Começaram em 2003, já passaram pelas salas e pelos palcos de festivais mais icónicos do País, tiveram vários trabalhos considerados como “melhores do ano” e lançaram o seu mais recente álbum, homónimo, em 2018. São os Linda Martini.
Só que Linda Martini é, na verdade, uma pessoa real. Italiana, amiga e ex-colega de Erasmus do guitarrista Pedro Geraldes, não só dá o nome ao grupo e a este disco, como é o rosto que aparece na capa.
A NiT entrevistou Hélio Morais, baterista da banda, e ficou a saber mais sobre a relação da verdadeira Linda Martini com o grupo. Além disso, falámos sobre quando podemos esperar o próximo álbum, que sonho é que os Linda Martini ainda não realizaram — e se o hip hop realmente destronou o rock.
A banda atua este sábado, 7 de setembro, no Festival F, em Faro. Os bilhetes vão dos 15€ aos 45€ e podem ser comprados na Blueticket. Leia a entrevista da NiT com Hélio Morais.
Viajam constantemente de norte a sul do País. Claro que há características diferentes em cada zona, mas qual é a constante na vida na estrada?
Ainda que as equipas técnicas, dos palcos — por exemplo — sejam grandes, a verdade é que há uns quantos com os quais nos cruzamos muitas vezes. E músicos também, porque vamos todos fazendo um pouco os mesmos festivais. Mas à parte disso, e sobre coisas que façam mesmo parte da cultura do País, acho que o ponto mais comum é conseguirmos comer muito bem em Portugal [risos]. Isto também é uma coisa que se vai tendo maior consciência quanto mais se toca fora de Portugal. Claro que cá sabemos melhor onde comer bem e que tipo de comida pedir para ficar bem servido. E claro que quando vamos para fora estamos a lidar com coisas novas. Mas sim, sentimos-nos muito confortáveis a comer em Portugal.
Qual é a melhor e a pior coisa da vida na estrada?
Pior é o que costumamos chamar “rabo de carrinha” que é ficarmos muito tempo na mesma posição — e não é bom para as costas nem para as pernas. Boa parte do nosso dia é passado à espera e sentados, em posições desconfortáveis e não é muito benéfico para a saúde. A melhor parte, e aqui só posso falar por mim porque felizmente só tenho bandas com amigos, é estar com amigos, quer os músicos, quer as equipas técnicas. É sempre uma oportunidade para estarmos com as pessoas de quem gostamos.
A Linda Martini, a estudante italiana de Erasmus, ganha direitos de autor pelo nome?
Não, mas já ganhou todo o tipo de merchandise [risos]. Mas é curioso porque nós conhecemos a Linda Martini, e é interessante estarmos a falar disto hoje [3 de setembro] porque no sábado passado [31 de agosto] nós tocámos no Parque Palmela, em Cascais, num festival, e foi precisamente o sítio onde nós em 2005 ou 2006, se não estou em erro, conhecemos a Linda Martini. Porque ela era colega de Erasmus do Pedro [Geraldes], mas os outros membros da banda não a conheciam e foi precisamente nesse Parque Palmela que nós a conhecemos. Ela nem gostava especialmente da banda, parece-me, porque não ficou super entusiasmada com o nosso concerto [risos]. Há uma relação, claro, de agradecimento profundo da nossa parte. Acabámos por lhe “roubar” o nome, mas também de certa forma este disco que lançámos no ano passado e que é homónimo, só nos fazia sentido ser homónimo se tivesse a cara dela. E, isso sim, surpreendeu-nos. Nós falámos com ela, pedirmos autorização para usar aquela fotografia — que na verdade é um quadro, a capa foi uma replicação em pintura daquela foto —, ela autorizou e foi super divertido. Escreveu-nos uma carta emocionada, que refere também o facto de a banda continuar a existir depois destes anos todos e acaba por ser uma ligação a um sítio onde ela foi feliz a dada altura da vida dela.
Ainda se dão com ela, pelo menos o Pedro?
Sim. Aliás, essa fotografia foi tirada pelo Pedro num casamento em que os dois estiveram em Itália, em 2014, se não estou em erro. Eles ainda se dão e agora quando fizemos a capa do disco claro que houve mais contacto entre nós e ela porque havia essas questões todas com a autorização, de usar a fotografia dela e depois também de lhe querermos enviar as coisas.
Com tantos concertos esgotados e álbuns considerados melhores do ano, qual é o sonho que falta concretizar?
Não sei. Eu acho que o maior sonho é continuarmos a querer fazer música juntos e continuarmos a achar a música que fazemos relevante — em primeira instância para os próprios membros da banda e depois que também haja público e auditório para a receber da mesma forma que nós quando a fazemos. Há um projeto já de longa data, e imagino que se calhar uns 70 por cento das bandas portuguesas partilhem, que é ir tocar ao Brasil, por exemplo. Isso, sim, é um sonho antigo. É uma coisa que vimos falando há muito tempo e vamos sempre fazendo incursões nesse sentido. Ainda não se deu, mas quem sabe.
Qual é a vossa sala de concertos favorita para tocar em Portugal?
