Restaurantes

Vítor Matos: “Era mau. Achava-me superior e não respeitava os outros”

O chef é a Personalidade do Ano para a NiT. Em entrevista, recorda como teve que mudar a forma de ser e de trabalhar, para se tornar no cozinheiro nacional com mais estrelas Michelin.
Tem 48 anos e cinco estrelas Michelin.

“Já fui uma pessoa que não respeitava os outros. Era mau”, recorda dos tempos em que comandava com punho de ferro a cozinha da Casa da Calçada, em Amarante, onde manteve a estrela Michelin. Hoje, olha para trás e percebe qual era o problema. “Achava-me superior.”

Foi quando deixou o espaço que percebeu que tinha errado e quis fazer uma mudança na forma como encarava a profissão e a vida. A maturidade, o respeito e a mudança trouxeram-lhe coisas positivas. Atualmente, gere várias equipas com quase duas centenas de pessoas — e é o chef nacional com mais estrelas Michelin. Sente que, por estes dias, quem trabalha consigo olha para si com outros olhos. “Hoje sou uma pessoa melhor, mais delicada.”

Em 2024, continuou a colher os frutos dessa mudança. Abriu dois restaurantes, perdeu-se no deserto, viajou e, pelo meio, ainda recebeu umas quantas distinções. Se há alguém que teve um ano em cheio, foi sem dúvida Vítor Matos. O chef de 48 anos tornou-se numa máquina de sucessos e acabou por ser o grande eleito pela NiT para o prémio de Personalidade do Ano — precisamente uma das únicas distinções que resulta de uma escolha da revista e não de uma votação aberta ao público.

“Estou genuinamente feliz e orgulhoso. É a primeira vez que recebo um prémio fora do ramo da gastronomia”, admitiu, assim que soube da notícia. “Vivemos da cozinha e estamos sempre rodeados por pessoas do meio, ou que nos visitam nos nossos restaurantes. Esta distinção mostra que chegamos a outras pessoas, a um plano abrangente e social. Mas achei que este tipo de coisas só chegariam quando fosse velhinho”, brinca. “Veio no momento certo da minha vida, para me estimular a fazer mais.”

“Mais” será certamente a palavra do ano para Vítor Matos. O chef, que atualmente gere 11 restaurantes, juntou uns quantos ao portfólio. Abriu o Oculto, no Lince Santa Clara, o Schistó, na Quinta da Vacaria, no Douro e continuou a preparar outra abertura que será inaugurada daqui a uns meses. “Foi um ano de criatividade, em que atingi uma maturidade que ainda não tinha para perceber as pessoas. As coisas foram se encaixando e percebi que posso abrir mais 20 projetos que se forem todos do mesmo calibre, podem receber estrelas, isto porque tenho as pessoas certas comigo e porque sei que não as podemos castrar. Pelo contrário, temos de deixá-las ser criativas e felizes”, assume.

Encontrar o caminho no deserto

Vítor Matos compara a gestão de todos estes espaços a um jogo de Tetris. E nem a dificuldade o impediu de se lançar em novas aventuras. Numa das semanas de férias que decidiu tirar para descansar e conhecer novos sabores, rumou a Marraquexe. Testou várias especiarias para utilizar nos seus restaurantes e aventurou-se pelo deserto, onde acabou perdido.

“Parti com vontade de conhecer novas culturas e à procura de especiarias. Diverti-me a desafiar o meu olfato e a reaprender a importância dos sabores e dos cheiros. Num dos dias decidi alugar uma moto quatro e andar pelo deserto. Estava com GPS e tudo corria bem, até que perdi o sinal e andei perdido durante duas horas. Fiquei com a sensação que estava sozinho no mundo, perdido de tudo. Senti que ia acabar para mim, ali. Mas depois encontrei nómadas que estavam a fazer trilhos e me ajudaram a voltar à estrada. Acabei a beber chá com eles, no meio do deserto, onde não há nada. Foi um dos pontos altos do ano e da minha vida”, conta.

 
 
 
 
 
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O chef reconheceu a simpatia e amabilidade de ajudar o outro e agora pensa até em fazer voluntariado. “Naquele momento voltei a sentir o que é mesmo viver. Às vezes andamos à deriva e perdemo-nos. Pensamos que ter um bom carro, uma boa casa, um bom relógio é que é viver. Estamos totalmente enganados. Viver é encontrarmo-nos a nós próprios e não nos perdemos, como já me aconteceu”, adianta.

