Teatro e exposições
Levámos Mateus Solano e Miguel Thiré a provar cerveja portuguesa
Estão em cena com “SELFIE”, que criaram em 2014. Nos intervalos vão correr pela cidade e comer bacalhau no Zé da Mouraria.
Mateus Solano e Miguel Thiré dividem "SELFIE".
Tinha três anos quando veio viver para Portugal com a família mas Mateus Solano diz ter muitas recordações dos dois anos seguintes. “A minha relação com este país é muito especial. O meu pai é diplomata e nessa época lembro-me de dar muitas caminhadas. Um dia fomos parar a um bairro perto do aqueduto, Campolide. Nos anos 80 era bem diferente”, conta à NiT.
Agora está de volta com “SELFIE”, a peça de teatro que divide com Miguel Thiré — esse sim instalou-se em Lisboa há dois anos, fez a novela da TVI “A Impostora” e vários espetáculos. Os dois estão em cena no Teatro Tivoli BBVA até 18 de março e depois no Porto, no Teatro Sá da Bandeira, entre 22 e 25 de março. As sessões acontecem de quarta-feira a domingo e os bilhetes já estão à venda.
Na história, Mateus Solano é Cláudio, um homem que vê a vida praticamente desmoronar-se quando perde todos os dados guardados no telemóvel. Thiré interpreta 11 personagens que vão ajudá-lo a recuperar as memórias. No final, haverá espaço para debates com a plateia, uma ideia que herdaram de António Fagundes, que faz sempre isso nas suas representações.
Antes, Miguel Thiré fez uma lista de sítios que quer mostrar ao amigo — desde correr entre Estoril e Cascais a provar o famoso bacalhau do Zé da Mouraria. Do plano faz também parte a cerveja artesanal portuguesa.
“Sou apaixonado pelas nacionais e conheço muito bem a maioria, não vou dizer todas”, explica o ator brasileiro.
Por isso, a NiT levou os dois ao Crafty Corner, o bar que abriu em fevereiro no Cais do Sodré, para que pudessem experimentar algumas. O desafio era responderem a perguntas sobre Internet ou redes sociais. Quem perdesse, bebia. Erraram quase sempre mas desconfiamos que foi de propósito — pela cerveja, claro. Veja o vídeo e leia a entrevista.
O Mateus acabou de chegar a Portugal. O Miguel, que vive cá, já fez uma lista de lugares para levá-lo?
Miguel Thiré: Temos uma lista variada. O Mateus agora está com o vício de correr, vamos correr à beira do Tejo e já combinámos que vamos até ao Estoril, correr até Cascais e voltar. Uma das coisas de que eu mais gosto é caminhar pelas ruas de Lisboa e ele também traz essa vontade.
E restaurantes, o que lhe vai mostrar?
MT: Uma das coisas mais especiais de Portugal é comer e beber. Quero levá-lo ao Zé da Mouraria para comer bacalhau. Levei o nosso diretor artístico, Marcos Caruso, e ele adorou. Só dizia: “Vou trazer o meu filho aqui, vou trazer o meu filho aqui.”
Vão estar em cena em Lisboa e no Porto com “SELFIE”, sobre a forma como somos engolidos pelo mundo virtual. Qual é história?
Mateus Solano: Chegar até aqui foi um processo delicioso, de improviso. O Marcos Caruso na direção, a Daniela Ocampo a escrever o texto e nós os dois a improvisar. Conta a história do Cláudio, que um dia perde todas as informações do telemóvel e ele percebe que tinha a própria vida no telefone. Tudo é apresentado sem fazer crítica mas as pessoas identificam-se. É busca do Cláudio por si próprio depois deste pequeno drama.
Como é a vossa relação com os telemóveis e as redes sociais?
MT: É impossível dizer que não estamos dentro dessa onda. Eu passo o dia inteiro com o telemóvel na mão, no whatsapp, a ver previsões. Sou viciado.
Previsões de quê?
