Cinema
Os bastidores de “Fátima”, o filme que teve peregrinações a sério e muitas dores no corpo
Cada uma das 11 atrizes integrou um grupo até ao santuário, houve relatórios diários ao realizador João Canijo e muitas alheiras de Vinhais. Cleia Almeida, uma das protagonistas, conta tudo.
Cleia Almeida, segunda da esquerda, estava grávida quando se juntou ao filme
11 atrizes, dois meses de filmagens, dois anos e meio de preparação. “Fátima” estreia esta quinta-feira, 27 de abril, e conta a história da peregrinação de um grupo de mulheres até ao santuário em maio de 2016.
O ponto de partida é Vinhais, no distrito de Bragança. São cerca de 400 quilómetros até Fátima e o facto de ser a caminhada mais longa do País foi uma das razões que levou João Canijo a escolher o percurso.
Desde que as câmaras começaram a filmar até à última cena passaram cerca de dois meses mas a preparação para “Fátima” foi bem mais longa. Antes, em 2014, já todas as atrizes tinham feito uma peregrinação real, partindo de vários pontos de Portugal, e passado vários meses a viver em Vinhais. Instaladas em casas locais, ganharam o sotaque e tiveram empregos inseridos na comunidade. Cleia Almeida, uma das protagonistas, trabalhou na creche e percebeu o que era realmente viver como Fátima, a sua personagem.
O realizador teve a ideia para o filme durante uma peregrinação que o próprio fez em 2011, apesar de não ser católico. Nessa altura, tinha planos para “Fátima” avançar logo, contou ao jornal “Observador”.
A crise adiou-o mas tudo acabou por se conjugar, já que a estreia acontece a poucas semanas da visita do Papa Francisco a Portugal. Ainda assim, a religião nem sequer é o tema principal da história, que se foca essencialmente na relação entre estas mulheres.
A NiT falou com Cleia Almeida e conta-lhe tudo sobre os relatórios diários que ela fazia ao realizador, o que se comia durante as filmagens e a série que vai estrear na RTP1.
As peregrinações
Tudo começou em 2014 com uma conversa com o realizador, João Canijo, já depois de escolhidas as atrizes. De seguida, cada uma delas foi inserida num grupo de peregrinos para fazer uma peregrinação até Fátima a 13 de outubro desse ano. Umas, como Rita Blanco, partiram de Reguengos de Monsaraz, outras de Vinhais. Cleia Almeida, que interpreta Fátima na história, saiu da Ericeira — não em maio, porque nessa altura estava grávida de oito meses, mas em outubro.
A parte física era dura mas havia sempre alguém da produção do filme para dar apoio. Um dia, a atriz chegou a pedir que lhe levassem colchões mais moles porque as noites eram passadas em corporações de bombeiros ou armazéns e era mesmo imprescindível descansar bem para o dia seguinte.
Houve bolhas, claro, e muitas dores no corpo. Contudo, para ela o mais duro foi mesmo o lado emocional. “Não aguentava as saudades da minha filha, que era muito pequena. Liguei ao João [Canijo] a chorar e acho que, a dada altura, todas [as atrizes] ligámos a fazer o mesmo.”
Todos os dias, além do que estava a viver emocionalmente, tinha uma tarefa: fazer relatórios de voz no telemóvel que enviava ao realizador.
A experiência traz também um “conhecimento profundo das pessoas”, diz Cleia Almeida, que fez amigos no caminho que ainda hoje mantém. “A Tita Alves levou-me da Ericeira até Fátima. Não posso dizer que somos melhores amigas, que nos vemos todos os dias, mas ficámos ligadas para sempre.”
Rita Blanco e Márcia Breia fazem parte do elenco (foto de Midas Filmes)
A sensação de chegar a Fátima
Cleia Almeida garante que toda a preparação para o filme não mudou a sua fé mas mostrou-lhe o que une as pessoas. “Eu sou católica mas, mesmo não sendo, chegar a Fátima e ver milhões é emocionante. As pessoas não estão só ali pelo desespero, estão para agradecer, estão para pedir algo melhor e isso é muito bonito.”
Ainda assim, a sua experiência não foi totalmente pacífica. “Tenho pânico de multidões, odeio ir a concertos por isso. Não é que me sinta mal mas não gosto, foi preciso mentalizar-me que era trabalho e que tinha de ser.”
A vida em Vinhais
No início de 2016 as atrizes mudaram-se para Vinhais, onde ficaram a viver alguns meses. Ficaram instaladas em casas locais, geralmente em grupos de duas, preparavam as suas refeições e usavam o forno a lenha. De manhã tinham empregos — Cleia Almeida trabalhava na creche — e à tarde ensaiavam.
“Fomos para lá porque precisávamos de aprender o sotaque e de estarmos todas juntas para adensar as personagens”, conta a atriz à NiT. Deixou o marido e a filha em Lisboa mas todos os fins de semana metia-se no carro ou no comboio para estar com eles. Toda a equipa adorou a localidade e “o João Canijo até quer comprar lá casa”.
A construção das personagens
Mais do que um filme sobre religião, “Fátima” é sobre relações, mais concretamente a interação de um grupo grande de mulheres. As personagens estavam delineadas mas o elenco também contribuiu com ideias e sugestões para os respetivos papéis.
“Neste filme eu disse que gostava de ser mais irritante, ser um ponto de rutura.” E Fátima é isso mesmo, até quando a discussão ou a dificuldade não lhe diz respeito, a presença dela está sempre lá.
Cleia Almeida e Rita Blanco transportaram também para o grupo de trabalho as missões das mulheres que representavam, Fátima e Ana Maria, e o papel fulcral de manter o grupo animado.
“Elas já tinham ido mais vezes a Fátima e entendiam qual era o estado de espírito. Tinham a obrigação de estar mais animadas e de puxar por todas.”
As filmagens
Depois das respetivas peregrinações, as 11 atrizes juntaram-se para uma caminhada em conjunto de Bragança até Fátima. “Fazíamos cinco ou seis quilómetros por dia.” Havia também muitas conversas e interação, para perceber onde havia fricções que podiam ser integradas na história.
Durante as filmagens havia dias de cenas em acampamentos e outros a andar — nesses casos eram cerca de dois quilómetros e não mais porque era preciso repetir cenas, descansar e recomeçar tudo outra vez.
“Na rodagem, posso dizer que fomos muito bem tratados. Ficámos em hotéis maravilhosos, comíamos alheiras de Vinhais e queijo da serra.”
A série da RTP
Os dias eram longos porque havia muita coisa para filmar. Logo aí a RTP revelou ter interesse no projeto e como era impossível mostrar tudo no cinema — “Fátima” tem 2h30 —, foi recolhido o material para uma série. A produção de seis episódios vai chegar ao canal de televisão em outubro e vai aprofundar cada uma das personagens.
“O filme mostra a relação entre elas mas a série vai explicar os motivos que levaram cada uma delas a fazer a peregrinação. No caso da Fátima, o casamento dela não está muito bem.”