O mundo está indeciso na palavra que melhor descreve Shia LaBeouf. Intenso? Génio? Louco? Enquanto a discussão não termina, o ator vai fazendo a sua parte e superando os seus próprios devaneios. A última façanha: uma enorme tatuagem que cobre todo o tronco e que serviu, sabe-se agora, para o ajudar a entrar na sua nova personagem.
LaBeouf é o protagonista de “The Tax Collector”, que estreia a 7 de agosto nos Estados Unidos. Creeper, nome que também ficou permanentemente marcado nos seus abdominais, é um branco que cresceu nos bairros latinos da costa oeste dos Estados Unidos, e que se tornou num implacável cobrador de dívidas para um mafioso.
“É um dos melhores atores com quem trabalhei, empenha-se de corpo e alma (…) Ele dá tudo, nunca conheci ninguém com este tipo de compromisso”, revelou o realizador David Ayer. As tatuagens não são propriamente uma novidade. Em 2016, para o papel em “American Honey”, Laboeuf fez pelo menos 12, mas nenhuma com a dimensão da última.
Apesar do empenho, a carreira do norte-americano está em fase de retoma, depois de vários anos na lista negra de Hollywood. A fama de desordeiro, o consumo de álcool e os escândalos públicos tornaram-se num obstáculo quase intransponível.
David Ayer assistiu de perto a outra obsessão de LaBeouf no set de “Fury”. Para entrar no papel de soldado na 2ª Guerra Mundial, decidiu não tomar banho durante as gravações. O cheiro tornou-se de tal forma nauseabundo que os colegas de elenco não conseguiram disfarçar a irritação. Até porque passaram dias a fio enfiados no interior de um tanque.
Shia terá mesmo sido avisado que o seu comportamento estava a deixar desagradada a equipa de filmagem. Perante a intransigência, foi transferido para um hotel diferente. Pelo caminho, fez dois golpes na cara para os transformar em cicatrizes — e pediu a um dentista que lhe arrancasse um dente perfeitamente saudável.
“É uma coisa pequena. Parece loucura porque é uma cicatriz, mas ganhamos muitas dessas a fazer estas coisas, mais até cicatrizes emocionais do que físicas. Esta é a parte mais fácil do trabalho. É só uma questão de vaidade”, explicou na antestreia.
Na sua vida não há limites ou linhas vermelhas. Talvez por isso tenha conseguido garantir um papel no filme do igualmente polémico Lars Von Trier. Antes da produção lhe pedir para enviar imagens do seu pénis — “Ninfomaníaca” continha cenas de sexo real, embora com a ajuda de duplos —, LaBeouf revelou que enviou ao realizador um vídeo seu a fazer sexo com a namorada. “Foi assim que garanti o trabalho”, afirmou em 2012.
A série “Ninfomaníaca”, lançada em dois volumes, serviu de pano de fundo à espiral descendente de LaBeouf. O ator parecia estar perdido num cocktail explosivo de álcool, soberba e desequilíbrio mental.
De roupas largas e encardidas, pouco ajustadas à pompa do Festival de Cinema de Berlim, foi até à conferência de imprensa de apresentação do filme para recriar a célebre frase de Eric Cantona, após ter sido condenado por pontapear um adepto da própria equipa.
Numa imitação quase perfeita — recriou as pausas, o trago de água, a fuga — , pronunciou-se antes de abandonar a sala: “Quando as gaivotas perseguem a traineira, é porque acreditam que as sardinhas vão ser lançadas ao mar”. A analogia da perseguição pela imprensa a Cantona adequava-se a LaBeouf, cujas peripécias deliciavam os tablóides.
Fast forward para a estreia do filme em Cannes, no mesmo ano, o ator surgiu de smoking e de saco de papel na cabeça. Na frente, lia-se “Já não sou famoso”.
LaBoeuf parecia não ter tréguas e a verdade é que parecia ser sempre ele a dar munições aos críticos. A estreia como realizador e argumentista aconteceu no final de 2013, quando lançou “HowardCantour.com”, uma curta metragem que foi bastante bem recebida. Pouco tempo depois, descobriu-se que copiava ao pormenor a obra de banda desenhada de Daniel Clowes — cujo nome nunca foi mencionado nos créditos.
Este foi o início de uma avalanche obsessiva de desculpas. Chegou a mandar uma mensagem de avião a Clowes. Pior: as dezenas de declarações, nas redes sociais e na imprensa, foram também elas copiadas. Quando não roubava descaradamente frases a Charles Bukowski, tirava-as do Yahoo Answers.
Os incidentes viraram a imprensa contra si. Acusaram-no de querer ser o centro das atenções. O que se seguiu foi uma de duas coisas: uma tentativa de se reconciliar com críticos e fãs; ou a prova de que LaBeouf precisava mesmo que os holofotes se mantivessem virados para si.
