Há um pequeno fenómeno que distingue O Lavinas da maioria dos participantes no “Pesadelo na Cozinha”: clientes não faltam, pelo menos aos almoços semanais. Foi num desses dias que passámos pelo restaurante de Vila Real, estrela do derradeiro programa da temporada, transmitido pela TVI no domingo, 26 de janeiro. Chegamos cedo, a meia hora da uma, e as muitas mesas da ampla sala estavam bem compostas.
O cenário é suis generis, especialmente para quem visita o Lavinas pela primeira vez. Instalado no rés-do-chão de uma moradia na zona residencial de Vila Real, reparamos que a divisória de palha vista no programa já não existe. Cá fora, nem sinal de uma esplanada no pátio espaçoso — um desejo pouco secreto de Elói que mais tarde nos confessou que esperava ter sido acrescentada pela produção —, uma carrinha com o escudo da Federação Portuguesa de Futebol anunciava nas janelas um combinado de refeições económicas, frango no churrasco, francesinhas e petiscos. A realidade não era exatamente essa.
Entre as mesas, ziguezagueavam Elói e Ranicleia, que iam despachando todos os pedidos confecionados por Mónica, que ia fazendo raras aparições na zona do balcão. Nesse dia, nem sinal de Hélder, o amigo que costumava dar uma mão, ou de Sónia, que soubemos mais tarde que se havia despedido pouco tempo depois das gravações. Com um staff ainda mais reduzido, seria de esperar que o serviço, já lento, fosse inevitavelmente afetado.
Foi preciso esperar uma meia dúzia de minutos até que alguém desse por nós. A partir desse momento, tudo correu de forma mais suave. Ranicleia trouxe apressadamente um cesto de pão, que cumpriu condignamente o propósito de acompanhar as azeitonas, sem temperos adicionais mas salgadas quanto baste.
Para primeira impressão, nem tudo mal, nem tudo bem. Era a decoração que dava as primeiras pistas de que o novo Lavinas parecia exatamente o velho Lavinas, apenas com um retoque de maquilhagem.
Uma casa avessa à mudança
Sem problemas de limpeza e higiene, Stanisic focou-se numa revolução na cozinha, na confeção e na organização. Se o serviço pareceu mais eficaz mesmo com menos funcionários, não se pode dizer o mesmo e outras dicas deixadas pelo chef, a começar pelo horário de funcionamento.
Chegados à conclusão de que seria mais lucrativo voltar a abrir ao domingo, ao fim de vários meses da passagem de Stanisic pelo espaço, O Lavinas continua a estar fechado ao fim de semana. “Nós queremos passar a abrir ao domingo, mas entretanto ainda não tivemos oportunidade”, confessa Mónica à NiT.
A falta de ajuda na cozinha continua a ser um problema, agora que Sónia também já não está presente. Elói continua a queixar-se de que não encontra pessoas dispostas a trabalhar. “Eu queria mesmo era contratar uma cozinheira e eu ficar como auxiliar, para que também me possa ausentar, para poder sair e cuidar dos meninos”.
E pratos? Bem, esses também são uma história complicada. Voltemos ao almoço da NiT. Sem carta na mesa ou nas mãos de Ranicleia, foi a empregada de mesa que ditou os pratos do dia: salada de feijão frade com bolinhos de bacalhau; frango no espeto; e a já famosa perna de peru assada no forno com batatas, a nossa escolha por sugestão da funcionária.
Em dez minutos, a comida estava na mesa, claramente empratada com maior cuidado, em louça moderna, quantidades bem doseadas e até uma pequena salada numa taça devidamente apresentável. Do sabor, nem uma reclamação. Pele estaladiça, arroz solto e no ponto, nota menos positiva para as batatas, que podiam estar mais saborosas.
Uma dúvida permanecia: o que é que aconteceu à carta do chef? Foi Ranicleia que nos conduziu até ela. Já que não é usada, foi guardada num móvel moderno trazido pela produção e que destoa do resto da decoração. E lá estavam as diárias do chef, o arroz de fumeiro, as bochechas de vitela ou a massada de peixe.
Mónica e Elói ficaram entusiasmados com as receitas do chef, mas continuam a acreditar que isso só trará problemas ao público que por ali passa à semana para almoços simples e baratos. O objetivo, dizem, é servir esses pratos ao fim de semana, assim que conseguirem abrir o restaurante nesses dias.
