António Ribeiro vivia no número 4 da Rua Gonçalves Crespo, uma perpendicular à Rua do Conde de Redondo, em Lisboa. A sua casa ficava no primeiro andar. Foi para lá que se mudou quando regressou de Amesterdão, na Holanda, onde tinha trabalhado como barbeiro e tentado ter uma carreira na música em inglês, mas sem qualquer sucesso.
Para as filmagens de “Variações”, João Maia conseguiu, através de uma amiga, o número de telefone de uma senhora idosa que vivia no quinto andar do prédio e que tinha sido vizinha de António Variações.
“Tentámos ter os locais mais realistas possíveis. Filmámos no mesmo prédio, mas ele morava no primeiro andar e a casa estava reabilitada. Por isso filmámos no terceiro. No quinto, onde morava aquela senhora, filmámos o hall de entrada, que era igualzinho à época. Mas o resto da casa não dava. Foi essa senhora que me pôs em contacto com os outros moradores todos e fomos ver as casas que poderiam dar para filmar.”
O prédio de Variações em Lisboa.
João Maia explica que, apesar de já terem passado 35 anos da sua morte — morreu aos 39 anos, vítima de SIDA, algo que é retratado no filme — todos os vizinhos sabiam que António Variações tinha vivido naquele prédio.
Quando viu a casa do terceiro andar, percebeu que tinha de ser aquela — era a única com as janelas e outros acabamentos ainda em madeira. “Havia fotografias de como era a casa dele e replicámos as coisas do quarto e da sala. Houve algumas reportagens jornalísticas que foram feitas na altura em que ele abriu a porta de casa. E o quarto cor-de-rosa também foi onde ele tirou as fotografias, julgo eu, da capa do ‘Estou Além’.” Houve algumas cenas exteriores, como aquela em que Variações dá autógrafos na rua, que também foram gravadas na Rua Gonçalves Crespo em frente do edifício.
Outro dos locais que teria necessariamente que entrar na história era a sua barbearia. Variações trabalhou em várias, mas quando regressou de Amesterdão abriu a própria no número 82 da Rua de São José. Atualmente, é um mini mercado e frutaria.
“Apesar de ser um mini mercado, toda a gente sabe que era a barbearia dele. O senhor, o dono, tem muito orgulho nisso. Ainda fizemos um orçamento para tentar filmar lá: tirar o supermercado, pôr uma barbearia e voltar a pôr o supermercado, mas era incomportável.”
João Maia diz que nem lhe pediram dinheiro para fechar a loja, que os donos fechavam sempre uma semana por ano e que podiam fazer para coincidir com a semana de gravações. “O senhor é de origem goesa e disse-me uma coisa com que fiquei muito comovido: ‘Gostava de fazer alguma coisa pela cultura do país que me acolheu’.”
João Maia quer fazer este filme há mais de 15 anos.
De qualquer forma, não foi possível retirar todas as paredes de pladur e as prateleiras para montar de raiz uma barbearia. O passo seguinte foi tentar encontrar uma pequena barbearia de bairro que pudesse servir de cenário, mas foi complicado.
“Não foi nada fácil encontrar porque as barbearias agora estão na moda e parece que são todas muito parecidas. Todas têm aqueles sinais à porta, todas com o mesmo ar…” Acabaram por descobrir uma, por acaso, junto do Largo do Intendente, já no início das gravações — porque outras das cenas foram filmadas mesmo ali ao lado, na Casa Independente.
A primeira cena naquele espaço foi gravada com a barbearia tal qual ela existe — é ali que António Variações descobre o espaço e está a pensar comprá-lo antes de o remodelar. Depois, a equipa de decoração teve de pintar o espaço (um pouco mais pequeno que o original) e mudar o fundo da barbearia para ser em madeira.
“Foi um dos décors mais difíceis, estava desesperado para encontrar uma barbearia, não conseguia encontrar. Depois tivemos de levar adereços como objetos de art déco, móveis ou manequins como aqueles das lojas de roupa. No final, tivemos de repor tudo como estava.”
Outro sítio que foi essencial para retratar esta história — e que, ao contrário dos outros, não teve de ser alterado — foi o icónico restaurante Bota Alta, no Bairro Alto, que é considerado pela autarquia como uma Loja com História.
O Bota Alta fica mesmo em frente ao local onde era o Frágil.
