Cinema
A vida do israelita que manda nos Cinema City (e que foi dono do King)
Eyal Edery e o pai, Leon, são os responsáveis pela empresa familiar que está em Portugal há mais de 30 anos. Conhecem estrelas de Hollywood como Steven Spielberg e George Clooney e tentaram comprar o Cinema São Jorge e o Parque Mayer.
Eyal Edery é o herdeiro da empresa em Portugal
Têm 47 salas de cinema em Portugal e construíram o icónico cinema King, em Lisboa, além de terem sido responsáveis por espaços como o Palácio do Gelo, em Viseu. Os Edery são de Israel mas têm uma grande ligação com Portugal — os seus antepassados judeus mudaram-se do País para Inglaterra há 400 anos.
Quem comanda o império dos Cinema City em Portugal é Eyal Edery, com 43 anos, filho de Leon Edery, o responsável pela empresa que tem 98 salas em Israel, além de uma produtora de filmes, a United King Films, que deu nome ao King.
“Eu quase nasci no cinema. Uma das primeiras memórias que tenho é estar na casa da minha avó e o meu pai fazer para nós a projeção do filme ‘Febre de Sábado à Noite’”, conta à NiT Eyal Edery, que na altura tinha quatro anos.
Não demorou muito para que começasse a trabalhar em cinemas, da empresa da família e não só. Fez de tudo: cortou bilhetes, colou cartazes publicitários, vendeu pipocas e foi projecionista. Mais tarde, trabalhou num laboratório que duplicava cassetes e na construção de várias salas. Hoje está em Portugal, onde vive há 15 anos e gere os Cinema City do Campo Pequeno, Alvalade, Beloura, Leiria, e dos Alegro de Setúbal e Alfragide. A mulher, com quem tem quatro filhos, é a responsável pelos bares dos espaços.
Apesar disso, não costuma ficar muito tempo seguido em Portugal. Todos os anos vai aos festivais de Cannes, Veneza, Berlim ou Milão, entre outros. Foi lá que conheceu o seu realizador favorito, Steven Spielberg, ou estrelas como Natalie Portman, Javier Bardem e George Clooney, o ator que mais gostou de conhecer. Aquele que mais o desiludiu foi Matthew McConaughey.
“Foi pouco acessível e não fiquei com boa impressão dele, não queria tirar uma foto. Compreendo, eles também são pessoas e têm os seus problemas. Mas foi o trabalho que eles escolheram.”
É nesses encontros que acaba por conhecer os filmes que vão ser exibidos nos seus cinemas no ano seguinte. “A parte mais difícil que tenho de fazer é sentar-me em frente a um realizador e dizer-lhe o que acho do seu filme, se vai funcionar ou não. Pode ser um bom filme, artisticamente, mas não vender nada.”
Eyal Edery com o ator Javier Bardem
É ali que se escolhe que filmes vão ter e onde são pagos os direitos de distribuição. “É mais ou menos um casino, porque não sabes exatamente o que vai sair dali.” Tudo é analisado ao pormenor: do argumento à equipa de produção, passando pelo elenco e os estúdios envolvidos.
Eyal Edery já teve boas surpresas e desilusões terríveis. “Por exemplo, no filme francês ‘Que Mal Fiz Eu a Deus?’ foi-me pedido um valor que me pareceu demasiado arriscado, mas no final resultou.” Por outro lado, há filmes que são promissores mas que se tornam autênticos pesadelos. “O ‘Rush — Duelo de Rivais’ tinha bons atores, uma boa história, um muito bom realizador, para mim foi o melhor filme daquele ano, mas foi um grande flop na bilheteira.”
Eyal Edery e a equipa dos Cinema City também estão muito atentos ao público. O responsável em Portugal pela empresa diz que os espectadores dos cinemas de Leiria e Alfragide preferem filmes de ação, e em Alvalade e no Campo Pequeno os filmes mais vistos são os candidatos aos Óscares. Eyal Edery diz que “80% dos filmes resultam tanto em Portugal como em Israel”, mas que os portugueses preferem filmes de terror, por exemplo. Em Israel funcionam melhor os filmes locais.
“Penso que o cinema português precisa de ficar mais comercial. E, não só em Portugal, também em Israel ou noutros países, há realizadores que só querem contar a sua história sem pensar que, no final, alguém precisa de ver o filme.”
O primeiro filme que Eyal Edery viu no cinema foi “Super-Homem”, em 1978. Tem como grandes favoritos “Os Condenados de Shawshank”, “O Padrinho” e “Matrix” e os seus atores preferidos são Al Pacino e Robert de Niro. Este ano, gostou de “Manchester By The Sea” e até admite que chorou um bocadinho. “Caíram algumas gotas de água no cinema [risos].” No entanto, diz que o mercado português recuperou nos últimos dois anos. “E o cinema é uma das coisas mais baratas para se fazer, se compararmos com futebol, teatro ou concertos — o preço médio é 5€ por bilhete em Portugal.”
“Estamos sempre a analisar novos projetos em Portugal. O nosso objetivo é continuar a crescer. Em qualquer país que eu ande, tento sempre ir a um ou dois cinemas só para ver se tem coisas novas ou diferentes. Acho que, em geral, os cinemas em Portugal têm muito boas condições. Estive em Espanha nalguns cinemas novos que parecem ter sido construídos há 20 anos.”
O CinemaCity é, de forma assumida, o legado do King. “Quando foi aberto, no início dos anos 80, o King era inovador, o primeiro multiplex em Portugal.” O cinema tinha três salas e ficava num espaço que tinha pertencido ao Cinema Vox. Em 1990 foi vendido à Medeia Filmes, do produtor português Paulo Branco. Encerrou de vez em 2014.
“Depois tentámos comprar o São Jorge”, diz à NiT o pai de Eyal, Leon Edery. Foi ele que fundou a empresa com o irmão, Moshe. “Tinha um acordo para comprar o edifício, mas a câmara demorava sempre imenso a responder, foi muito complicado, era sempre amanhã, amanhã, amanhã. Nunca chegou a acontecer.”
Eyal Edery com o pai, Leon
Outro projeto que ficou pelo caminho também foi dificultado pela Câmara Municipal de Lisboa, quando o presidente da autarquia era João Soares, no final dos anos 90 e início dos 2000.
“Queríamos abrir um grande espaço em Lisboa com 20 ou 30 salas de cinema, teatro e uma grande zona de animação. Iria ficar no Parque Mayer, perto da Avenida da Liberdade.”
Tal como o filho, Leon, hoje com 68 anos, trabalhou no cinema desde jovem. Começou aos 12 anos como projecionista num dos dois únicos cinemas que existiam na cidade onde vivia, em Tânger, Marrocos, que na altura era uma colónia francesa. Viveu até 2010 em Portugal, apesar de fazer várias viagens por mês a França, onde tinha vivido, ou em Israel, e ainda tem uma casa em Lisboa. “Sempre quis pôr os meus filhos na área do cinema.”
Os projetos para o futuro da família Edery passam por investir no cinema português. A primeira experiência aconteceu em 2009, com a produção de um documentário sobre Amália Rodrigues, “Com Que Voz”, que teve bons resultados na bilheteira.