“No início comecei a cortar na batata e a trocar por arroz, a juntar uma saladas diferentes, só que os clientes no primeiro dia ainda vieram, no segundo dia nem dez almoços fizemos. Eu queria fazer como o chef ensinou, mas acho que vou ter que o fazer à noite ou só ao fim de semana”, conta. Mónica tem uma ideia do porquê do falhanço — e aponta para os clientes: “Acho que são pratos muito bonitos, decorados, e os clientes diários torcem o nariz.”
“Acho que os pratos dele são onde podemos ir buscar algum dinheiro. O arroz de fumeiro, por causa dos enchidos, é um prato mais caro. Fazem sentido ao jantar ou ao fim de semana, nem tanto aos almoços de semana. Acho que as pessoas nesses dias querem é comer rápido e barato, não olham muito para a qualidade”, justifica Mónica, embora note que mesmo que quisesse, não poderia fazer o arroz de fumeiro. “Não vi como é que eles o cozinharam e não fiquei com a receita.”
As toalhas que não saem do armário
A certa altura do programa, um curioso e estupefacto Ljubomir passa a mão pelas toalhas de mesa, enquanto olha de soslaio para elas. A verdade é que elas continuam nas mesas d’O Lavinas. No dia da visita da NiT, as toalhas laranja do programa tinham dado lugar a umas em tons azuis, mas exatamente iguais.
Colocamos a questão óbvia a Mónica: onde estão as toalhas novas? “Só as uso em épocas especiais, talvez se abrirmos à noite ou ao domingo. Já as experimentei, mas não tenho sobresselentes e elas sujam-se muito. Cai sempre vinho, temos que trocar e o senhor da lavandaria não consegue vir buscá-las depois de almoço e ter tudo pronto para o dia seguinte.
Ranicleia, mais habituada ao serviço de sala, intervém: “É complicado. Por vezes o salão lota e não é fácil estar a levantar toda a mesa, mudar todas as toalhas, para voltar a sentar clientes. Temos que ser mais práticos e a toalha de papel é.”
O lifting feito pela produção ajudou a suavizar o look de café corriqueiro: os tons de azul tornam o espaço mais acolhedor, embora não menos frio. Embora esperassem mais mudanças — Elói voltou a sublinhar que tinha a esperança de receber uma esplanada —, admitem que “o chef não é o Pai Natal”. “Gostei de tudo, está bonito, mas sou sincero, não estava à espera destas mudanças aqui dentro. Antes queria uma mudança lá fora”, nota o proprietário.
Mónica, a mais reservada no momento do desvendar do novo look d’O Lavinas, explica o motivo de ter ficado tão apática. “Fiquei sem palavras. As minhas empregadas choravam e eu só pensava que me tinham partido os azulejos todos, porque isto tem azulejos por baixo da pintura. E os meus senhorios…os azulejos para eles são tudo. Fiquei aflita, nem reagi. Mas adorei. Está lindo”, confessa à NiT.
Ainda assim, a produção deixou desde já um trabalho e uma despesa a cargo de Elói e Mónica. É que os senhorios não gostaram nada da nova decoração: “Não gostou da cor. Disse-me que tinha um trabalho para fazer quando saísse: por tudo como estava.”
Um final pouco doce
Até ao final da refeição, foi possível observar alguns velhos hábitos. Elói não se socorreu do Favaios, mas continua a não abdicar adas suas pausas para fumar. Ranicleia, ainda na sala, aproximou-se para enunciar a lista final: a das sobremesas.
Sem surpresas: as mousses de Oreo, de bolacha e de chocolate; e o pudim de Mónica. Escolhemos as primeiras duas — e foram uma desilusão. Se a de Oreo era aquilo que anunciava, sem mais nem menos, já a de bolacha revelou um problema grave: uma camada de natas já enrijecida no topo, com uma textura borrachuda, pouco apetitosa e que indiciava que aquele doce já estaria no frigorífico há demasiado tempo.
Um final triste numa refeição que até aí estava a cumprir — principalmente se atendermos ao facto de que toda a refeição, do couvert, à bebida, prato, sopa e café, custa apenas 6,5€.
Meses após o final das gravações, ainda há muito por fazer n’O Lavinas de Mónica e Elói que continuam a sublinhas a ambição de ir além do negócio das diárias — e avançar para os almoços e jantares de família, com pratos mais requintados, ricos e substanciais.
Elói continua a tentar cumprir a promessa deixada a Ljubomir e a dedicar mais tempo à família. Só que para levar o restaurante a outro patamar, precisa de ajuda que não encontra em lado nenhum. “Estou farto de procurar e não consigo encontrar funcionários”, repara. Mónica também desespera por ajuda na cozinha. Fica o apelo, para que a carta do chef e as toalhas bonitas possam finalmente sair do armário.