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“The Voice”: Quem é Frederico Madeira, o polícia cantor?
Faz investigação criminal na Brigada de Crimes contra Pessoas da PSP mas também é ator e encenador de teatro, além de ter três bandas. O seu sonho era ser professor de Filosofia.
Frederico Madeira canta em três bandas.
Depois de um programa sem grandes estrelas — onde se destacou a voz familiar de Diana Lucas — o terceiro episódio das provas cegas de “The Voice Portugal” arrancou logo com um concorrente forte. Careca e de barba, Frederico Madeira apresentou-se bem disposto e vestido de forma descontraída com um enfeite de fitas vermelhas ao ombro. Ninguém diria que é conhecido como agente Madeira no emprego — a Polícia de Segurança Pública (PSP), onde faz investigação criminal na Brigada de Crimes contra Pessoas.
“Parece o [António] Variações. Ouve lá”, disse Marisa Liz à colega de júri Aurea no programa transmitido na RTP1 este domingo, 24 de setembro. Frederico Madeira, com 38 anos, foi interpretar o fado “Rua do Capelão” à sua maneira e conseguiu encantar o júri. A pouco e pouco, todos acabaram por carregar no botão. A primeira foi mesmo Marisa Liz, que foi chamada pelo concorrente ao palco e segurada pela mão enquanto ele cantava (e, depois, e ao mesmo tempo, se ajoelhava).
“Já tinha a ideia de lhe dar um beijo e um abraço que lhe apertasse os ossos todos [risos]. [Chamá-la] foi uma espécie de pedido de ajuda, um quebrar de vez, e que acabou por resultar. O meu coração estava aos pulos. Só fiquei descontraído no fim.” Frederico Madeira confessa que já tinha o desejo de ficar na sua equipa, mas tinha outra opção, de outra cantora que acompanha há muito tempo. “Eu tinha ali dois amores: a Marisa e a Aurea.”
Em relação à comparação com António Variações, confirma que não é de hoje mas que seria uma injustiça para com o músico português. “Será pelas vibrações da minha voz, que vêm um pouco do fado. Fico todo babado [risos], mas acho que é injusto para o Variações. E coloca-me um peso terrível sobre os ombros. Sempre achei que ele era um génio.”
“Nem me considero cantor. Quando criei a minha página de Facebook pus ‘Artista’, era a única coisa que se enquadrava e mesmo assim alguns artistas podem sentir-se ofendidos [risos]. Isto foi um acidente. Continuo a achar que não sei cantar, especialmente agora que estou no programa com aqueles vozeirões todos.”
Frederico Madeira acompanhou algumas edições passadas do “The Voice” e há dois anos “que tinha o bichinho” para participar. “Gostei do formato, ali não há exploração gratuita nem humilhação dos concorrentes.”
“Estava muito nervoso. Aquele palco, ao contrário de todos os outros, não tem costas e é preciso seduzir alguém pela voz. É muito difícil. Hoje já nem existem aquelas hotlines [risos]. Foi um dia longo e complicado emocionalmente.”
O agente Madeira é da brigada de Marisa.
Além de cantar, Frederico Madeira é ator, encenador e escreve os textos das peças do grupo de teatro amador Alpendre, em Angra do Heroísmo, na ilha Terceira, nos Açores — para onde o concorrente do “The Voice” natural da aldeia Alverca da Beira se mudou em 2004.
Apesar de adorar música, Frederico Madeira tem outro interesse ainda maior. “Filosofia é a minha paixão. Nunca cheguei a acabar o curso porque faltavam duas cadeiras. Tinha ido de Erasmus para Paris [em França] e quando regressei as circunstâncias fizeram com que não acabasse. Já não havia tanto dinheiro para os meus pais, a minha irmã também tinha entrado na faculdade, etc.”
