É realizador e guionista do aclamado filme de terror “Hereditário” e está em Portugal a convite do festival Motelx, a propósito da estreia do seu novo trabalho “Midsommar – O Ritual“. A NiT entrevistou Ari Aster no hotel Iberostar, em Lisboa, na quarta-feira, 11 de setembro.
O cineasta confessou que está a realizar um desejo antigo, de conhecer Portugal, revelou que a escrita é terapêutica para si, e que não sabe como tirar férias. Ficámos ainda a saber quais são os projetos futuros, as maiores dificuldades das rodagens de “Midsommar – O Ritual” e que personagem o retrata mais.
A produção irá passar em antestreia no festival Motelx no dia 13 de setembro às 21 horas, numa sessão já esgotada — o filme estreia depois nas salas de cinema portuguesas no dia 26. Mas, ainda no festival, poderá assistir a “Hereditário”, no dia 14, às 15h30, numa sessão com a presença do realizador.
Ari Aster estará também presente no Motelx Lab para uma masterclass sobre New Folk Horror no domingo, dia 15, às 17h30. O Motelx decorre de 10 a 15 de setembro, no Cinema São Jorge, em Lisboa. Leia a entrevista da NiT ao cineasta.
Quando é que viu o primeiro filme de terror e qual era?
Não sei dizer qual foi o primeiro. Mas o primeiro que realmente me traumatizou foi o “Carrie”, do Brian De Palma. Vi quando tinha uns 11 anos e afetou-me mesmo muito, aliás não conseguia estar no escuro durante três anos depois. Se tinha de ir à casa de banho durante a noite corria para chegar o mais depressa, porque projetava mentalmente imagens do filme nas paredes.
Acabou por influenciar a sua carreira?
Houve alguns filmes, como esse, que me afetaram muito mas é engraçado porque houve tantos filmes que me fizeram querer ser realizador e nem todos eram de terror, aliás o plano nunca foi fazer um filme de terror. O “Hereditário” surgiu depois de algumas tentativas de outros filmes, um western, um thriller, uma comédia negra. E o “Hereditário” acabou por ser o meu primeiro filme e foi quase uma coincidência o “Midsommar – O Ritual” ser o meu segundo filme, e serem os dois dentro do género do terror. “Midsommar – O Ritual” é menos de terror, é quase um conto de fadas, um conto de fadas muito negro, mas eu sempre quis fazer filmes e sempre foi o meu caminho, por isso qualquer filme que eu tenha adorado foi um tijolo nessa parede que levou a isto.
Esperava um sucesso tão grande com o “Hereditário”?
Eu sou muito neurótico e pessimista por isso nunca espero nenhum sucesso de lado nenhum. Por isso o sucesso é sempre uma boa surpresa. Fiquei extremamente feliz por ver que o “Hereditário” foi tão bem aceite.
E qual é a sua reação a notícias como aquele cinema australiano que passou o trailer do “Hereditário” antes de um filme para crianças e criou o caos?
É cómico. É óptimo para publicidade, mas é só isso. Eu vejo um artigo desses e acho sempre que é clickbait, fico feliz por esse clickbait porque está a publicitar o meu filme mas eu sou cínico em relação a tudo [risos].
E por causa desse sucesso tão grande havia muita pressão para o “Midsommar – O Ritual”?
Estou a sentir a pressão agora. Porque começámos a pré produção antes de o “Hereditário” ter saído. Foram dois anos e meio muito intensos, por isso não consegui ficar preocupado sobre como é que o “Midsommar – O Ritual” iria ser recebido. Agora que está terminado, e estou a pensar no meu terceiro filme, agora sinto que a expetativa está mais alta e estou com mais ansiedade em relação à próxima escolha.
Qual foi a maior dificuldade nesta produção?
Filmar à luz do dia e ter de depender do clima e do sol. Perdemos horas de rodagem, continuidade, perdemos muito tempo por causa dessas variantes.
Ficou exatamente como imaginava? Ou se pudesse mudava algo?
Mudaríamos sempre. Mudaria imensa coisa [risos]. Mas estou contente, claro. Fazer um filme é muito, muito difícil e nunca se tem tempo suficiente, nunca se tem dinheiro suficiente. E fazer um filme é um processo de luto grande porque temos uma ideia e ficamos perto de a concretizar mas depois nunca é exatamente aquilo que imaginámos, mas quanto mais clara for a ideia, mais perto se consegue de eventualmente chegar à sua concretização. Mas é claro que é muito difícil mantermos-nos objetivos, normalmente não sei o que fiz até pelo menos vários meses depois de o filme sair.
Quanto da sua vida pessoal se encontra na história? Sei que também estava a passar por uma separação.
Não sei como colocar isso por palavras. Acho que tudo o que um cineasta faz, desde que não seja uma produção de um grande estúdio, retrata de alguma forma algo sobre si. E sim, escrevi após uma separação e acho que transmiti esses sentimentos pelos quais estava a navegar na altura. Há muito de mim na personagem Dani, interpretada pela Florence Pugh. Está lá também de alguma forma a minha filosofia de vida, assim como o meu pessimismo e neuroses [risos].
Já disse que os seus filmes são catárticos para si. São uma forma de lidar com a ansiedade?
Não sei se fazer filmes cura alguma coisa mas também não piora o meu lado neurótico. A não ser a ansiedade de lançar um filme que é um novo tipo de ansiedade para mim. Não digo que fazer filmes seja terapêutico mas escrevê-los sim, porque estou a tirar coisas do meu sistema e a pôr no papel. Mas quando estou a fazer o filme torna-se menos subjetivo e sinto que não estou tanto a falar comigo mesmo. Nessa altura é articular com toda a equipa e trabalhar com outros artistas para dramatizar algo.
É mais fácil meter medo às pessoas ou fazê-las chorar?
Não sei se nenhuma das duas é fácil. Acho que o truque está em não realizar com essa ideia em mente porque acho que as pessoas são muito resistentes a sentir coisas que estão a ser forçadas, por isso tento só contar a história.
Por vezes há rumores de coisas assustadoras que acontecem nos sets de rodagem de filmes de terror. Aconteceu alguma coisa estranha nas filmagens de algum deles?
Não, nunca aconteceu nada de sobrenatural. Só o normal, todos a entrarem em pânico e stress absoluto por não termos tempo suficiente para fazer tudo.
Saltou de um filme para outro. Não precisará de umas férias?
Eu não sei muito bem como tirar férias. Estar aqui já me dá um pouco a sensação de estar de férias. Estou a tentar aproveitar para ver a minha estadia um pouco como umas férias. Mas mesmo de manhã, por exemplo, quando estou a passear estou a pensar no próximo filme.
O que está a achar de Portugal? É a primeira vez no nosso País?
É a minha primeira vez aqui. Sempre quis vir a Portugal. O meu escritor favorito é Fernando Pessoa. Por isso vir cá sempre foi algo que queria fazer há muito tempo e, quando fui convidado pelo Motelx, pareceu-me a oportunidade perfeita.
Planeia continuar a fazer filmes de terror?
Eventualmente. Eu adoro o género terror, mas acho que o próximo não será um filme de terror mas será negro. Por isso, as pessoas que gostam dos meus filmes provavelmente vão gostar do próximo e as pessoas que não gostam, provavelmente não vão gostar [risos].
O que se segue agora?
Tenho ideias para quatro outros projetos das quais tenho de decidir.