coisa é certa: é de esperança que todos precisamos.