Televisão
Vem aí o documentário mais polémico do ano — com histórias macabras de R. Kelly
“Surviving R. Kelly” junta acusações de abusos sexuais e violência. Estreia em Portugal em março.
O documentário está dividido em seis partes.
Abusos sexuais, pornografia infantil, pedofilia, violência doméstica e um culto sexual que retém mulheres contra a vontade delas. Este é o mundo obscuro de “Surviving R. Kelly”, o documentário que junta as acusações contra o músico sustentadas por cerca de 50 pessoas entrevistadas. Depois de ser um dos programas mais polémicos em janeiro nos Estados Unidos — onde foi a estreia com mais espectadores no canal Lifetime nos últimos dois anos —, já há data para a chegada a Portugal. As seis partes vão ser exibidas no Crime + Investigation em março, embora ainda não haja um dia definido.
Muitas das histórias macabras contra R. Kelly não são novas, mas o facto de terem sido todas agrupadas e de haver vítimas a falar no documentário já desencadeou um ciclo imparável de polémicas. A editora discográfica que o representada (RCA) cancelou o contrato, depois da emissão houve dezenas de outras mulheres a apresentarem queixa, Lady Gaga emitiu um comunicado no qual lamentava ter trabalhado com ele no tema “Do What U Want”, Celine Dion e Chance the Rapper retiraram as colaborações (“I’m Your Angel” e “Somewhere in Paradise” respetivamente) das plataformas de streaming e das lojas, várias rádios norte-americanas anunciaram que não voltariam a passar nada do cantor de R&B.
Transmitido durante três noites seguidas (a partir de 3 de janeiro), “Surviving R. Kelly” tornou-se em poucas horas um dos assuntos mais comentados no Twitter e nas restantes redes sociais. Drea Kelly, a ex-mulher, é uma das intervenientes principais.
“Ninguém faz ideia de que há duas pessoas completamente diferentes. Há a pessoa, o Robert, e a persona, R. Kelly”, explica.
Estiveram casados 13 anos (juntos quase 20) e tiveram três filhos — que atualmente não têm qualquer contacto com ele. Conheceram-se quando ela tinha 19 anos e ele 27. Drea tornou-se bailarina e depois coreógrafa dos concertos. Em palco tinha sempre um sorriso na cara e cobria-se de roupas brilhantes. Estas, garante, serviam para esconder as tareias que levava nos autocarros da tournée.
Foi vítima de agressões sexuais, físicas e psicológicas e chegou a ter medo de ser morta. Certo dia, R. Kelly terá amarrado as mãos e as pernas da então mulher e deixou-a assim durante a noite, “como um animal”, enquanto adormeceu tranquilamente ao lado dela
“Violento” e “controlador” são adjetivos que usa com frequência e que encaixam na perfeição na descrição das vítimas que contam as respetivas histórias no documentário.
Jerhonda Pace afirma que teve relações sexuais com R. Kelly quando tinha apenas 16 anos, que era “treinada” para lhe agradar e que era “trancada num quarto durante dias” como castigo. Faith Rodgers, de 19 anos, avançou para tribunal com uma queixa por abusos morais e físicos. Lisa VanAllen não podia responder a ninguém, mesmo quando lhe dirigiam a palavra, e tinha de chamar “daddy (papá)” ao músico.
As acusações multiplicam-se: os atos sexuais eram filmados sem consentimento, as mulheres eram fechadas em divisões das mansões de Atlanta e de Chicago, só podiam tomar banho ou comer quando tinham autorização.
Há décadas que circulam rumores sobre um alegado culto sexual que envolve várias mulheres. Os pais de uma delas, Jocelyn Savage, fizeram queixa à polícia em 2017 pedindo a libertação da filha. Esta concedeu, pouco depois, uma entrevista ao site “TMZ”, na qual jurava que estava “feliz”. Questionada sobre a possibilidade de sair e regressar a casa quando quisesse, o silêncio foi a única resposta.
Celine Dion, Lady Gaga ou Jay-Z. Todos colaboraram com R. Kelly, mas ninguém quis juntar-se aos familiares, psicólogos e vítimas que falaram no documentário. O único que aceitou ser entrevistado foi John Legend.
“Para todos os que me estão a dizer quão corajoso sou por aparecer no documentário, não me senti ameaçado de todo. Acredito nestas mulheres e não quero saber de proteger um violador em série de crianças. Decisão fácil”, escreveu no Twitter.
O próprio irmão de Kelly, Casey (que também participa no programa que será exibido pelo Crime + Investigation), confirma a perseguição de menores e que o cantor lhe pedia “para arranjar miúdas nos concertos”.
Além disso, afirma que R. Kelly casou em 1994 com Aaliyah. Ele tinha então 26 anos e ela 15. A união terá sido anulada pelos pais da adolescente no ano seguinte. Aaliyah acabaria por morrer, em 2001, num acidente de avião.
Em 2008, o autor de “I Believe I Can Fly” e “Ignition” apresentou-se em tribunal perante 21 acusações de pornografia infantil. Apesar de ter sido mostrado aos procuradores um vídeo de um encontro sexual com uma miúda de 14 anos, ele acabou por ser ilibado de todas as acusações. O músico tentou também que “Surviving R. Kelly” não fosse transmitido — os advogados ameaçaram o canal com um processo por difamação.
Por outro lado, a exibição dos episódios levou a um aumento significativo do número de buscas pelas canções do cantor de R&B nas plataformas de streaming. Mas as letras começaram a ser analisadas de outra forma — até as que ele escreveu para outras pessoas. “You Are Not Alone (Não Estás Sozinha)”, que foi escrita de propósito para Michael Jackson, terá sido inspirada numa relação com uma adolescente e no aborto espontâneo do filho de ambos. “Age Ain’t Nothing But a Number (A idade é apenas um número)”, o single de estreia de Aaliyah, sugere exatamente isso.