Após um ano de interregno por causa do escândalo de abuso sexual e crimes financeiros que abalou a Academia Sueca, foram anunciados os dois vencedores do Prémio Nobel da Literatura esta quinta-feira, 10 de outubro. A autora polaca e ativista Olga Tokarczuk, formada em Psicologia, venceu a edição de 2018. O Nobel deste ano foi para o escritor austríaco Peter Handke, que tem 76 anos.
Nascido em 1942, Handke cresceu no bairro de Pankow, em Berlim, na Alemanha, que fazia parte da zona ocupada pelos soviéticos.
Morava com a mãe, que pertencia à comunidade eslovena que vivia na Áustria — a sua mãe suicidou-se em 1971 e deu origem ao livro “A Sorrow Beyond Dreams”, que é, no fundo, uma reflexão sobre a sua vida. Handke passou também parte da infância na cidade de Griffen, na Áustria, onde nasceu.
Estudou num colégio católico e foi lá que publicou o seu primeiro texto, no jornal da escola. Em 1961, começou a estudar Direito na prestigiada Universidade de Graz. Foi nos anos de faculdade que desenvolveu o seu trabalho de escrita, começou a colaborar com outros jovens autores e acabou por conseguir publicar o primeiro livro, “The Hornets”, em 1966.
O resto, como se costuma dizer, é história. Foi conquistando o seu lugar no mundo da literatura ocidental, publicou mais livros, venceu alguns prémios, e viveu em várias cidades na Alemanha; na Áustria; em Paris, França; e até nos Estados Unidos.
Alguns dos seus trabalhos mais reconhecidos são “The Goalie’s Anxiety at the Penalty Kick” ou “Slow Homecoming”. O Prémio Nobel da Literatura foi-lhe atribuído “pelo trabalho influente que com uma ingenuidade linguística explorou a periferia e especificidade da experiência humana”.
Além dos livros, tem uma carreira como argumentista de cinema. Escreveu o argumento de filmes como “A Ausência”, “Das Mal des Todes” (duas produções que também realizou), ou os projetos de Wim Wenders “Movimento em Falso” e “As Asas do Desejo”, este último que dez anos depois foi adaptado para uma versão com Nicolas Cage e Meg Ryan.
Apesar de ser um autor conceituado, Peter Handke esteve envolvido em várias polémicas ao longo da sua carreira. Tem sido descrito como um apoiante do regime de extrema-direita da Sérvia que governava a Jugoslávia até à Guerra dos Balcãs.
Handke sempre criticou a posição dos países ocidentais e a respetiva comunicação social. Fez até um discurso oficial para 20 mil pessoas no funeral de Slobodan Milošević, o principal político sérvio durante os anos 90, que foi acusado de genocídio ao povo bósnio, entre outros crimes de guerra.
Milošević pediu a Peter Handke que fosse testemunha da defesa no julgamento dos crimes da antiga Jugoslávia, mas o escritor recusou — apesar de ter ido assistir às sessões, e mais tarde ter escrito sobre elas.
Em 1999, o prestigiado escritor Salman Rushdie escreveu que Handke “chocou até os seus mais fervorosos fãs pelas suas várias apologias do regime genocidal de Slobodan Milošević”. O autor disse ainda que Handke tinha negado várias vezes o genocídio e o austríaco recebeu uma condecoração do antigo presidente sérvio.
Graças às suas posições políticas, Peter Handke teve vários problemas com prémios que lhe foram atribuídos ao longo do seu percurso.
Em 2014, foi premiado com o International Ibsen Award. Quando ia receber o prémio, foi recebido por manifestantes em Oslo, na Noruega, que o acusaram de ser um fascista com ligações a criminosos de guerra. Um especialista em totalitarismo, Bernt Hagtvet, caracterizou a situação como “um escândalo sem precedentes” e disse que entregar este prémio a Handke era como atribuir o Immanuel Kant Prize a Joseph Goebbels.
Em 2006, a sua nomeação para o Heinrich Heine Prize provocou um mini escândalo na Alemanha e o prémio de 50 mil euros foi-lhe retirado por causa das suas posições políticas, após uma votação na autarquia de Düsseldorf.
De qualquer das formas, todas estas controvérsias não pareceram ter sido relevantes para a Academia Sueca, que lhe atribuiu o Prémio Nobel da Literatura. No Twitter, porém, já se começam a sentir algumas críticas.
The Nobel committee decides to dig itself out of scandal by awarding this year’s Nobel prize in literature to an Austrian defender of Milosevic who denies that the Srebrenica massacre happened.
Way to read the times, Nobel committee 🙄https://t.co/laYvRWUt0w
— Molly McKew (@MollyMcKew) October 10, 2019
Anyone covering Peter Handke’s Nobel Prize in Literature who doesn’t mention the fact that he went to the funeral of Slobodan Milosevic — after being asked to testify in his trial at the tribunal for the fmr Yugoslavia — is an offense to journalism. https://t.co/Ia0zaHIY7Q
— Una Hajdari (@UnaHajdari) October 10, 2019
The last big prize #PeterHandke won, the Heinrich Heine, he had to give back after a flap in which he was criticised for supporting Slobodan Milosevic and speaking at his funeral
— Matthew Anderson (@MattAndersonNYT) October 10, 2019