Querida Inês (ao contrário do Eddie Vedder, espero ter percebido bem o teu nome),
É provável que esta sexta-feira, 21 de junho, tenhas acordado como em tantos outros dias. Se calhar vais à escola ou, se tiveres sorte, fazes ponte por causa do feriado ou então porque na quinta-feira, 20 de junho, te deitaste muito tarde depois do concerto do Eddie Vedder na Altice Arena, em Lisboa. O que tu provavelmente ainda não sabes, Inês, é que esta noite será, um dia, uma das tuas melhores recordações. Ficará, sem dúvida, na memória de milhares de pessoas que se juntaram ao Eddie para te cantar os parabéns.
Se não tiveres percebido muito bem o que se estava a passar à tua volta, ninguém leva a mal — se eu tivesse nove anos como tu, preferiria certamente estar num espetáculo de Justin Bieber —, mas, pergunta ao teu pai, tenho a certeza de que foi uma das noites mais surreais da vida dele e vai contar-te essa história centenas de vezes até tu revirares os olhos.
Tudo começou às 20h30 em ponto. Glen Hansard foi o músico escolhido para fazer a primeira parte. Com o restante cenário tapado com panos pretos, foi só ele, um piano e guitarras durante meia hora. A sala foi enchendo e o público acolheu rapidamente o irlandês de 49 anos. Pouco depois das 21 horas as luzes voltaram a acender-se, entrando em palco a equipa técnica para preparar o que se seguia. A espera foi longa, imagino que tenhas perguntado várias vezes se faltava muito. Havia vários miúdos na sala e, apesar da impaciência crescente, o entusiasmo de estar ali conseguia superar o resto.
O Red Limo String Quartet ocupou os respetivos lugares às 21h46, começando a tocar “Alive”. Eddie Vedder apareceu, dois minutos mais tarde, do lado direito do palco, com uma pasta cheia de folhas numa das mãos. Lá dentro estavam rabiscadas umas frases em português, que rapidamente partilhou com o público. “É a minha 11.ª vez em Portugal mas ainda falo muito mal”, desculpou-se.
Sabes porque é que à tua volta as pessoas fizeram tanto barulho, gritaram e aplaudiram até as palmas das mãos doerem, Inês? Porque é sempre muito especial ver o Eddie Vedder, sozinho ou com os Pearl Jam. Essa banda acompanhou a geração do teu pai, a minha geração, aqueles que foram crianças e adolescentes nos anos 90, quando não havia youtubers, telemóveis ou influencers para nos distraírem. Existiam discos, cassetes, comprávamos música com a mesada ou os trocos que juntávamos e ouvíamos os mesmos discos centenas de vezes. “Black”, “Porch”, “Elderly Woman Behind the Counter in a Small Town” mexiam connosco ainda antes de percebermos o que diziam as letras. Estiveram presentes naqueles dramas da adolescência que achávamos que seriam o fim do mundo (lá chegarás) ou faziam parte do nosso dia a dia simplesmente quando queríamos ouvir grandes temas.
“Welcome home (bem-vindo a casa)”, gritou alguém da plateia da Altice Arena. Foi exatamente essa a sensação para nós e para Eddie Vedder, que recriou uma espécie de sala intimista no meio de um pavilhão gigante e que conseguiu criar a sensação de falar diretamente para cada um dos amigos que ali se juntaram para beber um copo com ele. “Lisboa é uma noite de duas garrafas”, disse enquanto distribuía vinho pelo público e pedia o reabastecimento.
Deu tudo o que se esperava dele: “Just Breathe”, “I Am Mine”, “Immortality”, “Off He Goes”, “Better Man”, pôs toda a gente de pé e a cantar “Wishlist”, improvisou umas rimas sobre Portugal, fez brindes, atirou dezenas de palhetas, foi cumprimentar as primeiras filas mas recusou um abraço — “Não posso, sou casado. E muito bem casado”.
Do nosso lado, retribuímos com a afinação possível e cantámos “Jeremy” sem uma única falha quando Eddie Vedder se ausentou para uma breve pausa e deixou em palco apenas o quarteto de cordas a tocar um dos maiores êxitos de Pearl Jam. Talvez para ti, Inês, isto não vá passar de uma memória distante e pouco clara mas pergunta a quem lá esteve e todos te dirão que foi arrepiante, lindo e tão natural.
O Eddie viu-te a dormitar na cadeira, percebeu depois que era o teu aniversário e não resistiu: “Vamos mimá-la.” Em poucos segundos tinhas uma câmara apontada a ti e milhares de pessoas a cantarem-te os parabéns em inglês. Estavas encolhida, constrangida e recebeste sem grande euforia a harmónica que o Eddie te ofereceu. Se alguém um dia te disser que isso vale muito dinheiro, esquece, não há preço para o símbolo de uma noite que fica para a história.
Ele referiu outros grandes concertos em Portugal, como a primeira atuação, em Cascais, ou a do Meco que marcou a estreia a solo em festivais. Na altura teve medo que a “prancha” dele não fosse “suficientemente grande para uma onda daquele tamanho”. Mas foi e, pelo menos por cá, será sempre.
“A tua música salvou a minha sanidade”, podia ler-se num cartaz. O sempre tímido Eddie agradeceu e explicou que a música dele também o salvou, apesar de o ter igualmente deitado abaixo. “Mas isso foi porque tinha alguns problemas pessoais para resolver.”
Um dia, Inês, quando tudo à tua volta parecer não fazer grande sentido, a música, seja ela qual for, também te vai ajudar — para já, espero que sirva simplesmente para os momentos felizes, para dançares e rodopiares até ficares tonta, sempre com o mesmo sorriso e essa coroa de flores que tinhas na cabeça.
Eddie Vedder também falou disso, da esperança, do futuro e dos “tempos estranhos” que vivemos. Em “Imagine”, cover de John Lennon, quis que o fotografassem de cima do palco com o público ao fundo a pegar nos telemóveis e a acender as lanternas. “Isto dará uma bela imagem para mandar para casa”, explicou. Foi o único momento em que os telefones foram permitidos — antes do concerto, um aviso pedia que não se fotografasse nem filmasse para que todos pudessem aproveitar o espetáculo. E que espetáculo incrível foi, sem pessoas sempre de braço esticado a fazer vídeos para os quais nunca mais olhariam, stories para o Instagram ou selfies com um mini Eddie impercetível lá ao fundo.
Foram duas horas e uns minutos de festa (por vezes tranquila, por vezes frenética). Eddie saltou e até dançou com o amigo Glen Hansard enquanto toda a gente gritava “oé, oé, oé”. Podia jurar que estávamos num estádio e, ao mesmo tempo, na sala mais pequena e secreta do mundo.
Por isso, Inês, guarda bem esta recordação mágica que nunca mais se repetirá. Sê muito feliz e, como diria o Eddie, “keep on rockin’ in the free world”.
Um beijinho,
Andreia