Não houve tempo sequer para desfazer as malas quando regressou de uma viagem à Alemanha, no fim de semana de 17 e 18 de setembro. Assim que aterrou foi para Leiria, onde ficou dois dias sem dormir. Tudo por causa de um ataque informático a uma das suas empresas que nem os melhores engenheiros estavam a conseguir resolver.
“A verdade é que não precisava de estar lá mas um bom líder tem de manter-se no meio da sua equipa”, garante Marco Galinha, um dos dois tubarões novos da segunda temporada de “Shark Tank” — que estreia na SIC este sábado, 24 de setembro, às 23 horas.
Os jurados do programa avaliam e decidem (ou não) investir em novos projetos. O empresário está preparado para perder com as escolhas, mas o programa já lhe deu mais do que negócios.
“Uma das primeiras pessoas que conheci nas gravações, há três meses, era muito vivida, inovadora e criativa. Também perdeu o pai muito novo. Agora está a trabalhar comigo e é o diretor de todo o setor de inovação”, conta à NiT.
A vertente operacional das empresas de Marco Galinha (dos setores informático, de vending machines, máquinas industriais de café, entre outros) está nos distritos de Leiria, Santarém e Coimbra. Em Alfragide, Lisboa, tem um edifício que comprou há cinco anos e onde está o innovation center, “uma área onde fazem coisas novas, com jovens”.
É aí que o empresário recebe a NiT. Está lá desde as seis da manhã, altura em que decidiu experimentar a nova máquina de sumos da cozinha — todos os escritórios têm um espaço de refeições — e fazer o pequeno-almoço. Há já planos também para construir uma suite para os dias em que fica até tarde no trabalho, para evitar horas no trânsito — aliás, já fez o mesmo em todos os seus outros espaços.Atualmente tem uma casa em Lisboa, onde passa metade do seu tempo, mas durante um ano viveu no hotel EPIC SANA. Os restantes dias são em São Martinho do Porto.
É o sétimo de oito irmãos e nasceu às 7 horas de 7/8/77. O 7 é, obviamente, o seu número da sorte. O pai tinha uma fábrica de calçado, a mãe tratava de tudo o resto. Entre os miúdos havia uma diferença de idades tão grande que quase não brincavam juntos mas havia muito para fazer na quinta onde viviam.
“Tratava dos animais, descarregava fardos de palha quando vinham do Alentejo, tudo ligado à agricultura. Andava de bicicleta a toda a hora.”
Foi exatamente uma bicicleta que esteve na origem do primeiro negócio. Aos 12 anos comprou uma velha, recuperou-a e vendeu-a pelo dobro a um amigo, a quem chamavam “pequeno e gordo”, na zona dos Candeeiros, em Rio Maior. Até hoje o comprador não sabe qual foi o lucro — mas provavelmente vai descobrir no vídeo da NiT no qual Marco Galinha conta o primeiro negócio da sua vida.
Depois foi pela primeira vez ao Bingo, na Nazaré, onde estava de férias com os primos e outros familiares. Sorte de principiante ou não, fez logo Bingo. Mas em vez de voltar a jogar, como todos queriam que fizesse, guardou o dinheiro. Com ele comprou mais duas bicicletas, mas desta vez não as vendeu a ninguém.
Não foi só do pai que herdou a veia de empresário, os avós também já tinham trabalhado na indústria do calçado, embora numa dimensão mais pequena. O pai, José Ferreira Galinha jr., fazia exportações e até negócios com exércitos de outros países. Depois do 25 de abril perdeu tudo e nunca recuperou.
“Ele enfrentou talvez das coisas mais terríveis que podem acontecer a um empresário, um incêndio, e na altura não havia seguros. Reconstruiu tudo outra vez, mas uma pessoa nunca recupera verdadeiramente. Ele faleceu muito cedo, com 50 e poucos anos, e os grandes desgostos emocionais destruíram um pouco a felicidade e a alegria que tinha.”
Não chegou a ver o sucesso do filho nos negócios mas ainda assistiu às conquistas no BTT. Marco Galinha chegou a ser campeão nacional e aos 14 anos foi trabalhar para uma empresa de cutelaria para conseguir dinheiro para as bicicletas. Queria investir nas mais caras, mas o pai não deixava. “Já havia ali uma certa cautela para não estragar o dinheiro naquela ilusão.”
