Cinema
“Glass”, o filme que pode salvar a carreira de M. Night Shyamalan
É o terceiro filme da trilogia “Eastrail 177”, que começou com “O Protegido” e continuou com “Fragmentado”.
"Glass" estreia a 17 de janeiro em Portugal.
Mesmo antes de o milénio terminar, em 1999, M. Night Shyamalan explodiu com “O Sexto Sentido”, um filme que se tornaria um clássico e que foi nomeado para seis Óscares. No ano seguinte, o realizador indiano naturalizado americano lançava “O Protegido”.
Não teve maus resultados, mas ficou longe das receitas de bilheteira do anterior. Pouco tempo depois, o promissor realizador era descrito pela prestigiada “Newsweek” como “o novo Spielberg”.
O percurso de M. Night Shyamalan não foi assim tão brilhante. Acabou por fazer filmes que foram autênticos flops, tanto junto da crítica como do público. “O Último Airbender” e “Depois da Terra” talvez sejam os melhores exemplos. Correu tão mal que os últimos filmes de Shyamalan foram financiados com o seu próprio dinheiro, sem o apoio dos grandes estúdios.
O seu novo filme é “Glass”. Estreia esta quinta-feira, 17 de janeiro, e é o terceiro capítulo da trilogia “Eastrail 177”, que começou com “O Protegido” e continuou com “Fragmentado”, de 2017. Foi no final da história deste último que o público ficou a perceber que se tratava de uma trilogia.
Segundo a “Forbes”, o realizador de 48 anos teve de usar a sua fortuna — além de ter dado a sua casa como garantia — para conseguir os 17,5 milhões de euros que eram necessários para produzir o filme.
Nos últimos tempos falou-se de um certo renascimento para M. Night Shyamalan, por causa do sucesso da história de terror de “A Visita” e do thriller “Fragmentado”, que foram bastante bem recebidos.
Só que estes ainda foram bem mais complicados de concretizar. A “Forbes” diz que para fazer “A Visita”, Shyamalan teve de pedir um empréstimo de 4,3 milhões de euros dando como garantia a sua propriedade de 50 hectares no estado da Pensilvânia, nos EUA. Para que “Fragmentado” chegasse aos cinemas, teve de pedir outro empréstimo de 7,8 milhões de euros. Shyamalan queria mesmo que estes filmes chegassem ao público.
Em “Glass”, Elijah “Mr. Glass” Price (Samuel L. Jackson), David Dunn (Bruce Willis) e Kevin Wendell Crumb, também conhecido como The Beast (James McAvoy), vivem juntos no mesmo asilo psiquiátrico. É um espaço de reabilitação para pessoas perigosas que pensam que têm super poderes.
O realizador no cenário de “Glass”.
Todos os filmes desta trilogia têm tons diferentes. À “USA Today”, o realizador descreveu “O Protegido” como “sombrio, meditativo e silencioso”, tal como o super-herói de Bruce Willis; referiu-se a “Fragmentado” como sendo “violento, estranho e inapropriado”, até para representar as múltiplas personalidades de Crumb; e disse que “Glass” se trata de um “jogo de xadrez bastante filosófico, que representa Mr. Glass”.
Quando “O Protegido” estreou, há 19 anos, os super-heróis da banda desenhada não eram populares nos estúdios de Hollywood. O que soa a bizarro tendo em conta o cenário atual: com os inúmeros blockbusters da Marvel e DC Comics que foram (e estão a ser) feitos.
“Eu estava numa chamada com o estúdio e eles disseram que não podíamos mencionar as palavras ‘livros de comics’ ou ‘super-heróis’. Não queriam atrair ‘aquelas pessoas que vão àquelas convenções’ — foi mesmo isso que eles disseram”, contou o realizador na Comic-Con em 2018.
Foi, por acaso, numa festa da Comic-Con alguns anos antes que Shyamalan conheceu James McAvoy.
“Estava aqui a promover ‘A Visita’ e fui a uma daquelas festas daqui. Tinha escrito o guião do ‘Fragmentado’ e não fazia a mínima ideia de quem é que poderia interpretar este papel. O James McAvoy passou por mim e agarrei-o. ‘Olá, adoro o teu trabalho’, disse-lhe. E ele respondeu: ‘E eu adoro o teu’. Ele tinha acabado de gravar ‘X-Men’, tinha o cabelo super curto e pensei: ‘É este o tipo’.”
Para este filme, Shyamalan quis uma abordagem “inovadora” a este universo dos super-heróis. “Consegui estabelecer um diálogo meta, a cultura dos comics e o porquê de ser uma obsessão, e isso deu validade à premissa base do filme”, comentou com a “USA Today”. “Há uma ala num hospital que trata as pessoas com estes distúrbios, porque elas pensam que são personagens de banda desenhada. Parece que, por esta altura, isto faria sentido.”
Em “Fragmentado”, vimos o protagonista de McAvoy a interpretar nove das suas 23 personalidades. Em “Glass”, vamos ver 20 delas — desde Patricia a The Beast. “Tive mesmo de puxar pelas minhas habilidades de observar pessoas, desde as pessoas interessantes que conheci na minha vida, aos estúpidos, às pessoas fixes, às que deixaram uma marca, e usá-las um bocadinho aqui, um bocadinho ali”, disse o ator à “USA Today”.
Uma das novas identidades de Crumb foi baseada na Saoirse Ronan de 12 anos que McAvoy conheceu quando eles contracenaram no filme de guerra “Expiação”, em 2007. Outra foi inspirada no narrador de audiolivros Scott Brick. Só fala na terceira pessoa e acabou por ser a favorita do ator.
Uma das personagens — e não personalidades — novas é a Dr. Ellie Staple (Sarah Paulson), uma psiquiatra que tenta convencer os três protagonistas de que eles não têm super poderes. “Sermos convencidos de que as pessoas não têm os seus dons é um conceito poderoso”, comentou o realizador. “Ela fez um grande trabalho em enquadrar isso na realidade e a tentar encontrar formas de eles entenderem a sua ilusão.”
M. Night Shyamalan diz que, no fundo, esta trilogia é sobre se existirão elementos extraordinários no interior dos humanos. “Estamos a lançar para o ar a questão: poderão os livros de comics ser baseados na realidade?” “Glass” tem uma cena em que se fala sobre o porquê de os super-heróis usarem botas e a roupa interior por cima das calças.
“Isso vem dos circuitos em que os homens fortes vestiam aquelas roupas para que se notasse a sua definição nas pernas e se vissem os seus músculos grandes quando eles levantavam pesos. E as pessoas ficam espantadas com a força deles. Eram indivíduos a fazer coisas que não eram possíveis. E se essas pessoas forem a base para as histórias dos comics?”
Numa era com tantos filmes de super-heróis, a história anti-herói — mais ainda do que “Deadpool” — pode ser exatamente aquilo que se pede. Contudo, “Glass” não tem tido bons resultados junto da crítica. No site Rotten Tomatoes, que aglomera as classificações das principais publicações, o filme tem apenas 34% de críticas positivas, com uma média de 5,1 numa escala de zero a dez. Ainda pode não ser “Glass” que vá salvar (ou confirmar) a consistência de M. Night Shyamalan.