Balões de vidro, colheres em espiral, limões pelo ar, especiarias, salamaleques e malabarismos. Pedir um gin tónico traz consigo uma elevada probabilidade de um bocejo provocado pela longa espera.
Percebemos o apelo: é o refresco ideal e despreocupado para as férias de verão. E a desculpa ideal quando é apanhado a beber álcool ainda o almoço não aterrou no fogão. A verdade é que há quase dois séculos, o gin tónico era bebido num ambiente muito menos hospitaleiro.
Bem-vindo ao Império Britânico, a grande força colonial que tomou para si território atrás de território. No centro do Reino Unido colonial estava a Índia, campo de batalha atormentado por um calor insuportável, inimigos ferozes e doenças que dizimavam companhias inteiras. Entre elas, uma particularmente fatal. A malária.
A doença infecciosa espalhada por mosquitos foi talvez um dos principais rastilhos para a criação da combinação que se tornou tendência na última década. E tudo começou com um dos dois elementos principais.
A tónica
Quinina. Foi esta a arma que os britânicos encontraram para tentar evitar que a malária fizesse desmoronar as ambições do império. A planta medicinal cujos primeiros relatos de uso remontam aos século XVII era bastante conhecida pelas suas propriedades anti-malária. Transformada num pó, foi rapidamente disponibilizada pelo exército britânico às linhas da frente.
Havia, porém, um pequeno problema: esse pó era extremamente amargo. E tudo o que os soldados não precisavam era de um sabor estranho na boca enquanto curavam insolações sob fogo inimigo.
Um pouco de água e açúcar tiveram de servir para disfarçar o sabor. Pelo caminho, a fórmula, tornou-se na forma de superar não só a doença como a desidratação. Os músculos faciais dos soldados continuavam a contorcer-se a cada trago. Nada a fazer. Ou seria mesmo assim?
Entretanto, na capital do império, um homem chamado Joseph Priestley descobria, por um mero acaso, a água gaseificada. A descoberta serviu de pretexto ao sucesso de um tal de Johann Jacob Schweppe, que em 1783 começou a produzir água gaseificada.
A fama chegaria a Londres, onde alguém haveria de juntar dois mais dois: e combinar a quinina milagrosa e a água gaseificada. Estava deslindada a primeira parte da fórmula.
O gin
Antes do gin, reinava o genever. Foram os holandeses que acertaram com a combinação altamente alcoólica feita à base de cereais. Com volumes a rondarem os 50 por cento, foi amenizada com recurso a aromáticos: eis que entra nesta fórmula o célebre zimbro.
Nota importante: por esta altura, as bebidas alcoólicas tinham fama de curar mil e uma maleitas. Não surpreende portanto que se encontrassem garrafas de genever nas prateleiras das farmácias. Dizia-se que aliviava problemas renais, gota e pedras na vesícula. Estas bebidas eram, aliás, mais seguras do que água. Estas já vinham desinfetadas. Nas cidades, a água acarretava um alto risco de contaminação.
Foi nos convés dos navios e nos campos de batalha partilhados por holandeses e ingleses que estes últimos repararam no aliado perfeito. O que é que tornava estes soldados tão valentes e imparáveis? Os britânicos rapidamente descobriram a resposta: uma boa bebedeira patrocinada por uma garrafa de genever.
Ansiosos por um pouco de coragem, os marinheiros levaram a boa nova de volta para o reino e começaram a produzir a bebida com recurso aos cereais que sobravam das produções. Era fácil, rápida e barata de produzir — e podia ser feita com qualquer grão. Nasceu assim o irmão famoso do genever, o gin.
Haveria de se tornar num símbolo britânico promovido pela realeza, especialmente nas disputas com o eterno inimigo francês. Chegou mesmo a ser elevado ao estatuto de adversário do conhaque. Mas com menos requinte. Muito menos requinte.
Nas ruas escuras de Londres, o gin era vendido a preços dez vezes mais baratos do que a cerveja. Era produzido em quantidades quase inesgotáveis — chegaram a ser destilados mais de dois milhões de litros por ano — e rapidamente se tornou na bebida de eleição dos pobres.
Estima-se que no século XVIII, metade dos 15 mil pubs londrinos se dedicavam quase em exclusivo ao gin. A espiral era imparável.
Se Londres vivia a pão e gin. Se os soldados britânicos necessitavam de algo para disfarçar o sabor da amarga quinina. E se essa tal bebida era irmã do líquido que dava “coragem holandesa”, porque não juntar tudo numa espécie de super-poção?
Quinina, gás, gin. Estava encontrada a fórmula mágica que tornaria o exército imparável. Infelizmente, enquanto uns combatiam, outros bebiam.
A ressaca
Reza a história que em 1734, uma mulher chamada Judith Dufour estrangulou o filho de dois anos e vendeu as suas roupas — tudo por uma garrafa da bebida. Chamaram-lhe a Loucura do Gin.
O caos desceu às ruas húmidas e sujas de Londres, onde as classes mais baixas deambulavam de pub em pub, à procura de mais um copo para travar o calor e a miséria. Barato e potente, eram as palavras-chave que tornavam o gin num sucesso absoluto.
O gin do século XVIII não era vendido em garrafas requintadas com nomes pomposos. Era produzido em qualquer recanto, com métodos rudimentares e aditivos perigosos como aguarrás ou ácidos. O resultado era uma bebida áspera, forte e perigosa. Havia relatos de cegueiras provocadas pelos excessos.
O bispo Thomas Wilson chegou mesmo a acusar a bebida de criar “um grupo de bebedos ingovernáveis”. A Loucura do Gin ficou retratada para a eternidade em “Gin Lane” de William Hogarth, que retrata os bairros londrinos completamente arrasados pelo alcoolismo, mães que maltratam os filhos, mortos nas ruas, suicídios.
Perante a destruição, o deboche e o alcoolismo generalizado, o gin foi proibido em 1751. Embora o consumo e as mortes associadas tenham diminuído, os produtores tiveram que recorrer a meios ainda mais clandestinos, o que tornou o gin ainda mais alcoólico, impuro e perigoso.
Eventualmente, o consumo abrandou, as sanções também. E mais de 200 anos depois, o gin tónico conquistou o seu lugar como bebida de requinte. Só não promete curar maleitas.