O que desejava mesmo era ser atleta de alta competição mas acabou por desistir aos 19 anos. Fê-lo por exigência do Instituto Superior Técnico, onde estudava Engenharia Informática, e de alguns professores, que não entendiam o esforço que também era necessário para o desporto. Foi nessa altura que começou a trabalhar.
Aos 18 anos já tinha muitas poupanças mas um dia, depois do pai morrer, viu o nome dele num jornal, porque tinha sido avalista de um financiamento. Negociou com o banco, liquidou a dívida e ficou sem nada
“Foi durante o bug de 99 para 2000. Ganhava 400 ou 500 contos e foi isso que me fez abandonar precocemente os estudos.”
Nunca chegou a concluir o curso mas não tem remorsos nenhuns, até porque aos 20 anos criou a primeira empresa. Contudo, o processo não foi assim tão simples. Aos 18 já tinha muitas poupanças mas um dia, depois do pai morrer, viu o nome dele num jornal, porque tinha sido avalista de um financiamento. Negociou com o banco, liquidou a dívida e ficou sem nada.
“A minha moral perante uma pessoa séria, que era o meu pai, não era obrigado a pagar mas deu-me uma satisfação enorme ter resolvido aquilo.”
Contou a história a um amigo, que quis repor o dinheiro na conta de Marco Galinha, com a condição de ele pagar mensalidades. Só que pouco tempo depois, ele não quis mais o dinheiro e foi assim que o jurado do “Shark Tank” conseguiu fundar uma empresa de informática, Soluções Bel, com a qual desenvolveu alguns softwares.
“Fui das primeiras pessoas em Portugal a ter um PDA. Eu achava que o futuro ia ser aquilo mas tenho pena de não ter tido mais capacidade para investir.”
No mesmo ano passou temporadas em Las Vegas, chegou a estar lá 15 dias ou três semanas. O que o levou até lá foi um negócio de carros antigos mas ele acabou por aproveitar bem mais. “Pensamos que a cidade é só jogo mas não é, eu não ia para lá para aproveitar o mau que aquilo tinha. Acabei por fazer uma formação da IBM de engenharia.”
Agora o seu volume de negócios ronda os 200 milhões de euros. Às vezes pensa em reduzir e ter uma vida mais calma, mas agora sente-se responsável pelos 300 trabalhadores que tem com ele.
“Já pensei ir viver para o campo mas, na verdade, o que é que ia fazer para o campo?” Raramente se consegue desligar do trabalho, apenas quando vai à ópera ou a um evento do género, mas as plantas que tem no escritório e que costuma tratar, ajudam-no “a descansar a cabeça”.
O mesmo acontece com a bicicleta ao canto da sala, onde é capaz de passar horas. Só nas ruas de Lisboa é que não pedala: “Bicicletas e carros é como água com azeite, não ligam.”
Marco Galinha diz que nunca cometeu uma extravagância monetária como comprar um Porsche — aliás, vai para todo o lado num BMW elétrico e as carrinhas de distribuição das suas empresas têm sido substituídas por veículos semelhantes. A única coisa que coleciona são obras de arte, como pratos centenários que tem na estante atrás da sua secretária. O empresário, que não gosta de esbanjar, ainda não conseguiu esquecer o preço de uma refeição no restaurante Picasso, em Paris.
“Já tive jantares de empresários onde não me senti nada bem. Dessa vez éramos três pessoas, não fui eu que paguei a conta mas custou 1500 dólares [1300€] e ainda hoje me faz confusão.”
Continuar a ter noção da realidade, foi um dos motivos que o levou a integrar o painel de “Shark Tank” — que tem Isabel Neves, João Rafael Koehler, Mário Ferreira e Miguel Ribeiro Ferreira. Também tinha sido convidado na primeira edição, mas recusou por não ter disponibilidade. “O programa ensina-me a sair da cadeira, para ver o que se passa na vida real”, explica à NiT.
É também por isso que faz questão de saber tudo o que se passa nas suas empresas. “Há dois dias houve um assalto à mão armada e não me contaram, para não me preocuparem, mas gosto de saber de tudo para reagirmos depressa.” No total, além do ataque informático, foram 11 assaltos seguidos às carrinhas de distribuição. No entanto, garante, nunca teve receio.
“De nada, era só o que faltava.”
Carregue na imagem acima para conhecer os objetos mais importantes que Marco Galinha tem no escritório e conheça o primeiro negócio dele em NiTtv.