“Agora é dar a volta olímpica para ver quem tem carapau grande.” O chef João Oliveira já tinha metade das compras feitas. Levava linguado, seis azevias e um quilo de gambas no saco. Faltava-lhe o carapau para o menu que tinha de preparar horas depois no Vista, o restaurante do Bela Vista Hotel & Spa, na Praia da Rocha, o único com estrela Michelin em Portimão. Passámos um dia com o chef na cidade algarvia e tudo começou às nove horas no Mercado Municipal da cidade.
É sempre cinco vezes por semana que faz compras neste mercado. Faz questão de vir e não de enviar um intermediário. A principal razão é que o peixe e marisco são os grandes protagonistas nos menus de degustação que serve no restaurante — só existe um prato de carne e é um dos poucos ingredientes que não são nacionais.
Tirando a pausa de inverno, o Vista, que tem estrela Michelin desde o lançamento do Guia de 2018, abre entre terça-feira e sábado. João Oliveira, 32 anos, chegou ao restaurante em 2015. É desde essa altura que vem quase sempre ao mesmo fornecedor. No Batista e Marreiros já o conhecem, mas foi uma relação que foi construída durante muito tempo.
“De início não conhecia ninguém e tive de me aconselhar com outros chefs amigos da região.” Perguntou se tinham lavagante, mas não estava disponível naquele sábado em que estivemos com o chef. Nada de grave. “Podemos sempre fazer pequenas alterações no menu. Mudamos a proteína, mas mantemos os restantes ingredientes.”
A volta olímpica à zona do peixe no Mercado Municipal de Portimão deu resultado. João Oliveira encontrou os desejados carapaus de tamanho considerável. Passou ainda pela zona das frutas e legumes. “Aqui é um pouco mais caro, mas tem tudo melhor qualidade.” Da Frutaria Célia Gouveia só levou dióspiros. De resto ainda estava tudo em stock.
As compras foram colocadas na carrinha do Bela Vista Hotel & Spa para seguirmos viagem. É o meio de transporte que mais usa durante o ano, mas no verão tem uma alternativa. “Costumo ir de bicicleta de casa até ao hotel.” Demora entre 15 e 20 minutos. O chef até tem um grupo de amigos que se costuma juntar para fazer percursos mais longos em estrada.
A ostra é outro dos produtos estrela do menu que tem no Vista. As que usa chegam da Ostra Select Algarve, uma das maiores produtoras da região. Fica na Ria de Alvor, mas do lado oposto da vila. Para lá chegar é preciso ir até Odiáxere, passar a linha de comboio e um terreno de terra.
“Aqui está também uma das maiores aquaculturas da Europa. Produzem essencialmente robalo e dourada.” O chef é natural de Valongo e quando chegou conhecia pouco da região algarvia — também trabalhou no Vila Joya, em Albufeira. Tal como nos peixes, pediu conselhos sobre que ostras usar. As da Ostra Select Algarve foram as que preferiu.
“Têm quatro hectares de produção aqui na Ria.” Estava tudo coberto por água assim que chegámos. Com o estado na maré não iríamos conseguir ver mais nada neste dia, por isso ficámo-nos por uma explicação do que ali acontece.
Chegam ostras de viveiros em França e são colocados no mar para engordar. Cada saco tem 250 ostras. Por ano são ali produzidas 110 toneladas por ano. Grande percentagem (95 por cento) é enviada para França. O que fica em Portugal é mesmo um número reduzido.
Durante a visita à Ostra Select Algarve, o peixe que o chef comprou na praça ficou no carro. Não podíamos esperar mais, era preciso levá-lo até ao restaurante no antigo palacete de Portimão que data de 1918.
É um pequeno oásis no meio da loucura da construção que se vive na Praia da Rocha. “Quando fui convidado fiquei um pouco reticente, mas depois visitei o projeto e mudei de ideias.” Já depois de deixadas as compras na cozinha, João Oliveira faz-nos uma visita rápida pelo hotel. Paramos na varanda do top com vista para o areal. “É uma pena isto não estar melhor aproveitado. Por exemplo, estão a destruir aqui um palacete como o nosso para construir um hotel como tantos outros.”
