Cancro, cancro, cancro. É a segunda maior causa de morte no mundo ocidental — logo a seguir aos problemas cardiovasculares — e esta doença, apesar de afetar tantas pessoas, continua a ser um tabu para muitas. Daí que se fale tantas vezes de “doença prolongada” e não de cancro. Usemos a palavra, já que também é preciso combater a doença de frente.
Um novo livro, “100 Perguntas sobre o Cancro”, escrito pelos investigadores Daniel Closa e Salvador Macip, vem abordar todo este tema. Em Portugal é uma edição do grupo 20/20 e está à venda por 16,59€. A NiT mostra alguns dos excertos.
O cancro é uma doença moderna?
“Por vezes, pode parecer que o cancro é uma doença relativamente recente, mas isso não é verdade. É provável que se encontre entre nós desde o início da Humanidade. A prova mais antiga da existência do cancro encontrada até hoje corresponde ao esqueleto de um homem encontrado num sepulcro no Sudão. Tendo morrido há cerca de 3200 anos, os seus restos mortais mostravam sinais de metástases. Foram encontrados vestígios ainda mais antigos de um cancro que afeta os ossos de uns parentes nossos: os neandertais.
Devido à sua complexidade, é normal que o tema do cancro estivesse fora do alcance da medicina que se praticava na Antiguidade, por isso, limitavam-se a descrevê-lo. Até ao século XV não se começou a estudar as causas das doenças com profundidade. Só a partir da invenção do microscópio é que se puderam analisar a fundo os primeiros tumores.
Foi no século XIX que Rudolf Virchow, um grande médico alemão, propôs a hipótese de o processo ser causado por alguma alteração no interior das células, e que, para encontrar um tratamento, era preciso identificar os erros que ocorriam a nível celular. A partir de então, a investigação da terapia contra o cancro ficou bem encaminhada e, com acertos e também com erros, golpes de sorte e reviravoltas inesperadas, começaram a surgir os vários tratamentos para deter o avanço do cancro.”
Quantos tipos de cancro existem?
“A palavra cancro refere um conjunto numeroso de doenças, mais de duzentas, que partilham o facto de um grupo de células ter começado a multiplicar-se descontroladamente. Um cancro do pâncreas não é o mesmo que uma leucemia, e um cancro da mama não é o mesmo que um melanoma. A maneira como irão apresentar-se, os problemas que irão trazer, a velocidade a que a doença irá progredir ou o tipo de tratamentos disponíveis serão completamente diferentes consoante o tipo de cancro.
Dito assim, poderia parecer que estamos a falar de cancros diferentes consoante o lugar onde se encontram: o cérebro, o peito, o tubo digestivo… Agrupados desta maneira, poder-se-iam diferenciar melhor. Mas isso também não chega. Até dentro de um mesmo órgão podemos encontrar tipos de cancros muito variados, dependendo também do tipo de célula.
Isto poderia ser apenas uma curiosidade científica, um tecnicismo sem maior relevância, mas a verdade é que é um fator determinante para o prognóstico e para os tratamentos que se podem aplicar. O facto de se usar a palavra cancro de maneira genérica não nos permite discriminar diferentes tipos de processos, o que faz com que, perante o diagnóstico, ainda sintamos um calafrio, até mesmo antes de perguntar de que cancro, concretamente, estamos a falar.”
Um cancro é o mesmo que um tumor?
“Quando a palavra cancro aparece a meio de uma conversa, a primeira imagem que nos vem à cabeça é a de um caroço, um nódulo situado em algum recanto do corpo. Isso é o que normalmente designamos por tumor: uma bola de células num sítio onde não devia estar. Mas tumor e cancro não são, nem de perto nem de longe, sinónimos: nem todos os tumores são cancros e nem todos os cancros são tumores.
Em sentido estrito, um tumor é apenas um desenvolvimento anormal de alguma parte do corpo que vemos inchada. Isto acontece indubitavelmente no caso do cancro, mas também acontece noutras situações que não têm nada que ver com o cancro — nesses casos, dizemos que se trata de um tumor benigno.
O caso do cancro é completamente diferente. Por definição, trata-se de um grupo de células malignas. Malignas, neste contexto, quer dizer que, se não as detivermos, não irão parar de se multiplicar, destruirão a cápsula que envolve o tumor, acabarão por se alastrar pelo organismo e, caso não sejam combatidas, provocarão a morte, mais cedo ou mais tarde.