Poucas semanas depois, Los Angeles passa a ser a casa do projeto #IAMSORRY, uma instalação numa galeria de arte, onde qualquer pessoa poderia sentar-se frente a frente com o ator. Em cima da mesa, vários acessórios que podiam ser usados. Entre eles, o saco de papel usado em Cannes e uma garrafa de Jack Daniels.
Durante cinco dias, transformou-se de corpo e mente numa instalação artística. Sempre silencioso e sem se mover, deixou que centenas de curiosos fizessem o que bem entendessem. Um deles foi longe demais.
“Uma mulher chicoteou as minhas pernas durante 10 minutos, antes de me tirar as roupas e violar-me”, confessou. O incidente só terminou quando os dois colaboradores de LaBeouf repararam e os separaram. Ninguém apresentou queixa.
Por esta altura, o mundo interrogava-se quão fundo seria o poço em que LaBeouf mergulhava. A resposta chegou em 2014 em plena Broadway. Em cena estava “Cabaret”, o galardoado musical.
LaBeouf sentou-se na plateia do célebre Studio 54 e puxou de um cigarro enquanto gritava aos atores em palco. Chegou mesmo a apalpar o rabo de alguns, entre eles Alan Cumming, que mais tarde confirmou o incidente de forma bem-humorada. A noite seria longa.
LaBeouf aproveitou a interatividade do musical para dar chapadas nas costas e nucas de outros espectadores. Antes do espetáculo, várias testemunhas revelaram ter visto o ator aos trambolhões pelo bar, enquanto importunava uma mulher, a quem deu morangos à boca. Quem via, dado o historial bizarro do ator, não era capaz de dizer se tudo não passava de uma encenação ou de um desvario real.
O incidente foi o culminar de um dia complicado. Testemunhas recordaram ver LaBeouf a perseguir um sem-abrigo nas ruas de Nova Iorque antes do espetáculo.
Por sorte, o próprio tratou de relatar todos os pormenores de uma das noites mais loucas da sua vida no sofá de Jimmy Kimmel. Da perseguição em Times Square às doses industriais de álcool, até à sua inevitável detenção.
Estava encontrado o fundo do poço. Daí, LaBeouf inscreveu-se voluntariamente numa clínica de reabilitação para controlar o consumo de álcool. Seguiram-se meses de acalmia e de mais umas quantas performances artísticas estranhas.
Em #ALLMYMOVIES, Shia sentou-se num cinema durante 72 horas a ver os seus próprios filmes. Qualquer um poderia sentar-se ao seu lado e fazer-lhe companhia. Ainda em 2015, viajou até Liverpool para criar o seu call center, onde atendia chamadas de fãs para que pudessem “tocar-lhe a alma”.
Aparentemente recuperado, tentou retomar a carreira com “American Honey”. “Pessoas que eu respeitava, tipos com quem eu queria trabalhar, olharam-me nos olhos e disseram-me: ‘A vida é demasiado curta para esta merda'”, recordava em 2016 sobre os anos de descontrolo. “Estou a tentar conquistar novamente o meu espaço”, afirmou.
A verdade é que os encontros menos simpáticos com a polícia pareciam estar sempre a um copo de distância. Acabou novamente detido em 2017, depois de agredir um homem na instalação pública que criou para criticar Trump. Nesse mesmo ano, voltou à esquadra depois de provocar uma confusão no hotel onde estava alojado em Savannah.
De lá para cá, não se pode dizer que Hollywood tenha recuperado totalmente a confiança na sanidade do ator de 34 anos, que recentemente confessou a amargura de uma infância e adolescência problemática.
Estrela de cinema desde pequeno, usou a sua própria experiência para assinar o argumento de “Honey Boy”, lançado em 2019. O filme revela as sequelas mentais de um ator que se tornou estrela ainda criança — e da difícil reconciliação com o pai. Tudo temas retirados diretamente da sua história pessoal.
O ponto de viragem foi, diz o próprio, o diagnóstico de stress pós-traumático após a detenção em Savannah. “Foi a primeira vez que me disseram que sofria de SPT. Pensei que era apenas um alcoólico, um verdadeiro bebedolas, e que era com isso que tinha que lidar. Sabia que era um problema mas não tinha noção de que se tratava de todo um extra que estava a debilitar a minha capacidade de ter paz na minha vida e de lidar com as pessoas”, revelou no final de 2019. As sessões de terapia foram úteis para a escrita do argumento.
À media que as sessões foram mais fundo, mais motivos para o desequilíbrio foram sendo encontrados: da obrigação de ter que suportar financeiramente o pai, ao facto de ter assistido à sua mãe a ser abusada sexualmente.
Dessa última detenção, parece ter retirado finalmente uma conclusão útil, como confessou à “Esquire”: “Sou um parvalhão. As minhas explosões públicas de raiva são falhanços. Não são estratégicas. São símbolo de um cabrão desesperado a mostrar o rabo ao mundo”.