Poucas coisas são mais fascinantes (e complexas) do que o cérebro humano. O órgão cinzento que todos temos nas nossas cabeças foi o que construiu tudo aquilo que vemos à nossa volta e damos por garantido — dos prédios aos carros, passando pelas estradas e pelas empresas nas quais trabalhamos. Tudo foi ideia de um cérebro.
Por isso mesmo é que não são raras as vezes em que nos debruçamos sobre ele. Por exemplo, este ano, a Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, organizou uma exposição dedicada ao cérebro.
Mais recentemente, a 14 de junho, foi lançado “Cérebro — Manual do Utilizador”, do jornalista italiano Marco Magrini, que é especializado em ciência. Em Portugal é uma edição da Desassossego e está à venda por 15,93€.
O livro explica como funciona o nosso cérebro, que partes executam que processos e o que podemos fazer para termos uma mente saudável. Além disso, desconstrói uma série de mitos, sejam por causa de filmes com pouco rigor científico ou lugares comuns sem qualquer fundamento. A NiT escolheu cinco para exemplificar.
Mito 1: Um dano no cérebro não se repara, os neurónios não renascem: droga e álcool matam-no
“O facto de os neurónios (ao contrário de todas as outras células) nascerem e morrerem juntamente com o utente do cérebro levou a acreditar que as células nervosas, e as suas sinapses, são algo estático, se não predeterminado. Pelo contrário, graças à sua inata plasticidade, o cérebro é capaz de reativar ou reinstalar conexões interrompidas e por vezes áreas inteiras isoladas por um trauma. Está demonstrado que pelo menos nos hipocampos (talvez também nos gânglios da base) alguns neurónios continuam a nascer também na idade adulta. As drogas que, consoante a molécula, podem ser capazes de tornar o sistema de recompensa completamente refém não produzem ‘buracos’ no cérebro, como alguém sugere. E o álcool, que, como já saberá, interfere alegremente com a neurotransmissão, não ‘mata os neurónios’ como alguns afirmam: todos sobrevivem à bebedeira.”
Mito 2: Palavras cruzadas e sudoku mantêm o cérebro em forma
“Não, não basta. Os enigmas ou os programas de software publicitados como uma defesa contra o envelhecimento cerebral aumentam simplesmente a capacidade de resolver palavras cruzadas e quiz, são um teste para a memória, mas não aumentam a inteligência. É certamente útil fazê-los, basta não pensar que são uma panaceia. Aprender continuamente coisas novas, fora da sua zona de conforto, é provavelmente mais eficaz.”
Mito 3: O cérebro é utilizado apenas a dez por cento
“Hollywood consagrou uma velha lenda metropolitana com o filme ‘Lucy’, no qual Scarlett Johansson toma por engano uma enorme dose de fármacos nootrópicos e a sua inteligência cresce de hora a hora, até a dotar de telepatia, telecinesia e teletransporte mental. Fantasias. A verdade é que o cérebro humano já está empenhado a 100 por cento em fazer funcionar o ser humano total: a respiração, a batida cardíaca, a pressão, a digestão, o movimento, o equilíbrio, o pensamento, a planificação futura e assim por diante. Ver televisão a comer batatas fritas — que poderia parecer o auge do ‘não fazer nada’ — na realidade comporta um trabalho neuronal de todo o respeito. Mesmo durante o sono, o cérebro está plenamente ativo. Esta história dos dez por cento é a anedota do século.”
Mito 4: Há quem possa ler a mente ou usar perceções extrassensoriais
“O mito, que se acendeu nos anos 30 do século XX, consiste em considerar o cérebro capaz de perceções que não chegam dos sentidos, mas que são produzidas pela própria mente: da intuição infalível à clarividência, até à telepatia e mesmo à telecinesia (a capacidade de mover objetos com o pensamento). A ciência, a atividade humana que se ocupa de perceber a natureza com observações verificáveis e repetíveis, exclui que exista aí algo de verdade. Mas há quem esteja convencido do contrário, mesmo nas altas esferas. É muito instrutiva a história daquele grupo de ‘espiões psíquicos’ organizado pela CIA durante a Guerra Fria, para experimentar soluções militares baseadas no pensamento.”
Mito 5: Quem usa mais o hemisfério esquerdo tem propensão para a lógica, quem usa mais o direito tem propensão para a criatividade
“Sabemos já desde os anos 60 que os dois hemisférios desenvolvem algumas funções cerebrais diferentes, com uma preferência pela linguagem à esquerda e para as informações espaciais à direita. Mas os dois hemisférios estão intimamente ligados pela autoestrada do corpo caloso e o cérebro opera como uma coisa única, não duas. A ideia de que cada cérebro está mais dependente do hemisfério da direita ou da esquerda — para justificar as inclinações pessoais para a ordem lógica ou para a desordem criativa — ainda sobrevive, mas está totalmente desacreditada. Um estudo de 2012 demonstrou que o pensamento criativo envolve eletroquimicamente todo o encéfalo.”