Quando saía de casa para brincar na rua, Viktoriya Kurmayeva sentia-se uma mini arqueóloga em Antratsit, a pequena cidade da Ucrânia conhecida pelas minas de carvão.
“Era um verdadeiro bicho do mato, não podia estar em casa. Gostava de explorar e tinha uma fixação pelos montes de desperdício de carvão que via ao longe. Achava que estavam perto e queria muito lá chegar, mas nunca aconteceu”, conta à NiT uma das dez finalistas do projeto New Talent — que resulta de uma parceria entre a NiT, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e a TVI e que pretende encontrar o maior jovem talento português.
Naquela altura, a jovem — que agora tem 24 anos — ocupava os seus dias a descobrir tudo o que havia perto de si. Quando estava em casa fazia os desenhos típicos de uma criança com cinco ou seis anos. Foi com essa idade que se mudou para Crimeia, no mesmo país, com os pais Larysa Kurmayeva e Nail Kurmnayev, ambos com 48 anos.
Na segunda classe, fez um desenho demasiado realista que chamou de imediato a atenção da professora. “Era uma rosa com sombras. Ela disse que não era muito vulgar. Pediu-me para ficar com o papel e eu ofereci-lhe”. Embora tivesse ficado contente com os elogios, Vicky (como é normalmente tratada) não desenhou muito nos anos seguintes. “Praticava mais desporto e o meu hobby era mais andar de skate”.
Aos 14 anos, e com os pais já a viverem em Lisboa há algum tempo, Viktoriya, que é filha única, mudou-se para Portugal. “Parece cliché, mas eles vieram à procura de uma vida melhor. Eu vivia com a minha avó e era feliz, mas percebi que lá não havia grandes hipóteses.”
Quando chegou ao nosso País, Viktoriya Kurmayeva foi estudar para a escola secundária da Damaia. “Escolhi o curso de Sócio-Económicas porque estava empenhada em estudar gestão. Curiosamente achava que podia ser gestora comercial ou fazer auditorias. Agora nem consigo compreender essas minhas escolhas. Só depois de terminar a escola é que percebi que ia ser miseravelmente infeliz. A minha vocação está virada para a criatividade”, conta.
Decidida a encontrar um rumo profissional onde se sentisse realizada, a jovem inscreveu-se em Design de Equipamento, na Faculdade de Belas-Artes de Lisboa. Não correu bem. “Descobri que me empenhava mais a desenhar do que a pensar nos objetos que ia produzir. Foi mais uma bomba lançada para cima do meus pais.”
Pais esses que acabaram por apoiá-la quando mais uma vez mudou a história da vida e quis tirar Desenho na mesma faculdade. Foi lá que conheceu Fábio Veras, 22 anos, que também é um dos finalistas do projeto New Talent, ao lado de Vicky.
Filho de Manuel e Ana Maria Veras, um motorista e uma empregada doméstica de 56 e 59 anos, o jovem de 22 anos é o primeiro membro da família a “fazer da arte vida”. Em miúdo, enquanto que os amigos queriam jogar futebol, ele interessava-se mais pelo desenho. “Chegava da escola e ligava a televisão para ver os meus desenhos animados favoritos, o ‘Dragon Ball’. Depois desenhava-me a mim mas em versão personagem daquela história”, conta à NiT.
Contudo, naquela altura, Fábio não gostava de guardar os seus trabalhos. “Era um bocadinho Miguel Ângelo. Queria atear fogo aos desenhos mas os meus pais não deixavam. Eles é que acabavam por guardar tudo numa mala.”
Foi no quinto ano que percebeu que o seu futuro iria estar, de alguma forma, ligado àquela arte. Apaixonou-se pelos Animes e até fez uma promessa: “Achava que no sétimo ano ia para o Japão e tornar-me-ia num Mangaká [cartoonista japonês]”.
O desejo acabou por não se realizar, mas o seu percurso profissional seguiu essa mesma linha. Fábio estudou Artes Visuais em Odivelas e em 2015 inscreveu-se no curso de Desenho na mesma faculdade de Vicky.
“Os meus pais estavam um pouco receosos porque a arte em Portugal é um pouco mal recebida e não tem muitos apoios. Ainda assim, e apesar de não terem ficado radiantes, nunca me arrancaram os lápis da mão”.
Os colegas de turma queriam profissões ligadas à moda, design de interiores ou arquitetura, mas Fábio tinha outro sonho: ser banda-desenhista. Aliás, depois de no primeiro ano de faculdade ter ocultado isso a toda a gente, lá acabou por assumir a sua verdadeira paixão.
Foi nessa altura que o seu percurso artístico se tornou mais sério. Fábio decidiu participar no concurso Amadora BD e ganhou o primeiro prémio. “O tema era a Ponte 25 de Abril, que fazia 50 anos. Tinha de fazer uma história de quatro páginas em uma semana. O prémio acabou por marcar a minha entrada no mercado português. Recebi mil euros”.
Depois desta distinção, o jovem participou na Mostra de Banda Desenhada de Odemira (que também venceu e Vicky ganhou uma menção honrosa), fez o primeiro álbum a título profissional, “O Jardim dos Espectros”, ambos em 2018; e fez a ilustração de “Filhos do Rato”, em 2019.
Pelo meio concorreu ao Prémio Paula Rego. “Não fui selecionado. Lembro-me que estava numa aula e de o meu professor de Infografia e concept Art, Henrique Costa, brincar comigo a dizer para não levar aquilo muito a sério. Entretanto, entrou uma rapariga e ele disse-me: ‘Vou apresentar-te a Viktoriya, que foi selecionada'”.
A partir daí, estes dois colegas de faculdade começaram a dar conselhos um ao outro e a partilhar referências de trabalho e autores. Agora, sonham criar o primeiro projeto em conjunto.
“Temos gostos muito parecidos e o tema do ambientalismo é algo que nos liga. Em Portugal, este é um tema pouco falado. Se ganharmos os 10 mil euros queremos fazer um itinerário de norte a sul, explorar terras e fazer um diário de bordo com a máxima informação. Queremos ter o máximo de material bruto e fazer um trabalho exaustivo que pode originar um livro de banda desenhada com tiragem maior ou uma exposição. Será a primeira obra em Portugal que realmente representa a condição natural de Portugal”, conclui Fábio à NiT.