A abertura de restaurantes, que são seja em regime de take-away e delivery, vai mesmo acontecer em Portugal na segunda quinzena de maio, a partir de dia 18. Para Ljubomir Stanisic, nada será como antes e a retoma à normalidade não será feita rapidamente. As pessoas vão continuar com receio de sair à rua e fazer refeições em restaurantes. “Enquanto não existir uma vacina e essa vacina for disponibilizada em massa, somos ratos de laboratório numa experiência social. Ninguém sabe como isto vai correr”, explica em entrevista à NiT.
Acredita tem de haver um controlo real da pandemia para se pensar na retoma à normalidade. “Agora abrimos, se os números escalarem novamente voltamos atrás e fechamos. A que custo? E refiro-me ao custo humano e financeiro. Vamos abrir, fazer encomendas, receber matéria-prima, chamar a equipa, e fechar uma ou duas semanas depois?”, pergunta-se o chef.
Além da questão de saúde, não vê que algumas medidas que foram apresentadas pela Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), que representa o setor, ao governo, no Guia de Boas Práticas a que teve acesso, sejam as melhores. “O ambiente é fundamental. Que ambiente vamos ter com as medidas que estão a ser divulgadas pela AHRESP?”
A questão que se faz, e partilha com outros chefs com quem tem falado, é em que condições é que os restaurantes vão funcionar. “Em vez de receber os clientes num espaço acolhedor, recebê-los num espaço mais parecido com uma espécie de fábrica nuclear, cheia de autocolantes no chão, desinfectantes, distâncias de dois metros entre cada um, barreiras de acrílico?”
A pandemia já mudou o setor, logo a partir do momento em que vários espaços não terão condições para voltar a abrir. “Há muita gente que já perdeu o emprego e muitos outros se seguirão, infelizmente. Estávamos numa fase incrível de crescimento, de evolução, de consolidação de Portugal como um destino de turismo gastronómico brilhante e de repente vemo-nos a braços com uma crise de uma dimensão gigantesca.”
Os conceitos terão de se adaptar e reinventar, mas considera que a solução não passa só pelo take-away. “Nunca pensei a minha comida para isso. Mas não sou contra nem nunca digo nunca. O que acho é que se todos passarmos a funcionar em regime take-away vai tudo à falência na mesma. Para faturar 15 por cento do que faturamos, não consigo sequer pagar a renda.”
Acredita de todos os projetos e conceitos terão de se adaptar e não apenas os chamados de cozinha de luxo, que irá continuar, na sua opinião, noutros moldes. “Ir a um restaurante, ir a uma tasca, hoje, já é um luxo. Comer um bom bife vai ser considerado luxo. Quando falamos de fine dining, claro que vai ter de ser adaptado. Vamos ter de fazer alterações nos produtos, apoiar ainda mais os nossos produtores.”
O olhar mais para os produtos nacionais pode ser um começo. “Uma das coisas mais importantes que podemos fazer agora é representar o nosso País, os nossos interesses, apoiar a produção nacional, consumir o que é português, acabar com as importações. E é preciso baixar o IVA, senão será insustentável.”
O chef tinha acabado de celebrar um ano de abertura do novo 100 Maneiras, no Bairro Alto, em Lisboa, mas neste momento não sabe como serão os próximos meses. “Seria um ano sobretudo de consolidação, de nos desafiarmos, de curtirmos o restaurante, experimentarmos novos formatos. Neste momento, não faço ideia como será, o que nos espera.”
Ainda antes do estado de emergência, encerrou os restaurantes. Mais tarde, recorreu ao lay-off, mas acredita que não foi o melhor que poderia ter acontecido ao setor da restauração. “Quando acedemos ao lay-off ninguém nos está a dar nada. Todos estes impostos que paguei ao longo destes anos seriam supostamente precisamente para, nestes casos de necessidade, termos apoios que não estamos a ter. Pedimos empréstimos bancários que vamos ser nós a pagá-los. Para ir à banca não precisamos do estado para nada.”
Os apoios recebidos pelo estado são poucos e não os considera como tal. ”O Estado deu-nos uma mão vazia. O que recebemos foi a possibilidade de irmos pedir créditos e endividarmo-nos. Seria fundamental termos apoios nas rendas, como está a acontecer em Inglaterra, por exemplo. Há países onde os apoios são dados a 100 por cento e nós não temos qualquer apoio nas rendas nem na segurança social.”
Não despediu ninguém, apenas foram dispensadas as pessoas que estavam à experiência e não tiveram condições de contratar. Teve de recorrer a créditos para conseguir assegurar todos os pagamentos. “Já recorremos a todos os créditos possíveis, empresariais e pessoais. Tanto eu como os meus dois sócios investimos todo o dinheiro pessoal que tínhamos para segurar a empresa nesta fase. Mas que empresas nestas condições não teriam dificuldades? Temos facturação zero e uma parte enorme das nossas obrigações mantém-se.”
Tem passado parte da quarentena e as últimas semanas em reuniões na gestão da situação. No Instagram, partilha várias receitas e alguns diretos para os vários seguidores. “Tudo sem grandes regras nem obrigações, é uma coisa feita de coração, espontânea, quando tenho vontade de o fazer. As pessoas respondem muito bem e sinto que é uma pequena ajuda que posso dar a quem está em casa e assim se sente mais acompanhado.”
Outra das ações que já fez foi criar um festival online com a ajuda da mulher, Mónica. O Love Aid contou com 14 horas seguidas de Ioga, concertos, cozinha, artes e performances. “É preciso manter a esperança, o optimismo. É para isso que quero contribuir.”