Quando Joe Chandler (Kyle Chandler) morre, o irmão mais novo, Lee (Casey Affleck), tem de regressar a casa para tomar conta do sobrinho. Se resumirmos “Manchester by the Sea” numa frase, será mais ou menos isto. Mas não se deixe enganar pela sinopse, este é um dos melhores filmes que chegaram aos cinemas nos últimos meses.
Fala-se dele desde janeiro de 2016, altura em que estreou no Festival de Cinema de Sundance, e há todos os motivos para isso. Esta é uma história sobre dor e perda, mas também é realista e divertida — porque, tal como na vida real, os momentos insólitos acontecem até nas situações mais negras.
Depois de uma tragédia pessoal que o levou a deixar tudo para trás, Lee Chandler é porteiro em Boston, ganha o ordenado mínimo, arranja canos, despeja caixotes do lixo e a sua inexpressividade equivale ao vazio da cave onde mora. Ele vive assim porque quer, numa espécie de castigo que o próprio se impôs depois do que aconteceu no passado.
O que aconteceu vai sendo revelado aos poucos, através de flashbacks, e é mais dramático do que qualquer coisa que possamos ir imaginando até meio do filme. Ao mesmo tempo é tão real e próximo que é impossível não nos colocarmos na pele desta personagem — e isso ainda é mais assustador. Se Casey Affleck não tem aqui o melhor papel da sua carreira, está muito perto disso. Lee parece adormecido no seu dia a dia sem propósito, na sua vida sem significado — que contrasta com as imagens do passado com a mulher, Randi (Michelle Williams), e os três filhos. Ele já foi um homem divertido, quase infantil, e agora não podia estar mais longe disso. Com ele carrega uma perda que nunca, nunca mesmo, poderá ser esquecida ou ultrapassada. Quando é forçado a regressar à localidade de Manchester-by-the-Sea, depois de irmão o designar no testamento como tutor do filho, são visíveis os conflitos interiores que ele tanto faz por esconder.
Kenneth Lonergan criou esta história a partir de uma ideia que Matt Damon e John Krasinski lhe apresentaram
Aqui há um funeral para tratar, um negócio para trespassar e futuros para decidir. E depois há tudo o resto, as banalidades da vida em geral que não param nem quando alguém morre e que dão o tom cómico, embora nunca exagerado, ao filme. Patrick (interpretado pelo cada vez mais competente Lucas Hedges, de “Moonrise Kingdom” e “Matem o Mensageiro”) é um adolescente com as hormonas aos saltos, que quer envolver-se com duas colegas e que continua a ter ensaios da sua banda. Porque é que esta personagem não está a chorar pelos cantos? Porque a morte do pai, diagnosticado com um problema de coração, já era esperada. Ainda assim, a dor está lá e é tão angustiante que suga os espectadores para esta história incrivelmente bem escrita e realizada por Kenneth Lonergan, o realizador que escolhe sempre personagens banais com vidas aparentemente desinteressantes (como em “Podes Contar Comigo”, de 2000, ou em “Margaret”, de 2011).
Isto leva-nos a Joe, ou Kyle Chandler, que aparece tão pouco e, por isso mesmo, faz tanta falta. Ele era o membro reconfortante da família, a figura paternal que conseguia brincar mesmo quando o mundo lhe caía em cima. As mulheres são secundárias nesta narrativa mas nem por isso menos importantes. Michelle Williams (que já não fazia um filme desde 2014), Randi, a ex-mulher de Lee, é responsável por um dos momentos mais intensos e poderosos do filme, quando finalmente fica cara a cara com ele.
“Manchester by the Sea” tem 2h17 mas o filme não é demasiado grande, não se olha para o relógio uma única vez porque estamos sempre focados em perceber como é que estas personagens vão resolver a sua vida (e a imaginar como nós próprios reagiríamos). Os diálogos não são poéticos, por vezes parecem até improvisados e atropelam-se. A música chega a estar num volume demasiado elevado em cenas que já são suficientemente dramáticas mas, no final, tudo isso é propositado. Kenneth Lonergan criou esta história a partir de uma ideia que Matt Damon e John Krasinski lhe apresentaram — aliás, deviam ter sido eles os protagonistas, mas as suas agendas acabaram por não coincidir — e nunca quis que ela fosse perfeita.
“Manchester by the Sea” não é um blockbuster de Hollywood, é pouco provável que ganhe o Óscar de Melhor Filme do Ano (embora seja uma injustiça se não fizer parte dos nomeados) e o final pode deixá-lo desconsolado. Contudo, é uma história real e nem todas as histórias reais têm um final feliz.