Quando era miúdo, chegava aos restaurantes, partia um prato e começava a correr nu pelo espaço fora. “Os meus pais dizem que eu era um terror”, conta à NiT João Cachola, um dos dez finalistas do New Talent, o concurso de jovens talentos promovido pela NiT, TVI e Santa Casa da Misericórdia que vai oferecer um prémio de 10 mil euros ao vencedor. Com o passar do tempo, o ator, de 24 anos, acabou por conseguir focar aquela energia que tanto irritava a família e direcioná-la para o mundo das artes.
João sempre quis ser ator e nem se lembra de ter vontade de fazer outra coisa. Já em criança, quando não estava ocupado a aterrorizar estabelecimentos de restauração, ia com o pai e um livro debaixo do braço para o parque, onde contava uma história completamente inventada a quem quer que o ouvisse. Eram verdadeiras peças de teatro que saíam da sua cabeça quando ainda nem sabia ler (o livro era apenas um adereço).
“Sempre tive muita urgência de falar, questionar e apresentar coisas”. Na sua família, ninguém estava ligado ao mundo artístico. O pai, um economista, e a mãe, com projetos ligados à moda, sempre respeitaram a sua vocação e acabaram mesmo por apoiar a saída do ensino regular aos 15 anos, para ir estudar Teatro na Escola Profissional de Teatro de Cascais. A seguir, veio a Escola Superior de Teatro e Cinema, na Amadora, e uma panóplia de projetos nas mais diferentes áreas, desde encenação, realização, produção, composição, fotografia — e até mesmo dobragens, que fez em filmes como “The Incredibles 2: Os Super Heróis” ou “Frozen 2: O Reino do Gelo“.
Depois de terminar os estudos, formou com Vicente Wallenstein As Crianças Loucas, um grupo de artistas que explora várias disciplinas das artes em espetáculos como o “E Todas as Crianças São Loucas”, o projeto de estreia cujo tema foi o fim da infância, a saída da casa dos pais e o ritual de passagem para a independência.
“Dizer que sou ator custa-me porque gosto de muitas coisas muito diferentes”, revela João. “Eu nasço de uma fusão da maluqueira, não sei fechar as portas à imaginação nem desistir das coisas”.
Se ganhasse os 10 mil euros no New Talent, aplicava-os na peça que está a desenvolver há dois anos com um grupo de 17 atores e seis músicos. Em “Lisboawood”, como lhe chamou, o ator é também autor, compositor musical, letrista e encenador. O trabalho fala sobre a capital portuguesa, a gentrificação e os seus jovens e conta também com Soraia Tavares, Vicente Wallenstein e Rodrigo Tomás no elenco, além da banda portuguesa Zarco.
A história desenrola-se numa geladaria no centro de Lisboa, a cidade onde cresceu, e onde todas as personagens se cruzam. O negócio “está a dar as últimas” até que aparece uma arquiteta que quer comprar o espaço para investir e transformá-lo no maior prédio de habitação do mundo — “no fundo, é o que se está a passar à porta das nossas casas”, diz à NiT.
As dificuldades de seguir para a frente com o projeto têm travado a equipa e o ator acredita que a idade possa ter alguma influência: “Há um certo receio de apoiar os jovens, ou que as coisas sejam pouco fundamentadas e amadoras”. Mas o problema é bem português e, segundo o jovem talento, está presente em todas as áreas das artes, seja teatro, cinema ou escultura. “É preciso abrir portas a isso, há cada vez mais pessoas mais formadas e mais jovens.”
Para lançar “Lisboawood” falta uma sala com espaço suficiente e dinheiro para que a produção seja feita em condições. Até porque estão quase 40 pessoas envolvidas. Por isso, os 10 mil euros “ajudavam mesmo muito.”
Ainda assim, João Cachola já retirou uma lição da experiência: “Quando for grande e aparecer um puto com uma ideia, vou tentar ouvi-lo.”