Só com quase 30 anos é que começou a juntar-se com outros músicos. “Durante muito tempo achei que não tinha categoria nem pinta, que era areia a mais para o meu camião. E quando somos jovens somos estúpidos, acho que faz parte da natureza humana. E por acaso foi aqui [na Terceira] que tive as melhores oportunidades e conheci as melhores pessoas.” Apesar disso, ainda não tem família. “Não tenho jeito nem tempo para uma vida familiar [risos]. Mas já estou na idade, vou tratar disso.”
Começou a ouvir música muito cedo, com os pais em casa. “Eu era aquela criança irritante das festas da escola, que queria estar sempre à frente.” Aprendeu a tocar guitarra sozinho, “apesar de tocar muito mal”, e estava integrado num movimento cristão onde cantava. Mais tarde, juntou-se a uma associação cultural de jovens onde também fazia teatro.
“Não tenho qualquer formação, não sei ler uma pauta, sou um ignorante [risos]. Já apanhei este comboio em andamento.” Hoje em dia três bandas diferentes na ilha Terceira — ou “projetos musicais”, como lhes prefere chamar. Os Pó de Palco — que as pessoas costumam “confundir com Pó de talco” — são um grupo de covers de pop rock. Já os Cella Vie são um projeto acústico, apenas com a voz de Frederico Madeira e a guitarra de um amigo, Dário Ferreira; e os Fado Preto, Fado Branco são um projeto de versões fado de temas de músicos como os Xutos & Pontapés ou Pedro Abrunhosa. Foi no grupo Fado Madrinho que Madeira começou, que misturava fado com instrumentos regionais, e foi lá que foi buscar o tema que cantou no “The Voice”. “Decidi repescá-lo também em homenagem.”
Depois de abandonar a faculdade, juntou-se ao exército durante cerca de dois meses, mas diz que não se sentiu “enquadrado”. “Ao mesmo tempo fez-me perceber que a minha vocação também podia ser nas forças de segurança. Fiz a escola e terminei em 2004. A primeira missão foi logo no Euro 2004. Íamos a estádios, jogos e para as ruas de Coimbra e Lisboa.”
No mesmo ano mudou-se para Angra do Heroísmo com vários colegas de curso. A ideia é depois irem para a Madeira e o Porto, até chegarem a Lisboa. “Ainda tinha uns 24 ou 25 anos e pensei que tinha uns anos para aproveitar.” Acabou por ficar pela ilha Terceira desde então, onde, “apesar de muita gente pensar que não se passa nada, também tem a sua criminalidade, como em todos os lugares onde há humanos”.
“O nível de criminalidade será como o das zonas mais calmas de Lisboa. Há algum crime organizado, especialmente de tráfico de estupefacientes: tanto de consumo local como a um nível internacional. Já apanhei alguns sustos. Uma vez piquei-me em agulhas e tive mesmo medo. É complicado. E há outros casos que me tiram o sono, especialmente aqueles que envolvem crianças. Existe alguma pobreza, o que faz com que haja mais criminalidade.”
Nunca foi mal visto na polícia por se dedicar às artes, diz Frederico Madeira. “Se calhar há 20 anos não era assim, mas a sociedade civil devia perceber que as instituições evoluem e que hoje, por causa da crise, existem várias pessoas com formação académica na PSP. Lá encontrei outros artistas, como pintores, músicos ou fotógrafos. São pessoas fantásticas, inteligentes, com vida pessoal recheada de cultura.” Frederico Madeira fez o pedido à Direção Nacional da PSP e diz que “foi aceite de quase imediato”.
Hoje, e por causa da música, Frederico Madeira está mesmo a ponderar deixar a polícia. “Não sei o que fazer da minha vida. Vou fazer um dia de cada vez e olhar em frente para não perder nada. Mas estou a ponderar, depende das circunstâncias. Tenho recebido muitas mensagens e estou a tentar retribuir o carinho, nem que seja com um coração no Facebook. Já mal podia quando ninguém sabia [risos], então agora quero ver quando chegarem as batalhas.”