De regresso, o empresário “reencontrou-se consigo próprio” e aprendeu a lição. “Só temos uma vida, e isto fez-me ver que se quer aproveitar os restantes anos tenho de pensar mais em mim”. A reflexão leva-o aos momentos menos bons do ano. “Pessoalmente foi muito desgastante”, admite. Vítor Matos diz que não teve tempo para cuidar da saúde e da vida pessoal. “Envolvi-me nos projetos de tal forma que me esqueci que tinha de ter vida e isso vai completamente contra o que acredito. Quero sempre que as minhas equipas tenham vida. Mudamos os horários para permitir que passem tempo de qualidade com a família e esqueci-me de fazer o mesmo.”

Parar é morrer

Parar não é uma opção para o chef, que confirma que 2025 será um ano de mais novidades. Pretende delegar ainda mais tarefas e deixar que os chefs que convidou para liderar as cozinhas “criem, deem o seu toque pessoal e contribuam para os projetos”. “Esta é a chave para o sucesso: dizer-lhes que os restaurantes também são deles, mantê-los motivados e com vontade de evoluir.” Quanto à gestão de tempo, vai continuar a sentar-se, a cada último dia do mês, para organizar a agenda do próximo. “Não consigo estar em todo o lado, mas tento. A minha agenda parece um Tetris onde dedico determinados dias a cada espaço e tenho obrigatoriamente de tirar dois domingos de folga por mês para estar com a família, em casa, sem planos. Adoro fazê-lo.”

Atualmente gere uma equipa com 150 funcionários e garante que não sente a crise de falta de recursos humanos, como se queixam muitos dos seus colegas. “A vida é feita de escolhas. Quando alguém não está bem na minha equipa e quer sair, desejo-lhe apenas a melhor sorte do mundo. No fundo, não queremos ninguém nos projetos que se sintam obrigados a ficar”, sublinha. Vítor Matos escolhe o chef e subchefe do projeto, mas o resto da equipa é escolhida pelos dois. O cozinheiro garante que não “mete nem uma vírgula”. “É a minha equipa que constrói a sua equipa” para que tenham confiança no que estão a fazer. Depois parte da gestão de os manter motivados. “As equipas têm de gostar do que fazem, mas também têm de ter boas condições. Todos têm duas folgas semanais, não fazem horas extras e são aumentados quando o restaurante em que estão, atingem objetivos. Se isso acontecer duas vezes ao ano, o são aumentados duas vezes anos ano. Ninguém gosta de estagnar e o dinheiro também é importante, claro”, refere.

O chef atribui parte do seu sucesso à equipa, mas não se esquece da sorte. “Ninguém fala disto, mas eu tive a sorte de encontrar as pessoas certas, os projetos certos e de ter pessoas na minha vida que me ajudam. O facto de ser muito obstinado também ajuda.” A esta receita para o sucesso acrescenta uma lição que aprendeu há uns anos, em 2017, quando saiu da Casa da Calçada, em Amarante. “Estava completamente obcecado com estrelas na altura e achava que só eu é que tinha razão. No meio disto tudo perdi a minha equipa e percebi que tinha de mudar. Tinha de ser melhor pessoa, mais respeitador. Esse foi o ponto de viragem. A saída da Casa da Calçada foi uma aprendizagem e continua a ser”, recorda.

Os próximos tempos serão dedicados aos restaurantes que já tem— Antiqvvm, 2Monkeys, Blind, Hool, Vidago Palace, Pedras Salgadas, Mosteiro de Santa Clara, Quinta da Vacaria Hotel e Adega da Vacaria — e à sua vida pessoal, ao lado da mulher e das duas filhas. “Tive mais propostas recentemente, mas recusei. Não consigo, a minha vida não me permite. Atingi o nível máximo de projetos. A minha ideia só no futuro é escolher os locais que me possam também dar tempo para eu viver, porque o tempo é muito importante. É preciso só saber gerir o tempo pessoal, o tempo de trabalho, o tempo de viver, o tempo de festejar”, conclui.

Aproveite e leia o artigo da NiT onde lhe contámos a história do chef Vítor Matos.

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