Como mãe de uma menina pequena, este é um daqueles momentos que já me causa tremores, mesmo a dez anos de distância — e que até na televisão me custa assistir. Aquele dia em que, cheia de energia e de espírito positivo, me preparo para conhecer melhor o primeiro namorado da minha filha adolescente. Já os ouvi discutir ao telefone, já a vi ficar triste e ansiosa, o meu coração já pressentiu que não era uma relação ideal mas tentei culpar os receios a exageros de mãe, a ser tudo da minha cabeça. Até que ele entra e é… bom como dizê-lo: um perfeito parvo e pior, a roçar o abusivo.
“This is Us” trouxe-nos, nas últimas semanas, três episódios que surgiram em forma de trilogia — uma ideia genial que prendeu milhões de fãs aos ecrãs em todo o mundo. Durante um mês (três longas semanas, mais uma paragem pelo meio) acompanhámos “A Hell of a Week: Parte 1, 2 e 3“, ou a mesma semana infernal vivida por cada um dos irmãos Pearson.
Primeiro foi Randall, a sobreviver a uma crise de nervos após um assalto interrompido e à beira do esgotamento ao tentar lidar com aparente demência da mãe. Depois disso, Kevin, numa missão para encontrar o amor e constituir família, a ir de impulso ao funeral da ex-mulher Sophie e a viver uma viagem ao passado que termina mal: com ele novamente sozinho ou melhor, envolvido não com quem propriamente idealizava.
Seguimos cada episódio com afinco e já lhe contámos tudo sobre os anteriores: até que esta quinta-feira, 13 de fevereiro, chegou a vez da semana infernal de Kate. A história começa como as dos irmãos: numa noite no passado, a da cama dos crescidos, em que os três pequenos Pearson são deitados pelo pai super-herói Jack e este se prepara para o que assume ser um longo serão.
A vida dá-lhe razão e, um a um, os filhos entram na sala sem conseguir dormir na sua nova cama, fazendo perfeitamente a ligação — como a série tão bem faz —, entre os seus medos de infância e o que viveram em pequenos; e a sua realidade aos 39 anos, na vida adulta e presente.
A Kate criança precisa de uma história para dormir e o pai Jack diz-lhe, já junto dela na cama, que seja original: que feche os olhos e a invente. Ao longo do episódio, a história da cada vez mais sonolenta menina vai sendo intercalada em imagens com uma fase crucial da sua adolescência — a tal do namorado abusivo — e o momento presente, em que também para Kate aquela semana está, claro, a ser infernal (mas já lá vamos).
O engraçado é que na sua história inventada, a criança Kate começa por imaginar o pai como herói, mas este vai sendo substituído pela mãe: um pouco como a vida levaria a que acontecesse mesmo. Porque o que percebemos nesta parte da trilogia é que, depois da morte de Jack, Rebecca foi pai e mãe — não só daquela maneira óbvia de fazer tudo, mas também de ser o herói que resolve e está lá para tudo.
Tal como acontece na referida crise vivida na adolescência: neste flashback Rebecca faz anos, pede para conhecer Marc, o primeiro amor da filha, e o encontro é terrível. Já tínhamos percebido, noutros episódios e no início deste, que o rapaz não tratava bem Kate, mas é que nem com a sua mãe à frente consegue disfarçar o seu egoísmo e agressividade latente. Claro que, num clássico desafio de filha adolescente, Kate decide faltar aos anos da mãe e ir para a cabana de campo com o namorado, o que acaba mal (nem chegamos a ver neste episódio quão mal).
O que vemos é que a sua mãe esteve lá, foi à procura dela. E também está lá para a Kate de 39 anos. No tempo presente, o casamento da cantora com Toby está por um fio, depois deste ter dito que não conseguia ultrapassar o facto de o filho ser cego: ainda não estava pronto para se adaptar, ainda só estava triste.
Kate desafia o marido a irem para um retiro de pais e crianças cegas mas perante a sua reticência percebe que é má ideia — e eis que entra a mãe, claro, pronta para ir com ela. No retiro, mãe e filha vivem momentos incríveis: desabafam, tiram “pesos das costas” como refere Rebecca e num culminar que está a ser elogiado em todo o mundo pela sua mensagem, a mãe diz à filha à beira de um meltdown: “põe o fato de banho e vamos nadar. Tu és gorda, eu sou anciã, nós somos maravilhosas”.
Mais tarde, a filha conta à mãe do seu casamento em crise e recebe um importante conselho: se Toby não conseguir cumprir, ela consegue, porque ela é forte. Já a mãe revela à filha que tem problemas de perda de memória mas diz que teve uma reação positiva ao diagnóstico. Sente-se poderosa de não poder fazer nada ou de não ter de se preocupar com as pequenas coisas.
Todo o episódio é uma ode às mulheres, mães e filhas — numa altura, Kate diz “não acredito que me tornei numa daquelas pessoas cuja mãe é a melhor amiga”, e nós dizemos: há lá melhor do que isso?
E o mais maravilhoso é que esta parte da trilogia foi realizada por um homem, e não um homem qualquer: Justin Hartley, o ator que faz de Kevin Pearson. Na sua segunda experiência de realização, e a primeira em “This is Us”, Hartley conseguiu contar a história com uma delicadeza que já foi elogiada pelo mundo e pelos colegas — até por Mandy Moore que na série é, ironicamente, a sua mãe.
I had the honor of directing tonight’s episode. This crew is truly incredible. Can’t wait for you to see. #ThisIsUs pic.twitter.com/4VQmHuvIV4
— Justin Hartley (@justinhartley) February 11, 2020