Ui, isso é complicado. Há várias. Já fomos muito felizes no Musicbox, já fomos muito felizes na ZDB e, assim à partida, diria que estas duas, juntamente com o Lux, são as salas onde tocámos mais em Lisboa e onde fomos bastante felizes. Já fizemos o Coliseu três vezes, uma em nome próprio e outras duas em festivais, e também é uma sala que nos traz muito boas memórias, mas por tudo o que acarreta emocionalmente acho que as outras três são as salas onde fomos mais “nós”.
Porquê a troca de Lisboa por Barcelona, na gravação do último álbum?
Foi por causa do produtor. Não foi a primeira vez que o Santi [Garcia] trabalhou connosco porque eu já tinha gravado algumas coisas e misturado um álbum com ele de uma outra banda que eu tinha, em 2005. E depois, logo a seguir, em 2006, acabámos por misturar e masterizar o álbum de estreia com ele. Depois, ele ainda masterizou o nosso EP, o “Marsupial”, em 2008. E desta vez nós queríamos muito o som um bocadinho mais áspero e mais cru, e achámos que a forma de trabalhar dele encaixava perfeitamente nisto. Ele tem um estúdio e nada melhor do que trabalhar com um produtor no estúdio que ele melhor conhece, para conseguirmos tirar o melhor dele e ele tirar o melhor da banda. E fomos gravar lá.
É diferente estar assim num sítio afastado de casa, todos juntos, a gravar?
É, porque estamos todos focados e a nossa única preocupação é, nessa altura, a gravação. Quando estamos aqui, por mais que queiramos estar concentrados e ensaiar seis ou sete horas todos os dias, isso acaba por nunca acontecer. Há sempre imprevistos por causa dos filhos ou de coisas a tratar. E estando todos fora do sítio onde vivemos, acaba por ajudar a estarmos mais focados.
E já há planos para um próximo álbum?
Já. Na verdade já começámos a trabalhar os primeiros esboços de música e agora é o processo normal. Compor, compor, compor. Depois, lá mais para o final do ano começar a pensar na forma como vamos produzir as músicas. E depois gravá-las. Portanto estamos em fase de composição. Estará pronto para o ano, certamente.
O que é que prepararam para o concerto no Festival F? Alguma coisa em especial?
Não e vou explicar porquê. É muito frequente acontecer com algumas bandas irem tocar a um sítio que consideram especial e fazerem um concerto também especial. Por especial entenda-se que acabam por ter de mudar o concerto que têm preparado. E com isto não digo que nós toquemos em todos os concertos a mesma setlist, nem de perto o fazemos, mudamos as músicas constantemente, mas para nós isso não é uma coisa especial. Quando vamos tocar a um festival que consideramos muito especial, ou a um sítio que para nós nos diz muito, o que fazemos é exatamente querer dar o melhor que sabemos. Então, nessa medida, nós sentimos que quando alguém nos contrata ou alguém quer que nós apresentemos o espetáculo pelo qual nos reconhecem, queremos ir lá e fazer o espetáculo que nós sabemos fazer bem, porque sentimos que também essa é a forma de fazer as pessoas que nos contrataram felizes e as pessoas que nos foram ver também. E num concerto, quanto mais o público nos der, mais nós conseguimos dar de volta, e vice-versa. Por isso, não preparamos concertos especiais porque todos os concertos são especiais.
Há quem diga que o hip hop é o novo rock. O rock está a morrer?
Não, não [risos]. Quem diz isso está a faltar ao respeito ao rock e está a faltar ao respeito ao hip hop. Eu gosto muito de ambos e, na verdade, se houvesse um ideal — e o nu metal não tivesse estragado a mistura do rock com o hip hop — se calhar chegávamos a uma coisa bastante engraçada [risos]. Houve algumas bandas que até o conseguiram fazer bem. Mas a mim agrada-me bastante o groove que o hip hop tem. Eu sou baterista, por isso também é normal que fique muito fixado nos beats. Eu não acho que o rock esteja a morrer e também não acho que o rap esteja a roubar espaço ao rock. O que eu acho é que se nós olharmos ainda hoje em dia para um cartaz de um festival, seja grande ou pequeno, e se não contarmos com aqueles especialmente dedicados a um tipo de som, o que acontece é que a maioria dos headliners continuam a ser bandas de rock, sejam mais antigas ou mais recentes. O que acontece é que está a ser reposta uma certa justiça nos alinhamentos dos cartazes em relação ao que os miúdos ouvem nas escolas, porque já se ouve muito rap, e mais rap até talvez do que rock, nas escolas há bastante tempo, mas isso ainda não tinha sido transferido para os alinhamentos dos festivais e das festas académicas. E neste momento, já há uma maior inclusividade de todos os estilos, quer pop, quer hip hop, quer trap — que há quem distinga do rap. Hoje em dia, olha-se para um cartaz e é eclético. E isso é uma coisa desejável, portanto, eu gosto de me deixar influenciar por coisas que não têm nada a ver com aquilo que eu faço. Por isso não acho que um esteja a roubar espaço ao outro. Contra mim falo, mas acho que o rock foi privilegiado durante muito tempo e havia uma institucionalização das coisas.