Por alguma razão — e os fatores podem ser muitos — “Ozark” parece não ter o reconhecimento generalizado que merecia. A série da Netflix estreou a terceira temporada a 27 de março, e confirmou mais uma vez a qualidade e consistência pelas quais sempre se tem destacado.
É verdade que pode não ter elementos tão carismáticos como, por exemplo, “Breaking Bad” — nem o humor negro e os momentos brilhantemente bizarros de “Fargo” — mas “Ozark” tem todos os ingredientes para ser uma produção de sucesso e ter um enorme público (que infelizmente parece não ter).
Aclamada pela crítica, a história de “Ozark” é a de uma família americana de classe média aparentemente normal que se vê em circunstâncias mais do que extraordinárias — daí os paralelismos que possamos fazer com séries como “Breaking Bad” ou “Fargo”, que também retratam pessoas comuns, com falhas e defeitos, com características próprias com as quais nos podemos identificar, mas que estão na aventura da vida delas.
Se nunca viu “Ozark”, a narrativa centra-se na família Byrde. Marty é o pai, um génio da contabilidade — tanto que acabou envolvido de forma indireta num esquema de lavagem de dinheiro para um perigoso cartel de droga mexicano. Está casado com Wendy, mulher que tem um caso extraconjugal e suspendeu a carreira para cuidar dos filhos, os adolescentes Jonah e Charlotte.
Todos levam uma vida pacata (e aborrecida) em Chicago, até que um imprevisto relacionado com o trabalho ilegal de Marty faz com que sejam obrigados a mudar-se para a zona remota dos lagos de Ozarks, onde vão ter de lavar enormes quantidades de dinheiro para o cartel. Caso contrário, a sua vida acabou.
Lá chegam como milionários, dispostos a comprar negócios locais por pequenas fortunas, e são recebidos com alguma desconfiança — o respeito é algo que demoram a conquistar por aquelas bandas, onde já existem criminosos bem estabelecidos e onde praticamente toda a gente se conhece. Se estiver interessado nesta produção, fica o aviso: o melhor é não continuar a ler este artigo.
Na terceira temporada, “Ozark” volta a confirmar que é uma série coerente do início ao fim, sem um único desvio e onde nos consegue surpreender sempre nos limites do mesmo conceito e identidade.
Wendy e Marty estão numa guerra — às vezes declarada, outras vezes não — ao longo de quase todos os dez capítulos que compõem esta temporada. Ambiciosa e (um pouco) sedenta de poder, Wendy quer expandir o negócio dos casinos e agradar ao chefe, o líder do cartel, Omar Navarro — sendo que, no México, há uma guerra de traficantes que está a abalar o modo como as coisas funcionam. Os seus escrúpulos são cada vez menores: Wendy está a um passo de se tornar a Heisenberg desta série.
Já Marty, sempre cauteloso e control freak, quer precisamente o oposto. O seu objetivo é encontrar uma forma de manter a lavagem de dinheiro discreta, sem dar nas vistas, sem se comprometer para, caso haja uma oportunidade, conseguir escapar com a família daquela vida (tal como queria fazer no final da segunda temporada).
Entre eles há enormes reviravoltas sobre o que cada um quer, os planos que fazem nas costas um do outro, quem está realmente com eles e quem não está. Helen Pierce, a implacável advogada e representante americana de Navarro, está muito mais presente nesta fase do enredo. Com ela vem a sua filha adolescente, Erin, que não sabe nada sobre o trabalho da mãe.
Quem também chega para mudar um pouco as coisas é Ben, o irmão mais novo de Wendy, um outsider bipolar que tem algumas dificuldades comportamentais e que acaba de ser despedido de uma escola depois de destruir os telemóveis dos alunos e de espancar um jardineiro. Por um lado, vem alegrar a família Byrde, ajudar nalgumas coisas e apelar ao lado mais individualista de Wendy; por outro, vai acabar por desestabilizar tudo. Pelo meio, apaixona-se por Ruth (a eterna melhor personagem secundária de “Ozark”), o braço direito de Marty no casino, e torna-se numa peça chave da narrativa.
Já o FBI vai continuar a pressionar de muito perto a operação de Marty Byrde, enquanto se torna, sem saber, um instrumento de manobra importante nas negociações de poder com o líder do cartel Navarro. Os planos e ambições desta organização são cada vez maiores, mas ao mesmo tempo continuam a ser apenas Marty, Wendy, Charlotte e Jonah, a família comum com que todos nos conseguimos identificar de alguma forma. Há suspense, comédia, momentos de ação e de tristeza. Ótimas interpretações e personagens. Um guião muito bom. De que é que está à espera para ir ver “Ozark”?