Foi nesse restaurante, que ficava mesmo em frente do Frágil, que António Variações se reencontrou com Fernando Ataíde (amante e amigo de longa data), depois de voltar de Amesterdão, e com a sua mulher Rosa Maria.
Rosa Maria, que no filme é interpretada por Victoria Guerra, ainda está viva e foi ela que contou a João Maia que tinha conhecido Variações naquele restaurante de comida portuguesa, onde eram clientes regulares na época.
“E foi aqui que o Fernando Ataíde e a Rosa Maria souberam pela primeira vez dos planos do António para tentar ser cantor, embora ele não soubesse música. Gostei muito de ter vindo aqui, está igual desde que me lembro. Quando era jovem também passava aqui, o Frágil é mesmo em frente.”
O atual dono do Bota Alta nem 20 anos tinha mas nessa altura já trabalhava no restaurante, que era um negócio da família. Lembra-se de ver António Variações a jantar por lá. Para as gravações, só retiraram algumas mesas para mudar a disposição do espaço.
“A cena passa-se à noite mas começámos a gravar às 8h30. Tapámos as janelas com flanelas e eles estavam a comer carne de porco à alentejana, foi um pequeno-almoço diferente [risos]. Logisticamente foi um sítio muito complicado, porque no Bairro Alto é difícil de ter carrinhas, a equipa teve de trazer o material todo à mão a pé desde o Príncipe Real.”
A poucos minutos a pé fica a discoteca Trumps, que foi aberta por Fernando Ataíde e Rosa Maria em 1981. “O Trumps foi o princípio da movida do Bairro Alto, que deu origem ao Frágil, à Loja da Atalaia e todas essas coisas. O Trumps foi um bocadinho o princípio disso tudo. Tinha os melhores DJ, o melhor público, e foi aqui que o Variações deu o primeiro concerto de sempre.”
Antes de ser uma discoteca, era um restaurante de Ataíde e de um grupo de amigos sócios, que tinham vários negócios juntos, incluindo um cabeleireiro conhecido onde Variações tinha trabalhado — foi lá, aliás, que ele conheceu Fernando Ataíde.
“Tinha de ser filmado aqui. Eles [os donos atuais do Trumps] são muito simpáticos e cientes da sua história, sabem quem é a Rosa Maria e que o António Variações faz parte do legado — e o espaço está praticamente igual, é uma discoteca pequenina. Quem esteve nesse concerto do Variações diz que ninguém esqueceu. Foi realmente um happening em Lisboa. O António esteve anos para conseguir gravar o primeiro disco, mas depois de ter feito este concerto entrou em estúdio para gravar o ‘Estou Além’, o seu primeiro single. Foi um momento muito importante da carreira dele.”
O Trumps foi inaugurado em 1981.
A cena final do filme, em que as enfermeiras estão a ouvir António Variações a cantar na casa de banho, foi gravada no antigo hospital Miguel Bombarda. Também houve cenas filmadas em Pilar, a sua aldeia no concelho de Amares, no Minho.
O filme estreia a 22 de agosto e João Maia confessa que está “ansioso” para saber como vai correr. “Tenho reparado que há muita ansiedade à volta deste filme e estou muito contente com isso.”
O buzz também se tornou maior depois dos concertos da banda Variações, com o ator Sérgio Praia a interpretar a personagem, no NOS Alive.
“Fiz muita força para terem apostado nesta banda, porque vi o entusiasmo que os músicos tinham a tocar e a gravar, e o Sérgio a cantar… e nas filmagens é sempre tudo muito curtinho, aos bocadinhos. Fazia sentido aproveitar os arranjos que o Armando tinha feito e fazê-los divertir-se um pouco, além de lançar a banda sonora. Mas sentiu-se nas filmagens. Quando a banda tocava e o Sérgio cantava, os figurantes que lá estavam ficavam muito entusiasmados, quase não era preciso dizer nada. Já estavam animados naturalmente.”
Tal como Sérgio Praia já tinha contado à NiT, João Maia explica que queria um ator que pudesse cantar.
“A ideia sempre foi ter um ator que cantasse, em vez de estar a fazer playbacks. Queria alguém que gostasse de cantar e se esforçasse por cantar, mesmo não sendo um cantor, que era precisamente o que acontecia com o Variações, quando começou. Não era profissional, era um cantor amador. O Variações ainda é uma pessoa muito querida em Portugal e espero que este filme também faça alguma coisa para isso continuar.”
Leia ainda a reportagem da NiT nos bastidores da banda Variações no NOS Alive.