Os portões fechados à entrada dão ao Bela Vista a ideia de que parece algo privado visto de fora, mas não tem de ser assim. “Queremos ser diferentes, contudo as pessoas por vezes têm medo de entrar, somos abertos a todos. Podem entrar, vir ao nosso bar e até ao restaurante”, isto se ainda houver lugar.
O Vista sofreu uma grande remodelação no início de 2019. Toda a cozinha foi mudada e aumentada. Há agora uma mesa do chef e uma garrafeira com mais de duas mil garrafas. “Sempre que um cliente chega trazemo-lo cá abaixo para ver a cozinha, conhecer a equipa e ver a garrafeira.”
O espaço onde estão os vinhos, brancos e espumantes era usado para guardar panelas e outros materiais. Tem um ar condicionado a uma temperatura que varia entre os 7 e os 10 graus. Está tudo dividido por regiões e pela forma como aparece na carta, não há que enganar. No piso superior, onde fica a sala, têm algumas referências prontas a usar, mas é sempre necessário vir à garrafeira durante o serviço.
Na cozinha trabalham 12 pessoas, as mesas que também estão no serviço de sala. Parece muito quando sabemos que só há 20 lugares para clientes na sala, mas é o número indicado e afinal estamos a falar de um restaurante com estrela Michelin.
Nas obras deste ano, apenas as zonas de cozinha e garrafeira foram intervencionadas. No próximo ano, quando o Vista regressar em março, é provável que a sala esteja ligeiramente diferente — é a próxima alteração que o chef quer fazer.
Outros dos projetos que estão a ser pensados é a criação de um segundo espaço junto à piscina, onde agora funciona um bar, para ser usado ao longo do ano, também com propostas bastante criativas. Ainda não é certo que vá acontecer, já que o objetivo é também montar uma estrutura no exterior para que a zona de cadeira não fique completamente ao ar livre.
E claro que não nos podíamos ir embora sem provar algumas da ementa. Fizemos um menu Vista, de quatro pratos, mas com o privilégio de estarmos na mesa do chef, uma das novidades que criou com a remodelação no início de 2019. Tem apenas dois lugares, vista para a garrafeira atrás e para toda a azáfama da cozinha à frente.
Aí é possível ver todos os pratos a saírem e saber que cada pormenor é trabalhado com todo o cuidado pela equipa de cozinha. Houve sugestões tão incríveis como um crocante de algas; uma cabeça de carabineiro grelhada que foi depois esmagada na mesa e os sucos juntos a um gaspacho; um caldo de citronela com lulas; ou a raia com alcaparras e canelone.
Curiosamente, o couvet vem a meio da refeição, e é algo que nunca tínhamos visto. O pão é caseiro, a manteiga fumada e o azeite chega numa espécie de tubos de ensaio. O objetivo é provar cada um deles individualmente — há um mais suave, outro mais picante e outro mais ácido — e depois fazer o blend que mais preferir.
As laranjas do Algarve são uma das sobremesas do Vista e por nós vale a pena visitar o espaço só para a provar. É uma ode a um dos produtos da região e tudo começa com o retirar de um citrino, que na verdade é um chocolate cheio de coisas boas lá dentro, de uma pequena laranjeira verdadeira que chega à mesa.
“Tive esta ideia um pouco à pressão. Tinha chegado há pouco tempo e disseram-me de um dia para o outro que os representantes do grupo vinham cá jantar. Tive esta ideia e ficou na carta desde aí, há cinco anos que assim é.” O que se tira da árvore é depois acrescentado num prato a outros elementos onde a laranja também é protagonista.
Esta sobremesa bastava, mas ainda nos presenteiam com o mel. Outra ode a mais um produto da região, o mel, este bastante fustigado durante os últimos incêndios na Serra de Monchique. “Estamos a preparar uma animação para as pessoas verem em QR Code. O objetivo é que conheçam um pouco do se passou.”
No final, é política do espaço dar sempre aos clientes o menu que consumiram, bem como a descrição dos vinhos que acompanharam a refeição. E assim aconteceu connosco. Deixamos a cozinha do Vista só com boas recordações no paladar.