Vaguear pelas caixas de comentários de notícias tem tanto de voyer quanto de louco. Dei por mim ontem num destes exercícios e achei que tinha entrado numa realidade paralela.
Sobre uma notícia tão simples como o facto de a temperatura descer nos próximos dias devido a uma frente fria, os comentadores responderam com insultos à classe jornalística, insultos uns aos outros, insultos ao IPMA, insultos à própria frente fria e insultos ao Passos Coelho.
Nesta altura convém que explique que a dita frente fria (designação científica do fenómeno meteorológico, não querendo necessariamente dizer que venha aí frio) – e aqui esteve o busílis da irritação – faria baixar as temperaturas atuais 10 graus, ou seja, teríamos temperaturas ainda na ordem dos 30 graus, ergo, calor.
E foi assim que, espero eu muito devido à moleirinha ainda amolecida pelo sol de verão, os ditos trolls – nome científico que se dá à espécie que se dedica a azucrinar a vida alheia na Internet – deram asas à sua estupi… indignação.
Para efeitos de análise rigorosa, procederei à sua divisão em várias categorias, para que os possamos apreciar em toda a sua plenitude. De notar que todas elas são transversais à generalidade das notícias online, não escolhendo sexo, nem idade, nem publicação:
— os indignados: “MAS ONDE É QUE ISTO É NOTÍCIA SENHORES??!!”, “AINDA VAI ESTAR UM CALOR DO CATANO!!!”, “ISTO É SÓ PARA ENGANAR AS PESSOAS!!”, “OH DESGRAÇA DE JORNALISMO, ONDE É QUE VAI PARAR ESTE PAÍS?!”;
— os que partem imediatamente para o insulto: “JORNALISMO DA TRETA!”, “ISTO É UMA FRENTE FRIA É MAZÉ O PIIII”, “A VOSSA MÃE É QUE ME SAIU UMA BELA FRENTE FRIA, CAMBADA DE PIIII, DEVIAM IR TODOS PIIIII”;
— os que, no meio da balbúrdia, tentam trazer a luz: nesta notícia em particular, vieram inclusivamente meteorologistas, com uma paciência infinita, tentar explicar que de facto uma redução de 10 graus é significativa, que nós é que estamos com muito calor, mas em vão, tendo, aliás, esbarrando com a categoria abaixo;
— os que só querem é semear o caos: estes fazem disto profissão, de certezinha. Imagino gente mal lavada, que nem tira a roupa com que dorme, que vagueia pelos sites de notícias sedenta de sangue, em busca do novo conflito. Aqui as achas lançadas foram do tipo: “TRETAS!”, “QUE ESTUPIDEZ!!”, “PASQUIM!!”, “VÃO MAS É FAZER NOTÍCIAS SÉRIAS”;
— os que só querem semear o caos, mas em bom: “hum hum, calor, que bom, assim já posso fazer coisas bem quentes que com este calor era impossível hum hum”, ou “É a frente de ataque das quinas, composta pelo Quaresma, o Nani e o Éder”, “A frente pode ser fria, mas a parte de trás…”;
— os para quem a culpa é sempre do Passos Coelho: “Pronto, agora que isto estava a correr bem, veio o Passos Coelho e agoirou isto tudo!”
— a grávida: elevar esta malta a categoria serve um propósito claro, o de abarcar quem acha que a sua maleita/condição/questiúncula lhe dá direito de contar uma história pessoal e aborrecer de morte os restantes comentadores. Na notícia em causa o que se passou foi algo como “E eu que estou grávida?! Já não aguento este calor”; “Ontem estive com 38,8 de febre e tive que aguentar a panos de água nas pernas”; “Estou proibida de apanhar sol e o calor põe-me muito doente, prefiro frio”; “Pois, o meu joelho já me tinha avisado que vinha aí mudança de tempo”. Aqui gostaria de partilhar com os estimados leitores que eu, na qualidade de portadora de lentes de contacto, sou uma pessoa que também sofre com coisas assim no geral.
— os OI?!: cientistas têm tentado sem sucesso sequenciar o genoma desta gente para tentar perceber comentários do género “Vai estar menos calor? Na quarta podes sair e levar o pudim, Sandra”; “Isto é o que faz mal aos corpos sobe e desce”; “Estou cheia de calor”; “Quem é essa maravilhosa na bóia?” ou o enigmático “Ghkhd”;
— os ingénuos: “Há pessoas aqui que fazem comentários pessoais e toda a gente lê!”; “Credo, até parece que vamos ter todos de andar de casaco”; “Vá lá, não se zanguem!”.
Eu ficava aqui até amanhã. De repente lembro-me de mais umas 20 categorias, entre elas “os que não sabem de onde vêm nem para onde vão”, mas acho que a prosa já vai longa. Por mim, distribuía cursos de gestão de stress à maioria e arrefinfava uma beijoca na bochecha que quem, para mim, proferiu o melhor comentário, só percetível para alguns iluminados: “Winter is coming”.
Viviane Aguiar é a autora do blogue A casinha da Boneca.