Quando o castelo de Lamego é envolvido pelo nevoeiro, os locais costumam dizer que a alma da princesa anda a passear entre as muralhas. Há outra versão: se a neblina cercar a zona do antigo mosteiro de São Pedro das Águias, no concelho de Tabuaço, diz-se que serve para encobrir os encontros da princesa Ardínia com D. Tedon.
Este é a história que está por trás da lenda de “Ardínia, a Princesa Moura”, que viveu no século X, durante o período de reconquista da Península Ibérica aos árabes. Reza a lenda que o pai havia prometido a mão da filha a um príncipe mouro de uma localidade vizinha. Mas Ardínia ouvira falar dos bravuras de um cavaleiro cristão, de D. Tedon. “E foi precisamente neste cenário de guerra que o amor desabrochou no coração da jovem donzela.”
A história tem um final trágico — o pai degolou a filha — mas a lenda ficou para sempre, tal como outras que sobreviveram à passagem do tempo. “Lendas de Amor Portuguesas” é uma viagem às histórias de amor antigas. De norte a sul, dos Açores à Madeira, a tradição oral deu vida a inúmeros contos. Este livro recupera parte dessas histórias locais que atravessaram gerações para se eternizarem na memória coletiva dos portugueses, e que são hoje parte da nossa própria história.
“Lendas de Amor Portuguesas” apresenta vinte histórias distribuídas por outros tantos distritos. Entre contos conhecidos em todo o País e outros mais locais, o livro inclui “A Cabeça da Velha”, um conto tradicional dos Arcos de Valdevez; “O Túmulo dos Quatro Irmãos”, de Guimarães, “O Milagre da Torre da Princesa”, de Bragança; “A Paixão de D. Lopo de Mendonça”, de Portalegre, ou “Os Amores de Pedro e Inês”, de Coimbra.
Publicado no início deste mês de julho, o livro pretende “preservar, divulgar e valorizar parte deste património imaterial tão rico”. E a NiT anticipa aqui um dos contos: escolhemos “A Lagoa das Sete Cidades”. Conhece a história que explica a origem de um dos locais mais bonitos de Portugal?
A Lagoa das Sete Cidades
“O nome da freguesia de Sete Cidades, em Ponta Delgada, tem raízes nas lendárias Sete Cidades do Atlântico. Conta-se que há muitos, muitos anos, neste lugar, existiu um grande reino, onde viveu uma princesa muito bondosa. No seu belo rosto destacavam-se os olhos azuis como safiras.
Uma das atividades favoritas da princesa era passear pelos campos, aproveitando tudo aquilo que a natureza tem de bom. Adorava sentir o cheiro das flores, molhar os pés nas ribeiras ou, simplesmente, contemplar a beleza dos montes e vales que rodeavam o reino.
Certo dia, num dos seus passeios a princesa passou por um prado onde pastava um rebanho. Deteve-se a observar os animais quando viu que, ali perto, tomava conta do rebanho um jovem pastor. A princesa decidiu ir falar com ele, que tinha uns bonitos olhos verdes e um ar simpático: bom dia, pastor. Que belas ovelhas aqui tens… — começou a princesa.
E assim conversaram os dois horas a fio, sobre os animais, as flores, o tempo… Sobre todas as coisas simples e belas que tinham à sua volta.
A princesa gostou tanto da conversa que, no dia seguinte, voltou ao mesmo lugar para falar com o pastor. E o mesmo fez no dia seguir, e depois, e depois… As semanas foram passando, e a princesa e o pastor encontravam-se todos os dias no lugar onde se tinham conhecido. De tal forma que, com o passar do tempo, apaixonaram-se e, pouco depois, já trocavam promessas de amor eterno.
As notícias dos encontros da princesa com o pastor acabaram por chegar aos ouvidos do rei, que ficou furioso. Queria que a filha casasse com um príncipe de um dos reinos vizinhos, por isso mandou chamá-la.
— Minha filha, tens passeado muito ultimamente… — disse o rei
— Pai, bem sabe que gosto muito de percorrer o nosso belo reino.
— Pois a partir de agora, esses passeios acabaram! Quem julgas tu que enganas? — trovejou o rei — Bem sei que te tens encontrado com um pobre pastor! Um pastor, minha filha! Um pastor! O que te passou pela cabeça?
— Mas, pai…
— Não há mas nem meio mas. Estás proibida de ver esse homem. Acabou!
Depois de se acalmar, a princesa respondeu:
— Está bem, pai. Por muito que me custe, pelo respeito que lhe tenho, aceito a sua decisão. Mas peço-lhe, pai, por favor deixe-me falar um última vez com o pastor, para me despedir. Prometo-lhe que nunca mais irei ao encontro dele.
O rei sabia que a palavra da princesa valia ouro. Afinal, tinha-a educado bem. Por isso, sensibilizado, disse-lhe que sim, mas reforçou:
— É a última vez!
A princesa foi ao encontro do pastor nos frondosos campos verdes onde se conheceram. Vendo o seu ar pesaroso, o pastor perguntou-lhe:
— Princesa, porque é que estás tão triste?
— Querido pastor, não posso mais ver-te! O meu pai proibiu-me, e a palavra do rei é uma ordem, à qual não podemos desobedecer! — disse a princesa entre soluços.
Ficaram os dois ali a falar durante muito tempo, sobre o seu amor e sobre a inevitável separação. As lágrimas de ambos corriam em catadupa.
Choraram tanto que as lágrimas dos olhos azuis da princesa formaram uma lagoa azul, e as lágrimas dos olhos verdes do pastor formaram uma lagoa verde.
Ao separarem-se, olharam para o vale e viram uma enorme lagoa feita das suas lágrimas, mas estas não se misturavam, De um lado, estão as lágrimas verdes, do outros estão as lágrimas azuis, separadas por um pequeno canal. Tal como eles, a Lagoa azul e a Lagoa verde formam uma só: a lagoa das Sete Cidades. Não se podem unir, mas também nunca as poderão separar.”