MT: Do tempo, eu sei exatamente se vai chover ou não até quinta-feira da semana que vem. E a previsão do trânsito também, mesmo quando não tenho de andar de carro. Eu tenho alguma dificuldade em lidar com as redes sociais, nunca tive Twitter, por exemplo. Tu nunca tiveste Facebook, não é?
MS: Eu tenho uma página de fãs. Hoje controlo o meu Instagram oficial mas antes era só o meu empresário que o atualizava. Percebi que às vezes não diria exatamente aquilo ou não colocaria aquela imagem, então assumi a gestão. Tenho uma conta pública e uma bloqueada porque gosto muito de tirar fotos. O telefone é para isso também, não é apenas para fazer chamadas. Não há como não nos misturarmos com este mundo. Qualquer dia os atores são escolhidos pelo número de likes e de seguidores e não pelo talento.
Desde quando é que vocês se conhecem?
MS: 98 ou 99, é por aí.
MT: Eu estava num grupo de teatro, fui fazer uma peça de Aristófanes e o Mateus foi o ator convidado. Dois anos depois fizemos uma peça juntos com duas bailarinas.
MS: Os atores eram meio palhaços, tentavam explicar a dança contemporânea. Eram alguns sketchs a explicar coreografias, era muito divertido. Sempre fizemos teatro muito físico, que não precisa de adereços nem de cenário para dizer quem somos e onde estamos.
Há quatro anos voltaram a juntar-se no Brasil para “SELFIE”?
MT: Já tínhamos trabalhado três vezes juntos e esta peça surgiu em 2014. Nessa ocasião decidimos fazer um trabalho novamente físico, com mímica, mas não sabíamos do que íamos falar. Lembro-me de pegarmos no telefone e dizer: “Vamos pesquisar sobre o que queremos falar.” Depois parámos e dissemos: “Porque é que não falamos disto mesmo. Nem conseguimos pensar com a nossa cabeça, temos de ir à procura.” O título “SELFIE” surgiu porque essa tinha sido a palavra do ano e a história nasceu daí. As pessoas vão ao teatro e divertem-se mas saem com questões na cabeça. Tudo isto facilita muito a nossa vida, é maravilhoso, mas ao mesmo tempo quanto será que estamos a exagerar neste vício de estar o tempo todo a ver o que os outros estão a fazer?
MS: Também é interessante percebermos porque é que as coisas evoluíram desta forma. Não foi a Apple que criou a câmara que muda o ângulo. Foi a necessidade de tirarmos uma foto de nós próprios, eles perceberam isso e puseram uma câmara na frente.
Miguel, qual o plano é ficar a viver em Portugal a longo ou curto prazo?
MT: Quero ficar pelo menos dez anos, é o tempo de uma jornada de vida. A 1 de março fez exatamente dois anos que eu e a minha mulher, a Carol, chegámos a Portugal. É difícil deixar tudo para trás mas, além da língua, que facilita muito, há uma relação que se está a estreitar cada vez mais. A quantidade de pessoas com que me cruzo aqui é incrível, está muita gente a deixar o Rio de Janeiro e a vir para cá.
O Mateus, que já viveu uns anos cá, não gostava de se mudar para Portugal também?
MS: No Brasil estamos a atravessar uma fase muito difícil no básico: a educação, a saúde. Na nossa área então nem se fala. Os governantes chegaram a cogitar eliminar o Ministério da Cultura para criar apenas uma Secretaria do Ministério da Educação. Agora temos um prefeito no Rio de Janeiro que, nas duas festas mais importantes da cidade, o Réveillon e o Carnaval, estava nos Estados Unidos. Eu sou apaixonado pelo Rio e é muito difícil ver o que se passa lá. O Brasil é um país que está sempre a tentar agradar aos outros mas, apesar disso, não está nos meus planos sair. Mas tenho um extremo desgosto, até fico emocionado ao falar disso.
Eles andam por aí até final de março.