Mas, atenção — nem todos os cancros formam tumores. Já dissemos que alguns dos cancros com origem em células do sangue, como as leucemias, não costumam manifestar-se sob a forma de tumor. O motivo é fácil de entender: nestes casos, as células cancerígenas circulam livremente pelos vasos sanguíneos, sem dependerem umas das outras e sem formarem massas detetáveis.”
O cancro é hereditário?
“Apesar de, na sua maioria, os casos de cancro serem influenciados por fatores que podem ser controlados, como, por exemplo, o tabaco, o sol, a obesidade ou a falta de exercício, cerca de 10% têm uma origem claramente hereditária.
Por exemplo, independentemente da região do mundo onde vivam, as mulheres afro-americanas padecem de formas mais agressivas de cancro da mama e os homens afro-americanos têm o dobro do risco de desenvolver um cancro da próstata. O cancro da mama ocorre com maior frequência entre havaianas e japonesas do que em outras etnias.
Ainda não descobrimos quais os genes que podem explicar estas diferenças. Possivelmente, a predisposição genética é mais importante em alguns cancros do que noutros. Por exemplo, calcula-se que o facto de um parente de primeiro grau ter tido um cancro da mama duplica o risco de padecer da doença.”
Como se pode prevenir o cancro?
“Como grande parte das causas do cancro está relacionada com fatores externos, é fácil entender que uma estratégia muito eficaz para controlá-lo seja a prevenção. Evitar expormo-nos ao que já sabemos com certeza que pode provocar cancro tem um impacto muito mais importante na esperança de vida de uma pessoa do que qualquer tratamento que se possa aplicar quando um tumor já tiver aparecido. Naturalmente, isso nem sempre é possível, já que não está nas nossas mãos incidir sobre alguns destes fatores. No entanto, há alguns que podemos evitar.
Os 14 fatores com que toda a gente concorda que têm um impacto significativo sobre o risco de sofrer um cancro e, portanto, que se devem evitar ao máximo são:
— O tabaco
— A obesidade
— Uma dieta pobre em fruta e legumes
— O álcool
— Certos trabalhos
— O sol e as máquinas de raios UVA
— Certas infeções (as principais são o VPH e as hepatites)
— Uma dieta demasiado rica em carne vermelha (vitela, porco, borrego) ou processada
— A radiação
— Uma dieta baixa em fibra (menos de 23 gramas diários)
— Um estilo de vida sedentário (menos de 150 minutos semanais de atividade moderada)
— Amamentar durante menos de seis meses quando se é mãe
— Uma dieta excessivamente rica em sal
— Certos tratamentos hormonais
Recordemos que o cancro é comparável a uma lotaria: quanto menos bilhetes comprarmos, menos probabilidades teremos de ganhar. Todos temos uma quantidade fixa de bilhetes à nascença (a nossa predisposição), e o acaso ir-nos-á oferecendo mais ao longo da nossa vida, e isso é algo que não podemos evitar. O que podemos fazer é não aumentar ainda mais a nossa coleção.”
Algum dia será possível curar o cancro?
“O tempo em que vivemos é o da transição entre um passado ainda recente em que a doença equivalia a uma sentença de morte e um futuro cada vez mais próximo em que o cancro será controlável e a maioria dos pacientes poderá sobreviver sem ele. De momento, temos meio caminho andado. Já não se fala dele como a ‘doença feia’, como diziam os nossos avós, e muitas vezes é possível curá-lo, mas continua a haver muitos casos, quase metade, para os quais ainda estamos à procura da maneira de reverter ou interromper o processo.
No caso dos tratamentos contra o cancro, podemos dizer que as coisas melhoram de forma lenta mas inexorável. Cada ano aumenta a percentagem de sobreviventes, e no caso de alguns cancros os números são tão elevados que já falta pouco para afirmarmos que os temos totalmente sob controlo. Os avanços na investigação dão-nos motivos para acreditar que, quando a primeira geração nascida no século XXI for confrontada com o cancro, irá fazê-lo com prognósticos muito mais otimistas do que os que temos atualmente.
Há motivos para sermos otimistas. Embora não o curemos totalmente, pelo menos podemos evitar que o cancro mate. Como a grande maioria dos casos aparece no último terço de vida, trata-se de encontrar a maneira de travar o seu avanço durante algumas décadas. Com os conhecimentos que temos hoje em dia, não nos parece assim tão descabido.
Agora custa-nos recordar que, durante muito tempo, os pesadelos no campo da saúde não eram o cancro e a hipertensão, mas sim a varíola ou a tuberculose. Mais cedo ou mais tarde, haveremos de falar do cancro como agora falamos dessas doenças, que para nós já são coisa do passado.”